Estava em um jantar de família com cinco gerações de mulheres: minha avó, minha mãe, minha madrasta e minha prima mais nova. Conversávamos sobre as diversas experiências de assédio que vivemos durante a vida e chegamos a uma triste conclusão: parece que o que foi vivido por minha avó ainda é a mesma realidade vivida pela minha prima. Em relação ao assédio, parece que nada mudou. Compartilhamos narrativas e histórias de homens que, diariamente, mostram seus pintos na rua, roçam seus membros no nossos corpos no metro, passam a mão um pouco a mais até na hora da tatuagem e do exame médico. As situações são tão cotidianas que nos acostumamos a conviver com os sentimentos de vergonha, humilhação e medo.
Outro dia escutei alguns homens dizendo que as mulheres estavam exagerando nas redes sociais; eles diziam que os relatos nas hashtags #primeiroassédio #meuamigosecreto estavam passando dos limites: “ninguém aguenta mais escutar esses mimimis”, eles diziam. Outros diziam que rede social não era lugar para esse tipo de história ou desabafo. Quero dizer para vocês, queridos homens, que se fossemos realmente contar todas as situações de assédio que já passamos, não ia ter rede social que desse conta das repetidas histórias que não cessam de se apresentar em nossas vidas todos os dias, há anos e anos. Se vocês estão cansados de ouvir algumas delas, imagine o quanto nós estamos cansadas de vivê-las; o quanto nos apavoramos quando, num jantar em família, percebemos que muitos anos se passaram e nada disso evoluiu. O machismo está ai para nos aterrorizar sim, todos os dias, quando temos medo de ir fazer xixi na universidade porque sabemos que estudantes de engenharia, medicina, filosofia (e vários outros cursos), ainda hoje, estupram colegas de sala em bandos; quando trabalhadores da construção civil ainda se sentem no direito de abaixar suas calças em plena luz do dia; quando o pai do amigo do seu filho fica te olhando com aquela cara nojenta de tesão enquanto mexe a língua, te comendo com os olhos, em público.
Eu acho é pouco esses relatos. E sei que ainda temos muito medo de dizer nomes, fazer denúncias, porque nunca temos como provar. Pior ainda é quando a retaliação vem das próprias mulheres e de nossos familiares. Até mesmo de alguns analistas que insistem em usar a máxima “somos sempre responsáveis pelos nossos sintomas” para fazer valer o ponto de que, sempre, a culpa é da vítima, se esquecendo que somos inseridos em uma relação direta com a cultura que nos antecede, de um machismo poderosíssimo e muito difícil de derrubar. Vitimismo, vocês podem pensar! Talvez. Algumas mulheres se posicionam mesmo nesse lugar, vivendo e se alimentando dessa devastação por anos e anos. Mas, infelizmente, muitas mulheres nunca tiveram possibilidade de construir outro lugar que não esse que sempre nos foi oferecido de bandeja, gerações após gerações, como o lugar de mulher. Então, eu acho é pouco mesmo a quantidade de narrativas de assédio. Porque quando falamos, fazemos o mal estar surgir e tentamos finalmente sair da posição de vítimas, possivelmente nos tornando agentes de alguma mudança. A idéia é mais ou menos assim: ou vocês encaram o mal estar junto com a gente, para podermos mudar alguma coisa nos próximos anos, ou tudo vai continuar sempre sendo apenas histórias silenciadas, segredos de mulheres em seus jantares de família.
Oi, Aline. Estava procurando informações sobre cursos de formação em psicanálise e encontrei seu site. Gostei muito do conteúdo e fiquei ainda mais feliz ao ver que vc é feminista. Percebi que vc não tem respondido comentários há algum tempo, mas resolvi tentar mesmo assim: vc ainda recomenda o curso de formação da clin-a?