A busca da felicidade*

*texto baseado em uma palestra maravilhosa do Prof. Dr. Alberto Luis Hanns

A busca da felicidade nasceu a pouco tempo. Será que veio junto com o capitalismo? Vamos pensar um pouco. Cem anos atrás, quando os pais tinham filhos, perguntávamos a eles: “O que desejam para seus fihos?” Entre as respostas mais comuns estavam: “Quero que tenha um bom emprego”, “Quero que tenha um bom casamento e filhos”, “Quero que consigam uma boa casa e dinheiro”. Quase nenhuma, pra não dizer nenhuma das respostas era sobre felicidade. Hoje, quando se nasce um filho, uma das primeiras coisas que os pais desejam é “Que sejam felizes”.

Olhando mais de perto a sociedade de cem anos atrás, o que podemos dizer dela? O que era esperado de uma pessoa? Em geral, era esperado que, se fosse homem, continuasse os negócios do pai, e se este não tivesse negócio, que o filho conseguisse um bom emprego, um emprego que desse dinheiro,e melhor ainda se gerasse riqueza. Era também esperado que ele arranjasse uma boa mulher, e tivesse filho. No caso da mulher, era esperado que ela arranjasse um bom casamento, conseguisse ter filhos, e fosse uma boa dona de casa. E a felicidade? Bom, se sobrasse tempo, ou se tivessem sorte, daria tempo também pra ser feliz. Quem sabe a esposa além de ser boa podia despertar uma paixão, ou quem sabe o emprego além de dar dinheiro pudesse ser legal. Mas isso não era importante. O importante era passar pela vida, sobreviver e seguir as regras sociais.

O que mudou? O lugar do desejo, eu diria. Antes, podiamos desejar o quanto fosse, mas jamais colocariamos ele em primeiro lugar. Primeiro sempre a obrigação, as responsabilidades, as regras sociais, a sobrevivência, e depois quem sabe se der tempo o desejo. Mas, com a mudança das condições de sobrevivência do mundo, a liberdade de pensamento e opiniões, e com a mudança da sociedade, a gente passou a poder pensar no nosso desejo. Os filhos, quando cresciam, não precisavam mais trabalhar no que desse dinheiro ou na empresa dos pais. Eles podia escolher uma profissão que os agradasse. Esse foi o primeiro grande momento em que o desejo passa a ser colocado em primeiro lugar. Mesmo os mais pobres passaram a tentar trabalhar para ganhar dinheiro sim, mas em algo que gostassem. Na sequência, as mulheres não precisavam casar com o homem de bons dotes, poderiam permitir-se apaixonar e escolher o marido com quem iriam passar o resto da vida. Novamente ai o desejo vindo em primeiro lugar. E assim muitas outras pequenas coisas foram nos permitindo desejar e ir atrás dos nossos desejos.

O que eu quero dizer com tudo isso é que a idéia de felicidade é cultural. Em alguns lugares ainda hoje se pensa desta forma, e em outros existe o culto do desejo. Ser feliz é algo que surgiu com a nossa cultura. E no momento vivemos o excesso da felicidade. Nossa sociedade capitalista e líquida (Leiam Bauman) prega a hiperfelicidade. Só que essa felicidade é idealizada, se faz uma idealização de uma vida a ser vivida. Não é a toa que se fala tanta em depressão. Porque essa felicidade que se vende não é real, não está ao nosso alcance, ela não existe. Vou explicar melhor.

O que é ser feliz hoje, segundo nossa sociedade? Bom, a lista é grande, mas entre os principais itens estão:

– Ter um emprego que eu goste.

– Que este emprego me dê dinheiro suficiente pra eu fazer tudo que quero e preciso.

– Ter uma casa boa.

– Que esta casa seja num bom bairro.

– Ter um marido (esposa) que eu seja apaixonada(o).

– Ter filhos saudáveis e bonitos.

– Que meus filhos estudem numa boa escola.

– Que eles sejam inteligentes.

– Ter saude, ou seja, estar sempre em dia com meus exames e médicos.

– Ter um corpo bonito saudável e sarado.

– Portanto, ter tempo de ir na academia todo dia.

– Ter um bom carro, pra me locomover com segurança.

– Ter uma dieta saudavel, rica em proteinas e vitaminas.

– Ter uma empregada para cuidar de minha casa e roupas, ou ter tempo para eu mesma fazê-lo.

– Que meus pais e sogros tenham saude.

– Ter tempo para desenvolver projetos pessoais.

– Praticar esportes.

– Que eu tenha tempo pra me divertir com meus hobbies.

– Sempre conversar com meus filhos e brincar com eles.

– Acompanhar a educação dos meus filhos, indo a escola nas reuniões e ajudando nos deveres de casa.

– Ter qualidade de tempo com meus filhos e com minha esposa(marido).

– Viajar com a familia em feriado ou férias.

– Estudar para ser um melhor profissional do meu trabalho.

