Acabei de ler isso, e não pude deixar de responder. As pessoas precisam ser um pouco mais profundas em suas supostas análises críticas.
Minha pequena resposta:
Pra criticar, é preciso saber muito do que se critica, porque senão corre-se o risco de falar muita bobagem em relação ao assunto. Bobagens escondidas em forma de uma suposta crítica.
Leia “Em defesa da Psicanálise – E. Roudinesco” e saiba porque os dois livros passaram longe de criticar a psicanálise, e sim criar um movimento anti-piscanálise. E querer falar de como a Psicanálise não está presente nos currículos no Estados Unidos, é querer insinuar que os Estados Unidos é determinante cultural e educacional para o resto do mundo, é no mínimo pequeno demais, pra não dizer irreal. Os Estados Unidos sempre foi modelo para tecnologia e farmacologia, mas o mesmo não se diz para a área da Educação. Não só no Brasil, mas em toda Europa e Canadá, entre outras, essas sim referência na Educação, continuam estudando a psicanálise, e seus efeitos continuam ecoando.
É triste perceber que ainda existem pessoas que acreditam na existência de uma verdade absoluta, que pode ser mensurada e provada por testes e experimentações. Não é a toa que o mundo farmacológico “cresce” criando pílulas para doenças que nem existem. Afinal, em tempos de capitalismo (modelo vendido pelos EUA), tudo se resume a produto e resultado, e para isso temos que tirar o direito do sujeito a ter “um inconsciente, pois precisa virar escravo de seus neurônios e de sua cognição, perdendo sua posição de sujeito e as possibilidades de escolha. É sempre viver anestesiado por remédios” (Roudinesco, 2010)
E, para esclarecer, a Psicanálise não quer e nunca quis ser essa ciência experimental e positivista. E as pessoas ainda se aproveitam da transparência de Freud nos seus trabalhos para recortar somente o que interessa para fazer parecer que as pesquisas nunca tiveram metodologia. Como eu falei logo no começo, até pra criticar precisamos entender um pouco do que estamos falando.
Olá, Aline.
Contraponto, se me permite: http://index.opsblog.org/04/2010/onfray-freud-psicanalise/
Abs.
A discussão está sempre aberta! 🙂
Na Interpretação dos Sonhos, obra seminal, há um método que se pretende, sim, científico – quem fez psicanálise nos anos 70 lembra dos analistas interpretando sonhos com segurança, exatamente (exatamente!) como quem resolvesse um problema de Física ou de Matemática. E nas histórias de Berta Pappenheim e do Homem do Ratos, para citar dois exemplos, há uma tentativa de comprovação experimental de uma teoria – isso é método científico. Freud era influenciado pela Física newtoniana: objetos impenetráveis e processos definidos como interações entre eles. Em suma, simplesmente não serve à verdade dizer que “a Psicanálise não quer e nunca quis ser essa ciência experimental e positivista”.
No livro de Janet Malcolm (Psychoanalysis, the Impossible Profession) ela lembra que Freud achava que a Psicanálise resolveria os problemas em um ou dois anos; nos anos 50, o prazo foi para uns 5 anos, nos 80 para dez anos. Hoje simplesmente não se dá estimativas. Tornou-se coisa de gente muito rica ou funcionário público brasileiro – pessoas ociosas e com a vida ganha. Em suma, há dúvidas sérias sobre a funcionalidade, e trata-se de algo que tem coisa de 100 anos – teve muito tempo para provar sua eficácia.
Colocar no capitalismo e nos Estados Unidos a culpa pelas críticas à Psicanálise é uma falácia lógica, conclusão sofismática – colocar argumentos que não têm relação direta com o que está sendo discutido.
Acho que me expressei errado quando falei sobre o capitalismo e nos Estados Unidos. Nunca foi minha intenção colocar “culpa” em lugar nenhum, até porque acho perda de tempo achar culpados. As críticas, quando bem intencionadas, tem todo o lugar na Psicanálise e em qualquer lugar. O que eu quis dizer quando mencionei ambos foi que eles não são padrão de comparação no que diz respeito ao estudo da Psicanálise em Universidade.
Concordo com você que as tentativas de positivar a psicanálise transitam, e nunca foi de interesse de nenhum psicanalista esconder tais momentos e autores. A questão que fica, é que, exatamente por ser transparente em seu desenvolvimento, a Psicanálise se torna alvo de especulações diversas, já que alguns pesquisadorres tomam e fazem recortes de teorias e textos para usar de forma deturpada e fora de contexto, de determinados momentos teóricos.
