Os distúrbios mentais costumam submeter seus portadores a situações de grande angústia, capazes de arruinar sua vida. Nos últimos tempos, a psiquiatria tem se debruçado sobre uma alteração que, às vezes, age de forma oposta: contribui para o sucesso pessoal e profissional do portador. A alteração chama-se hipomania, uma variante suave do transtorno bipolar, no qual o paciente alterna períodos de euforia com outros de depressão. Nos casos clássicos de transtorno bipolar, as mudanças de comportamento representam alto risco para o portador. Na euforia, ele se torna violento, perde a noção de realidade e toma atitudes bizarras ou perigosas. Quase sempre acaba internado, quando então mergulha numa depressão profunda que pode levar a atitudes suicidas. Nos hipomaníacos, o processo é diferente. A euforia se manifesta de forma consciente, é constante e, de modo geral, direcionada para atitudes produtivas. Pode durar meses, anos ou a vida inteira. Não há distorção grave da realidade e a depressão se resume a crises amenas, não muito diferentes daquelas a que qualquer pessoa está sujeita. Resultado: o distúrbio trabalha muitas vezes a favor de seu portador, dando a ele uma energia e um otimismo incomuns diante das situações do dia-a-dia. Calcula-se que pelo menos 6% da população mundial seja hipomaníaca.
É fácil reconhecer o hipomaníaco. No trabalho ou no convívio social, é aquele sujeito que parece ligado na tomada. Fala, pensa e age mais rápido que os demais. Dorme pouco, mas está sempre disposto, entusiasmado e cheio de idéias. Confiante, fala em projetos grandiosos. Faz várias coisas ao mesmo tempo e dá conta de todas elas. Em geral, os hipomaníacos são os mais populares da turma ou os “queridinhos” do chefe. Em muitos casos, são os próprios chefes. Esse é o lado bom da hipomania. As mesmas características levam os hipomaníacos a tomar atitudes que os prejudicam. Sua confiança sem limites faz com que reajam mal ao ser contrariados, mesmo em assuntos de pouca importância. Em casos extremos, sentem-se perseguidos por quem não concorda com suas opiniões. Tendem a assumir riscos exagerados, inclusive de vida. São propensos a comportamentos compulsivos, como gastar demais ou beber em excesso. “Os casamentos dos hipomaníacos costumam durar pouco”, informa a psiquiatra Dóris Moreno, do Hospital das Clínicas de São Paulo. “É difícil conviver com alguém cuja autoconfiança é ilimitada e que não gosta de ser contrariado”, ela completa.
Um livro recém-lançado nos Estados Unidos procura demonstrar que a hipomania está por trás dos feitos de muitos personagens célebres em todas as áreas do conhecimento. Em The Hypomanic Edge – The Link Between (a Little) Craziness and (a Lot of) Success in America (Os Limites da Hipomania – A Ligação entre (um pouco de) Loucura e (muito) Sucesso na América), o psiquiatra John D. Gartner, da Universidade Johns Hopkins, argumenta que a maioria dos empreendedores que fizeram a história dos Estados Unidos era hipomaníaca – a começar pelo próprio descobridor da América, o navegador genovês Cristóvão Colombo. Ele cultivava uma fé quase irracional em si mesmo. Também costumava ouvir vozes divinas falando-lhe sobre a viagem do descobrimento. “Como uma mão que podia ser sentida, Deus mostrou-me que era possível fazer a viagem e me encorajou a completar o projeto”, escreveu Colombo à corte espanhola em 1500. Segundo Gartner, 39% dos hipomaníacos relatam presságios divinos ou sentem-se impulsionados por vozes internas. O americano Henry Ford, pioneiro da indústria automobilística, citado no livro como um hipomaníaco histórico, tinha como mantra o seguinte raciocínio: “Tudo pode sempre ser feito mais rápido”. Não por acaso, Ford inventou também a linha de montagem, que reduziu drasticamente o tempo de produção de seus veículos.
Entre os contemporâneos analisados no livro de Gartner está o geneticista americano Craig Venter, um dos maiores cientistas da atualidade, chefe da equipe que concluiu o mapeamento do genoma humano em 2000. Venter concordou em se submeter a testes conduzidos pelo psiquiatra e, ao final, admitiu ser hipomaníaco. “Durante toda a vida me achei meio amalucado. Tinha tantas idéias grandiosas que era difícil manter o foco em uma delas. Mas sempre tive esse senso de grandeza, sabia que ocuparia um lugar importante na história”, disse Venter a Gartner. Para os hipomaníacos, o céu é o limite.