– Dormir tempo suficiente para meu corpo descansar.

etc…

Bom, a lista pra sermos felizes está grande né? E olha que nem coloquei detalhes pertintentes a cada singulariade de cada sujeito…

A idéia que quero transmitir é que esta felicidade que se vende nas tvs, nas novelas, nas propagandas e nos outdoors não existe, é impossivel. Só que a sociedade nos vende essa idéia, e nós, não percebendo a furada, nos sentimos um peixe fora da ninho. Sim, porque nos somos os iditoas, os otários que não conseguem ter essa felicicade, então que raio de porcaria somos não? Assim a gente se sente bem excluido, bem longe dessa realidade. Mas as propagandas insistem em nos dizer que para ter essa felicidade é só ir atrás. Basta fazer curso xyz ou arrumar emprego na empresa abc ou ter o celular 78787d. Ai o que a gente faz? A gente acredita, e vai lá e faz o que nos venderam. E o que acontece em 99% dos casos? Não dá certo. Nada do que compramos nos traz a tal felicidade, então passamos a nos sentir incapazes, frustrados, deprimidos, porque simplesmente não nos sentimos capazes de obter tal felicidade. E pra piorar, a sociedade pega aquele 1% que consegue ter essa felicidade (que alias nem sempre são felizes também, vide casos como Britney Spears), porque é dificil e raro mas acontece, e fica te comparando com ele, mostrando como você é incapaz. Dificil ser feliz assim não é mesmo? Isso explica o numero gigantesco de depressões e frustrações?

 

Pra ilustrar um pouco mais, vou contar a história da plantinha. Ela vivia quietinha no seu canto da beira da estrada, tinha seus 20 centimentos de altura e poucas folhas, vivia na sombra mas estava satisfeita com sua vida. Até que um dia passa um bichinho e conta pra ela que logo adiante na estrada as plantas como ela são muito mais bonitas, pois o terreno é mais valorizado, bate sol, é lindo, uma beleza. As plantinhas de lá crescem muito mais, chegam a ter cerca de um metro de altura e com muitas folhas. O bichinho comenta ainda que ela devia se esforçar pra pegar um pouco de sol,quem sabe também nao é capaz de crescer e ficar tão bonita como as outras. A plantinha fica lá se esforçando pra pegar um sol que nunca bate ali, pois a região onde ela esta plantada não bate sol. É uma caracteristica do local onde ela nasceu. Assim ela fica triste. Percebe que as condições que nasceu não ajudam para que ela desenvolva sua beleza e fique como as outras. Mas vendo que nada pode fazer, desanima e fica triste. Tempos depois o bichino volta, e diz que as plantas estão mais felizes do que nunca, porque agora além do sol lindo que bate lá elas estão também dando frutos, e muitas outras plantinhas estão nascendo lá. O bichinho conta pra plantinha que não é muito longe de onde ela etsá, quem sabe ela se esforçando para arrancar suas raizes e ir andando até lá consegue chegar. A plantinha fica toda animada e começa a fazer um grande esforço para arrancar suas raizes do solo e se arrastar até lá. Vendo que por mais que esforce, não consegue nunca, fica deprimida, ansiosa, com a auto estima rebaixada. Fica também com raiva e inveja.

 

A midia, a educação, os livros, as músicas, tudo hoje nos vincula uma ideia que é facil e barato viver, e ser feliz, e a verdade não é bem assim. Viver é dificil mesmo, pra grande maioria. E a felicidade não está em coisas e nem desejos. Viver com essa sociedade nos comparando uns com os outros o tempo todo é duro, não somos capazes de ter autonimia psiquica. A gente passa a querer essa idéia de felicicade e tudo em alinhamento. Que a nossa lista feita lá em cima aconteca tudo ao mesmo tempo. E quando isso não acontece, doi, machuca, se faz presente de uma forma gigantesca.

Felicidade é possivel? Sim, com certeza. Mas não essa hiperfelicidade pregada hoje. A verdade é que simplesmente não dá pra ser bom em tudo o tempo todo. Não dá pra ter aquela lista perfeita o tempo inteiro.

 

 

Generalizando, os caminhos ocidentais e orientais pra felicidade são diferentes. Estou generalizando porque no mundo de hoje ocidente e oriente já estão tão misturados um no outro que não dá pra fazer essa divisão de forma ingênua. Vou ser simplista, não porque não sei a complexidade de cada um, sim para poder tentar passar um idéia geral do assunto.