Freud escreveu muito, e ai longo de suas teorizações, diversas vezes chegou a admitir que estava errado, e propos outros caminhos. E isso é uma característica de quem trabalha com psicanálise: não vemos problemas em ser transparentes, inclusive quando percebemos que algo que estudamos não estava caminhando de acordo com o que havíamos imaginando. Ao contrário dos pesquisadores exatos, não vemos problemas em chegar a conclusão, ao final de uma pesquisa, que estávamos errados, ou que nossas hipóteses mudaram. O problema é como essa transparência é usada para deturpar os estudos e estudiosos da Psicanálise.
Afinal, caminhamos na direção inversa dessa noção biologizante, e isso incomoda muito as pessoas que têm necessidade de resultados exatos, mensuráveis, práticos e definidos. Partimos do subjetivo e da singularidade, portanto admitimos e sustentamos que é impossível uma verdade absoluta sobre uma pessoa, uma sociedade, ou qualquer outra tema. Portanto, já estamos acostumados com esse discurso, que de tempos em tempos aparece, tentando “matar” a psicanálise, pois conseguem “provar” que o que sentimos e vivemos tem raízes puramente neurológicas.
Faltou dizer que a Psicanálise não faz promessas de curas e fórmulas mágicas. Quem faz isso é a farmacologia. E o resultado que temos são pessoas viciadas em remédios, que vivem dopadas e anestesiadas.
Se é isso que queremos oferecer as pessoas? Não, com certeza não. Se existe uma fórmula de “cura” pronta? Também não. E se deixamos de “prometer” “cura”, é porque nos demos conta, e tivemos coragem de admitir que isso é da ordem de uma impossibilidade.
Falam que a Psicanálise é um investimento incerto, e eu tinha me esquecido como o investimento nos remedios é certo. É só tomar a vida toda, aumentando as doses quando o corpo se acostumar, que está tudo “resolvido”.
Impossível discutir com pessoas que querem impor um padrão positivista para tudo. E a própria Psicanálise admitiu a importância dos medicamentos, DENTRO DE UM TRATAMENTO, nunca de forma isolada.
Uma pena que, ao invés de trabalhar junto, perdem tempo querendo provar que os remédios curam, e que existem uma cura absoluta pra tudo e todos. Continuem com seus armários cheios de pílulas para disturbios que nem existem ainda, e deixem o tratamento com as “impossibilidades” da vida para quem quer lidar com eles.
Recomendo meus post antigos sobre o assunto.
Esse é um deles.
http://www.alinesieiro.com.br/2009/07/16/a-ltima-bolacha-do-pacote/
Terapia é algo de conceituação até simples: a pessoa dedica algumas horas por semana a seu interior, à sua vida, através de conversas com um profissional que tenha a sensibilidade treinada. A esta altura da vida, penso que não tem importância se o terapeuta é freudiano, junguiano, rogeriano ou o que for. E penso que essa conversa sensata é mais ou menos o que você propõe. Nisso como em tantas outras coisas, os pontos de vista convergem no final para o bom senso.
Karl Popper, um crítico importante de Freud (e Marx, for the matter) escreveu que a Psicanálise não é científica, mas nem por isso o que Freud escreveu deixa de ser importante ou interessante. Freud teve o grande mérito de aprofundar o estudo do inconsciente, que ele não descobriu, anda por aí desde Aristótes – a psique obscura a si mesma, lembra? Mas Freud colocou alguns dogmas (a palavra é esta), que não resistiram ao tempo e continuam renitentemente defendidos por uns tantos quantos:
– Complexo de Édipo como determinante da personalidade: certamente se aplicou a Sigmund, filho de jovem mãe e velho pai, mas não se aplica a todo o mundo.
– Inveja peniana: Já Karen Horney, ainda em vida de Freud, descobriu que a tal inveja peniana aparecia em fantasias de meninos com idades por volta de 9 anos.
– Interpretação de sonhos enquanto metodologia infalível: sonhos são uma espécie de lixo do inconsciente, muito determinados por vivências recentes, e o desejo reprimido se expressando nos sonhos não é de modo algum universal.
– e vai por aí…
Penso que faz falta (se existe, não conheço) um trabalho que recupere o que existe de sólido em Freud e deixe para trás esses dogmas já um tanto sem sentido. Bruno Bettelheim meio que toca no assunto em Freud e a Alma Humana, mas é demasiado reverente.
Acho que você tocou num ponto muito importante: Quando se fala em psicanálise, infelizmente só se fala em Freud. Anos e anos de produção aconteceram no campo da psicanálise, mas as pessoas não buscam conhecer. E ai, obviamente, conceitos ultrapassados são retomados para mostrar uma certa “ineficácia” da psicanálise.
