“É preciso trabalhar, é preciso ganhar dinheiro, é preciso fazer o que não se quer para fazer o ciclo se movimentar.”
“Quando conseguimos fazer o que queremos, os engessamentos são enormes e terminamos por não produzir e criar como um dia sonhamos.”
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=8mqhxmHuq4c
O B.O.
Já era quase madrugada
Neste querido Riacho Fundo
Cidade muito amada
Que arranca elogios de todo mundoO plantão estava tranquilo
Até que de longe se escuta um zunido
E todos passam a esperar
A chegada da Polícia MilitarLogo surge a viatura
Desce um policial fardado
Que sem nenhuma frescura
Traz preso um sujeito folgadoProcura pela Autoridade
Narra a ele a sua verdade
Que o prendeu sem piedade
Pois sem nenhuma autorização
Pelas ruas ermas todo tranquilão
Estava em uma motocicleta com restriçãoA Autoridade desconfiada
Já iniciou o seu sermão
Mostrou ao preso a papelada
Que a sua ficha era do cão
Ia checar sua situaçãoO preso pediu desculpa
Disse que não tinha culpa
Pois só estava na garupaFoi checada a situação
Ele é mesmo sem noção
Estava preso na domiciliar
Não conseguiu mais se explicar
A motocicleta era roubada
A sua boa-fé era furadaSe na garupa ou no volante
Sei que fiz esse flagrante
Desse cara petulante
Que no crime não é estreanteFoi lavrado o flagrante
Pelo crime de receptação
Pois só com a polícia atuante
Protegeremos a populaçãoA fiança foi fixada
E claro não foi paga
E enquanto não vier a cutucada
Manteremos assim preso qualquer pessoa má afamadaJá hoje aqui esteve pra testemunhá
A vítima, meu quase xará
Cuja felicidade do seu gargalho
Nos fez compensar todo o trabalhoAs diligências foram concluídas
O inquérito me vem pra relatar
Mas como nesta satélite acabamos de chegar
E não trouxemos os modelos pra usar
Resta-nos apenas inovarResolvi fazê-lo em poesia
Pois carrego no peito a magia
De quem ama a fantasia
De lutar pela Paz ou contra qualquer covardiaAssim seguimos em mais um plantão
Esperando a próxima situação
De terno, distintivo, pistola e caneta na mão
No cumprimento da fé de nossa missão
Riacho Fundo, 26 de Julho de 2011 (Fonte: Blog do Elidio)
Segundo Bauman, na modernidade líquida (nosso momento atual) uma das características básicas é a especialização flexível e a mentalidade predominante é de curto prazo, individualizada, sustentada pela flexibilidade e, exatamente por isso, plena de incertezas, sem estruturas para manutenção do vínculo entre emprego e capital. Hoje, o compromisso das organizações está firmado com os consumidores e não com os produtores, decorrendo ênfases excessivas na lucratividade e competitividade. Assim, muitas pessoas começaram a buscar oportunidades ligadas ao funcionarismo público, como uma chance para exercer um trabalho que pudesse dar oportunidades e ser menos opressor e ligado uma certa produtividade. Mas a coisa não mudou muito: o governo também tem suas metas e seus anseios produtivistas. E, mais do que isso, existe uma fórmula, um jeito em que as coisas são e devem ser feitas. Você entra no molde, faz a máquina se movimentar, mas fica uma pergunta: onde fica o desejo, onde fica a singularidade?
Trabalho, ocupação ou emprego?
Na Antigüidade, o trabalho era entendido como a atividade dos que haviam perdido a liberdade. Um misto de sofrimento e infortúnio. O homem, no exercício do trabalho, sofre ao vacilar sob um fardo. O fardo pode ser invisível, pois, na verdade, é o fardo social da falta de independência e de liberdade. Os gregos utilizavam duas palavras para designar “trabalho: ponos, que faz referência a esforço e à penalidade, e ergon, que designa criação, obra de arte. Isso estabelece a diferença entre trabalhar no sentido de penar, ponein, e trabalhar no sentido de criar, ergazomai. Parece que a contradição “trabalho-ponos” e “trabalho-ergon” continua central na concepção moderna de trabalho. Pode-se observar em diferentes línguas (grego, latim, francês, alemão, russo, português) que o termo trabalho tem, em sua raiz, dois significados: esforço, fardo, sofrimento e criação, obra de arte, recriação.
Começamos então a distinguir labor e trabalho. Essas palavras têm etimologia diferente para designar o que hoje se considera a mesma atividade. O primeiro é um processo de transformação da natureza para a satisfação das necessidades vitais do homem. O segundo é um processo de transformação da natureza para responder àquilo que é um desejo do ser humano, emprestando-lhe certa permanência e durabilidade histórica. Na Antigüidade, um homem livre podia cansar-se em certas circunstâncias e, ainda assim, obter satisfação da situação. Era rejeitada não a atividade em si ou o trabalho manual, mas a submissão do homem a outro homem ou a uma “profissão”.
No século XVIII, com a ascensão da burguesia, com o desenvolvimento das fontes produtivas, com a transformação da natureza e com a evolução da técnica e da ciência, enfatizou-se a condenação do ócio, sacralizando-se o trabalho e a produtividade. Para o homem dos tempos modernos, o tempo livre inexiste ou é escasso. “Tempo é dinheiro“. A lógica do trabalho perpassou a culturae todas as atividades humanas passaram a ser foco de negócios ou tornaram-se oportunidades para alguém ganhar dinheiro, lógica que se apoderou de todas as esferas da vida e da existência humana. Para grande maioria das pessoas, o trabalho transformou-se em emprego.
