Os relacionamentos e o Sintoma

Quando recebemos um sujeito em análise, este vem com um pedido. Por exemplo: Quero aprender a não ser tão dependente das pessoas; Tenho muito medo de andar sozinho na rua de noite e isso me prejudica, quero não ser mais assim; Sou muito ciumento e isso preudica meus relacionamentos, quero aprender a me controlar. Enfim, muitos são os pedidos dos sujeitos quando estes procuram uma análise. Se procuram uma análise é porque algo os incomoda e eles querem fazer algo a respeito daquilo. Assim, dizemos que todo sujeito vem com uma demanda, um pedido. Isso é o sintoma, o que se apresenta no inicio de uma análise endereçada como um pedido ao analista, na forma de uma demanda.

Mas nada é assim tão simples. Por que, Freud ja dizia isso a cem anos, nem sempre a demanda é o problema de verdade. Nem sempre o sintoma coincide com aquilo de que o sujeito se queixa. Em 99% dos casos é preciso investigar, ir mais além da queixa inicial pra realmente se descobrir qual é o sintoma, que é onde tudo começou. Por exemplo, um sujeito que vai buscar análise porque tem medo de andar sozinho a noite. O Sintoma principal deste sujeito não está em andar a noite, o medo de andar a noite é só a forma como o sintoma aparece. Mas dai precisamos entender de onde vem isso, como começou, e muitas vezes vamos lá longe na infância pra descobrir uma coisa que hoje aparece no medo de andar a noite. E muita vezes encontramos muitos outros sintomas atrelados a este, que também precisam ser trabalhados.

Todo sujeito tem um sintoma mestre. Aquele sintoma que é responsável por todos os pequenos sintomas em sua vida. Esse é dificil de trabalhar, porque geralmente tem um bem secundário muito grande. Freud dizia que, se o sintoma é tão ruim, então porque os sujeitos os levam por uma vida toda? Porque não conseguem sozinhos se livrar deles? Porque junto como sintoma, está o bem secundário. É como se toda coisa ruim tivesse atrelada a uma coisa boa, e por isso ficaria tão dificil se livrar do ruim. Por exemplo: Se tenho medo de andar de noite no escuro, então meu marido sempre me busca de carro no trabalho. Isso era a mesma coisa que meus pais faziam, me buscavam na escola, na casa dos amigos, e é tão bom porque me sinto protegida, querida, e também porque ficamos mais tempo juntos, já que em casa a gente nunca tem tempo de conversar. Entenderam o exemplo? Esse simples exemplo as vezes leva meses pro sujeito perceber o que de bom tem no seu sintoma, e por isso também não quer se livrar dele. Todo sintoma tem seu bem secudário. Por isso damos mil desculpas pra não deixar de ter o sintoma, mas no fundo o bem secundário é uma das grandes dificuldades, entre outras claro, de se livrar de um sintoma.

Alias, o sujeito se livra de seu sintoma? Segunda Lacan, não. O sintoma estã tão atrelado a nossa vida e existência que não existe uma forma de extingui-lo. Então pra que servem os anos e anos de analise? Pois é, servem pra muitas coisas. Primeiro pra identificar o sintoma e o bem secundário, e esse trabalho já demora, porque até você chegar no seu sintoma mestre, você passa por varios pequenos sintomas antes, e dai vai descobrindo que ainda sempre o buraco é mais embaixo. E quando você finalmente chega no seu sintoma mestre (se chega, porque o caminho é doloroso e muitas pessoas abandonam a análise), dai sim você vai pensar como dar conta dele. Lacan defende que, o que o sujeito pode fazer com seu sintoma é torná-lo um estilo de vida, fazer dele algo de bom, ou seja, continua-se com o sintoma mas se aprende a lidar com ele na vida, de forma que isso não pejudique mais o sujeito, e sim se torne algo construtivo para ele. Dificil né? Eu sei, nada é fácil mesmo.