A visão budista oriental, bem a grosso modo, diz que a relização do desejo não traz feliciade. E por isso as pessoas estão sempre atras de coisas e objetivos para ser feliz e nunca são. Fora que a probabilidade de se conseguir o que se deseja sempre é muito pequena. Então, segunda essa visão, o problema é desejar. Portanto, o que eles acreditam é que é necessário não desejar. Se despir de desejos. Como eles conseguem isto? Não é fácil. Eles começam tentando de desprender das coisas, abdicando de coisas materiais e também simbolicas, como as relações familiares, relações amorosas etc. Se desligar do desejo signifca se tornar indiferente ao desejo. Não ligar. Viver o aqui-e-agora. Assim a ligação com o desejo vai inexistindo, e isso traria uma serenidade. Portanto, felicidade seria igual a serenidade. Tudo que preciso esta dentro de mim. Isso é um caminho, esvaziar o desejo.

A visão socrática-freudiana ocidental parte do principio que nos somos seres de conflito o tempo inteiro. Esta tradição parte do principio que devemos cultivar nossos sentimentos e desejos, mesmo pagando o preço no final. Não existe prazer sem desprazer, portanto todo desejo trará consigo um desprazer. Tudo tem um preço. E a visão ocidental aceita pagar esse preço para poder desejar. O que Freud acresenta a isso é que não podemos ser ingênuos. Vale a pena desejar, ir atras do desejo, mas podemos resistir ao desprazer que vem com ele. É preciso entender também que o barato da vida não é desejar e ter o desejo assim pronto, o legal é o caminho que se percorre atras do desejo. Isso é que tras felicidade, a sensação de que estamos indo atras do nosso desejo. É o processo, e não o fim.

 

Assim, o segredo pra ser feliz cada um acha o seu. Mas nao da pra ser feliz do jeito hiperfeliz que nossa sociedade nos vende. Então, não da´pra ser bom pai, bom profissional, bom esportista, sarado, saudavel e inteligente. Não da pra ter aquela lista todo o tempo todo. Então a partir do momento que aceitarmos esta castração, podemos escolher no que dá pra ser feliz. Bom, eu posso ser um bom pai, mas ser um mediano profissional. Ou posso ser um bom profissional e bom pai, mas meu corpo vai ser meio gordinho. Enfim, cabe a cada um ver no que dá pra ser excelente e no que terá que ser mediado, porque a nossa vida simplesmente não nos permite se excelente em tudo. É uma questão prática. Cabe a cada um lidar com isso ou continuar tentando ser excelente em tudo e continuar frustrado por nao conseguir….

 

Um adendo

Já perceberam o tipo de coisa que a midia vincula e a gente passa a acreditar e sofrer? Exemplo: Noticia de hoje, primeira página do globo.com >> Britney Spears aparece com buraquinhos nas pernas. Noticia de outro dia, também no mesmo site, primeira página: Daniela Sarayba na praia, deixa a mostra suas pernas com celulites. Um pouco antes disso no mesmo local: A queridinha da américa Jennifer Love na praia, mostra que já não esta tão em forma como antes, com seus quilos a mais e celulite.

E eu digo: WHAT THE FUCK? Isso é noticia digna de primeira página? Que toda mulher chega uma momento da vida que engorda e tem celulite todo mundo sabe. Alias, todo mundo sabe não, todo mundo vive isso. E dai? Elas são humanas, não são bonecas.´É natural que tenham imperfeições. E qual é o problema disso? Qual é a novidade que deve ser colocada em primeira página?

Pior ainda, pegam essa tal de Solange Frazão, com 45 anos e saradissima, e colocam como modelo de mulher. Noticias e reportagens perguntando qual o segredo, etc etc. Quando eu trabalhava no banco, um dia estava ela lá, no caixa eletrônico. Dez minutos e ela não saia de lá. Fui lá. Ela, indignada, e linda (é verdade) dizia: ah, essa máquina está quebrada, não consigo tirar dinheiro, o que acontece? Ai fui ver. E te conto. O que acontece é que era uma máquina do Banco 24 horas, e antes de começar qualquer operação ele perguntava: Essa operação custará 2,30 você deseja continuar? E imagina o que ela estava ha dez minutos fazendo? Apertando a tecla não, e esperando continuar…. Sem comentários.

Enfim, cada um escolhe no que quer ser bom e no que quer ser mediano. E quando isso não é bom pra midia, quando isso não vai de acordo com a hiperfelicidade que eles vendem, eles vão lá e quebram o pau. Mostram como você é uma Et porque tem celulite, ou porque anda com uma roupa de um estilista desconhecido. Cada um escolhe seu caminho, qual o seu?

2 Comments

  1. Bel

    É tão complicado esse papo de felicidade… Não sou do tipo depressiva, mas acho difícil ser feliz o tempo todo, acredito mesmo que a felicidade são momentos, por isso, às vezes achamos que não somos felizes… o momento passa e nem notamos.

    Longo, mas gostei!

    Bj

  2. Aline

    Gostei muito do texto… A felicidade é realmente muito relativa e há muito o que se pensar sobre. Mas concordo com a Bel, a realidade é que a felicidade nunca é plena, os momentos é que são felizes ou não.

    Cabe a nós saber quais são aproveitar tais momentos que nos trazem felicidade.

    beijo

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