Para colocar mais pimenta nessa sopa, vamos pensar em ocupação. Na Antigüidade, as ocupações eram entendidas como atividades que visavam à satisfação pessoal e eram desenvolvidas por escolha própria O aparecimento da economia monetária acentua a distinção entre ocupação como meio de ganhar a vida e ocupação como meio de manter o status quo. Cada sociedade, na sua dinâmica estrutural e conjuntural, cria e recria a ocupação humana. “A ocupação de uma pessoa é a espécie de trabalho feito por ela, independente da indústria em que esse trabalho é realizado e do status que o emprego confere ao indivíduo“
Trabalho não é ocupação, todas as classes sociais detêm sua forma de ocupação, e todas as pessoas mantêm sua ocupação. Assim como o camponês, o proprietário, na medida em que conserva uma função positiva, tem sua ocupação. O que caracteriza o operário ou trabalhador, no sentido mais restrito, é que ele trabalha para outra pessoa. Ele é (não tenhamos medo de dizer) um servidor.
Já a palavra emprego, da língua inglesa, se referia a alguma tarefa ou determinada empreitada; nunca se referia a um papel ou a uma posição numa organização. A conotação moderna do termo emprego reflete a relação entre o indivíduo e a organização onde uma tarefa produtiva é realizada, pela qual aquele recebe rendimentos, e cujos bens ou serviços são passíveis de transações no mercado. O emprego é um fenômeno da Modernidade. Os empregos tornaram-se tanto comuns quanto importantes; passaram a ser, nada menos, do que o único caminho amplamente disponível para a segurança, para o sucesso e para a satisfação das necessidades de sobrevivência. Com o passar do tempo, as pessoas foram aprendendo ofícios que as tornaram detentoras de empregos, passando, a partir daí, a serem parte do tipo de força de trabalho que emergia. Dentro da lei da oferta e da procura, proporcionar-se-ia emprego a todos os indivíduos que estivessem dispostos a trabalhar.
Mas porque falar sobre todos esses termos e suas diferenças? Porque na hora de analisar esse ato de “rebeldia”, devemos ter em mente que lugar esse delegado ocupa em relação ao seu trabalho. Ficamos tão presos a necessidade de um emprego, que esquecemos da possibilidade de exercer uma ocupação, algo que seja prazeiroso e, mais ainda, que possa produzir sentido para quem o exerce e para quem depende dele. Podemos pensar nos engessamentos, e como eles são produzidos não apenas nas empresas, instituições e locais de trabalho, mas também por nós. Arrisco dizer que estão primeiro em nós. E poucos são os que tem força para subverter essa ordem. Quem diria que um trabalho como esse poderia ser executado de maneira tão diversa… Quem diria que qualquer emprego poderia ser executado de maneira singular…
Ele está infeliz com seu trabalho? Disso não podemos dizer. Criar poesia onde não se esperava não é indicio de frustração. Ao contrário, é sinal de criatividade. Ele teve coragem de produzir um ato de singularidade que possibilitou movimento em seu trabalho? Com certeza. O que será que ele nos ensina com esse ato?
Complexo esse assunto. A insatisfação com o trabalho versus a necessidade de trabalhar para (sobre)viver. Quanto isso afeta nossas vidas? Por que algumas pessoas parecem “aceitar” melhor situações desconfortáveis do que outras?
Há pessoas que enxergam o trabalho como um “meio”: meio de ganhar dinheiro para poder fazer o que realmente gostam. Esses, de algum modo, “abstraíram” o sofrimento do trabalho pensando nos ganhos que obtêm fora dele. Outros não conseguem fazer isso e o trabalho se torna um “fardo”, retirando inclusive o prazer das horas de folga.
Mas quantos conseguem realmente ter prazer no trabalho? Quantos podem efetivamente escolher o que fazer na nossa sociedade pós-moderna? Seria mesmo uma questão de escolha ou estamos presos por oportunidades limitadas e pela necessidade de “ganhar a vida”? Quantos desistem de seus sonhos pois ouvem aquela frase “isso não dá dinheiro”?
Quantos, enfim, conseguem unir prazer no trabalho com a satisfação de ser bem remunerado para aproveitar seu tempo extra-trabalho e se sentirem realizados/felizes?
E mais: será que não há um problema maior e anterior a tudo isso, na sociedade do consumo que exige das pessoas mais e mais trabalho para obter mais e mais dinheiro para poder comprar mais e mais bens que logo estarão obsoletos?
Enfim: o que é ter uma vida “feliz” na nossa modernidade líquida tão bem discutida pelo Bauman?
Nas palavras de Normal Solomon: “All we ever have is daily life. When so much of it is taken up with doing things we don’t particularly want to do, going through motions of being who we don’t particularly want to be, our lives are slipping away.”
Ops, corrigindo: Norman Solomon.
Carlos, obrigada pelo seu comentário. O tema é mesmo intrigante e gerador de questões fundamentais. Questionar é fazer movimentar os lugares tão congelados em que vivemos ou nos deixamos viver. Já é um começo. E cada um vai dando suas respostas…
Parabéns, Dra. Aline!
Vou disponibilizar seu texto e vídeo no meu facebook, é de grande importância, como todos que escreve.
Até.
Vanessa
Obrigada Vanessa!