Nós mesmos, psicanalistas, já falamos do erro teorico de Freud quando ele fala da inveja do Pênis. Nós também já ampliamos e atualizamos o uso do complexo de Édipo para a atualidade. Não usamos mais a interpretações dos sonhos como proposto nos primeiros anos de estudo por Freud. E sim, muita coisa nova já surgiu, e já avançou. E o que nos deixa incomodados é que os “críticos” continuam abordando as mesmas “falhas”, sendo que elas já foram discutidas e, em muitos casos, descartadas ou adaptadas.
Por isso eu comecei a discussão dizendo: leiam produções recentes, de psicanalistas da atualidade, e depois podemos voltar a conversar sobre o tema. O que não dá e continuar, de tempos em tempos, retomando os mesmo pontos, já ultrapassados dentro da própria psicanálise, como se não tivesse havido nenhum avanço.
Recomendo: Em defesa da Psicanálise, de Elisabeth Roudinesco, Édipo: o complexo do qual nenhuma criança escapa, de J. Nasio e temos muitos outros autores e material recente pra tratar dessas questões. É só isso que propomos, trazer as críticas para o material recente.
Isso de dizer que, se a Psicanálise é um investimento incerto os remédios também são é outra falácia lógica, a mutatio controversiae. Se os remédios viciam, têm efeitos colaterais e roubam a alma (yes, sometimes they do), isso não quer dizer que a psicanálise funciona – simplesmente uma coisa não tem a ver com a outra.
Acho que o que funciona é uma conversa de bom senso com um profissional preparado, conversa esta mais ligada ao aqui e agora que a aspectos arcaicos do inconsciente (importantes sim, mas não a única coisa a examinar). Esse profissional pode ser um psicanalista, por que não?
Taí. Até hoje só conheci gente dogmática, e os congressos e trabalhos a que tive algum tipo de acesso tratavam Freud com uma reverência desmesurada e não ousavam desafiar os dogmas. Que se veja os trabalhos apresentados em um congresso de 2009 (escolhido ao acaso):
“O Analista Revelado: a contratransferência e a individualidade do analista
O Espaço Compartilhado na Relação Analista- Paciente
A Interferência da Subjetividade do Analista
O Analista em Cena
A Clínica Psicanalítica na Contemporaneidade: tornar o inconsciente consciente
A Pessoa do Analista como Conceito Central da Psicanálise Contemporânea
A Criação do Vínculo Analítico.
Nada disso sugere quebra de dogma, e há uma reivenção de roda: “tornar o inconsciente consciente.
Você me deu a informação de que há profissionais e grupos que querem e podem derrubar os dogmas. Good news, mas vocês não representam a totalidade dos psicanalistas, pelo jeito nem a maioria.
De qualquer modo, o povo do Lacan é (bem) pior…
Esclareço que sou engenheiro químico. Não sou da área, apenas um leigo interessado e pessoa lógica.
Acho engraçado você dizer isso, porque sou lacaniana e não me considero nada radical… Acho que tudo depende do olhar e do contato que temos com cada “grupo”, dentro da psicanálise. Vamos dizer que pessoas radicais existem em todas as áreas e em qualquer profissão.
Lógico que temos um grande respeito por Freud, porque toda a história/pesquisa dele é sim a grande base da psicanálise. E porque ainda hoje muitas coisas têm grande pertinência e importância para a psicologia.
Mas te adianto que dentro da própria psicanálise temos pessoas engajadas na auto-crítica, na quebra de dogmas, e preocupadas em discutir e abrir possibilidades. E, como falei, em qualquer profissão (e na psicanálise não seria diferente) temos pessoas radicais e pessoas mais abertas ao novo. Portanto, tem congresso e evento pra todo tipo de público também, assim como artigos, textos, livros e pesquisas nas duas linhas.
E acho que isso é importante deixar bem claro: a psicanálise é como qualquer profissão, e portanto, tem também questões internas, e questões em relação a seus profissionais. Mas isso não invalida seus avanços e seus profissionais engajados diariamente com os problemas que surgem. Tudo é uma questão de olhar.
Mas tem a soberba, o fora-de-nós-não-há-salvação… O problema de imagem vem em grande parte disso. Talvez exista mesmo em todas as profissões, mas é particularmente agudo entre freudianos e lacanianos.
Devia ter desconfiado, pela citação da Roudinesco. De qualquer modo, aprendi uma lição importante: nem todos são assim. Possivelmente, há uma tendência a que atitudes arejadas como a sua acabem por predominar, para o bem de todos.