Mas porque estou falando tudo isso? Porque isso se aplica nos relacionamentos. Quando escolhemos alguém para namorar ou casar, escolhemos alguém baseados no nosso sintoma. É um casamento de sintomas, na verdade. E por isso ocorrem muitas separações, ou muitos namoros não dão certo. Dando um exemplo bem simples (nada é tão simplista como escrevo aqui, só o faço para ilustrar as situaçãos ok?) Maria gosta de cuidar de pessoas, tipo maternalmente mesmo. Gosta de mandar e ser obedecida. É obcecada por estudos e gosta de ensinar o tempo todo. Paulo é um eterno bebê, sempre esteve embaixo das asas da mãe, essa que fez tudo pra ele, nao o ensinou a ser adulto e assim Paulo tem grande dificuldade em tomar decisões e ir atras de um futuro pra si. Maria e Paulo se conhecem e se apaixonam loucamente. Um completa o sintoma do outro. ´Tudo vai dando certo, e pode dar certo até o fim da vida. Ou em certo momento da vida, Maria ou Paulo não estão mais satisfeitos com a pessoa que são. Maria percebe que os beneficios de ser mãezona e de cuidar são poucos em comparação com o cansaço que ela fica por ter que decidir tudo sempre. Ou se não ela, Paulo percebe que é muito imaturo, e acha que está na hora de cuidar de si mesmo, e assim não deseja mais alguém que cuide dele. Conflito. Os sintomas não se completam mais!!!

Isso acontece bastante quando um do casal faz análise, mas nem precisa fazer analise pra isso acontecer, muitas vezes acontece de forma natural na vida dos sujeitos mesmo. Os sintomas acabam não se mostrando suficientes para viver. Os bens secundários não são assim tão bons, e o sujeito quer mudar. Muitas vezes simplesmente muda o sintoma de lugar, ou, no caso da analise, dá outro caminho pra seu sintoma, e ai?

(É por isso que tendemos a escolher sempre o mesmo tipo de parceiro na nossa vida, já pararam pra perceber que, no fundo, todos nossos parceiras eram muito parecidos em pelo menos uma coisa?)

Bom, dai que se o casal ainda quiser ficar junto, é preciso se ajustar. Se o sintoma que os prendia já não cabe mais, não serve mais porque nao esta mais presente pra uni-los, é preciso que esse casal consiga achar outras formas de continuar unido, de continuar juntos. Eles podem se adaptar a um relacionamento diferente do que tinham antes, e pode dar muito certo, pode dar mais certo do que antes. Porque pode se tornar um relacionamento no qual de fato ambos estão juntos por um sentimento, e não só por um sintoma. Mas o que acontece em grande maioria dos casos é que só um consegue lidar com a mudança, e o outro, ainda preso em seu sintoma, não entende porque tudo mudou, e continua sua jornada buscando outras pessoas que possam preencher seu sintoma.

Por isso relacionar-se é tão complicado. Porque além de ter um sentimento que os una, o casal precisa ver também a quantas anda seu sintoma, que de fato está o tempo todo mudando, então o casal tem que ir se adaptando o tempo todo. E nem todo casal consegue isso. E não só nos casais, mas em todo tipo de relacionamento, como os familiares, pais e filhos, como também no trabalho, amigos de trabalhos e seus chefes, enfim, essa questão do sintoma cabe a tudo isso.

Sou uma pessoa muito a favor dos relacionamentos. Acredito que relacionar-se é uma necessidade fundamental dos seres humanos. Aprendemos muito nos relacionamentos, não só de nos mesmos, mas dos outros também. E vejo a beleza que é as pessoas sempre tentando superar suas dificuldades, sempre acreditando que encontrarão alguém a quem se sentirão mais próximas, as vezes casando vários vezes pra isso, outras vezes casando com um só homem e tentando dar conta das mudanças, enfim, relacionar-se não é pra qualquer um. É belo, e dificil, um caminho que vai se construindo ao mesmo tempo em que se vai vivendo.

Por isso defendo tanto a bandeira contra o excesso de tecnologia e seus vicios atrelados, porque ela, quando usada de forma errada (como acontece hoje em 90% dos casos) tira e encurta isso que temos de melhor em nós: a capacidade de se relacionar de forma profunda com outros seres humanos.

1 Comment

  1. PAULA

    É MESMO

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