Psicanálise e Narrativa

O livro do antigo (e eterno) super homem me inspirou a voltar a escrever. Cada inconsciente tem seus caminhos… Meu super herói favorito sempre foi o super homem, e até hoje assisto Smallville. Mas não foi só por isso que fiquei inspirada. O livro, “Ainda sou eu”, do C. Reeve mexeu comigo porque me mostrou o heroi que passou a existir nele depois que ele se tornou um deficiente físico.

 

Não vou contar aqui a história do livro, pois acho que todos deveriam ler. Acompanhar a narrativa da vida de uma pessoa que era “normal” e passou a ser alguém que nem respirar sozinho conseguia, essa narrativa todos precisam ter o prazer de acompanhar. Poderia ficar aqui horas falando sobre isso, porque me toca em outro assunto, das deficiências. Tenho uma teoria que só é inclusivo de verdade, na nossa sociedade, quem é deficiente ou quem tem um em casa. E lendo o livro dele tive mais essa confirmação. Mas essa assunto fica pra outro dia. Estou aqui hoje para falar da importância da narrativa na vida de uma pessoa.

 

Eu sempre disse que todas as vidas dariam um livro, um filme, uma novela. Porque todas as vidas são interessantes, cada uma na sua unicidade. Talvez esse tenha sido um dos motivos pelos quais eu escolhi ser psicanalista. Porque toda história, todo paciente é diferente do outro. As histórias podem ter nuances ou situações similares, mas nunca, nunca mesmo são iguais. E por isso são sempre interessantes. Por isso, acredito que a narrativa é importante na vida das pessoas, porque ao falar de si, de suas dificuldades, de tudo que passa, a pessoa consegue nomear suas dores, suas ansiedades, seus desejos, e organizar isso para si mesma. Mas, mas importante do que narrar sua propria história, está em escutar aquilo que narra. E ai entra a importância da psicanálise.

 

Quando contamos a nossa história, na verdade contamos a nossa versão de uma história. Por isso toda narrativa é uma ficção, porque não há de fato como saber como foram as situações passadas. Cada um que viveu um mesmo momento, anos depois, dias depois, ao recontar esse momento, reconta de formas completamente diferentes, dá até pra pensar que não é a mesma situação! É como se tivessemos dez cameras em focos diferentes numa festa, cada uma filmando uma cena completamente de um angulo diferente da outra, chega nem parecer tudo a mesma festa! Portanto, contamos, narramos a nossa vida por um perspecitiva só nossa, de como nós passamos pela situação x. Na análise, o primeiro passo é criar essa narrativa, dar espaço para o sujeito contar sua história, ou, em outras palavras, criar sua ficção pessoal de si mesmo. Um segundo passo, que vai para além do narrar, é fazer com que o sujeito consigo olhar a sua própria narrativa de outros ângulos, escutar o que diz de si, e perceber que certas coisas podem ser vistas e vividas de outras formas, tudo isso para que ele possa pensar seu presente e seu futuro de uma outra maneira.

 

Sinto que foi isso que C.Reeves fez em seu livro, e sinto que é isso que muitas pessoas fazem, todo dia, quando contam de si e de suas vidas. Elas tentam entender as dificuldades, e dar um sentido a isso na sua vida. Tentam se organizar, entender o seu passado e seu presente para poder viver melhor um futuro. Não é a toa que entramos em contato com as narrativas desde crianças. Lembram-se como as crianças adoram escutar histórias? E mesmo depois, quando crescemos, quando alguém conta algo de sua vida, adoramos encontrar similiaridades da nossa própria história com a história contada pelo outro, não é mesmo?

 

Mas a necessidade de criar uma narrativa de si não ocorre para todos. Em geral nos mais velhos, com a proximidade com a morte, que se veêm com tempo para repensar a vida, e, nesse caso, recontar pode significar reviver tudo que se conta. Mas a necessidade de criar uma narrativa também está em todos aqueles que passam por algum momento chocante na vida. Nesse momento, em geral, existe uma mudança de paradigma que balança as certezas das pessoas, fazendo com que elas se apeguem a sua história para descobrir quem são, para achar respostas, Doentes terminais, acidentados, parentes que perderam alguém, enfim pessoas em momentos específicos em que algo deixa de ter sentido. Que, aliás, são os motivos que, em geral, as pessoas procuram uma análise. Na grande maioria dos casos, não se procura uma análise quando tudo está bem.

 

A Narrativa, já ha algum tempo é campo de pesquisa acadêmica. Há polêmicas quanto a isso, assim como até hoje existem polêmicas quando se fala em Psicanálise no campo acadêmico. Deixando a polêmica de lado, para quem quiser saber um pouco mais sobre isso, recomendo o livro “Narrative Inquiry” organizado por J. Clandinin. Em muito o processo da pesquisa narrativa se assemelha ao processo clínico da psicanálise, mas em outras tantas elas se afastam. Estou conhecendo mais sobre a narrativa e volto quando tiver mais novidades.

 

Acabei de ler o livro do I.Yalom, “Mentiras no divã“, e, apesar de ser uma ficção, toca em pontos importantes do meio psicanalítico. Os psicanalistas devem se remexer em suas tumbas, ou melhor, em seus consultórios, quando leêm, e isso é ótimo! “Esqueça aquela bobagem sobre o paciente não estar pronto para a terapia! É a terapia que não está pronta para o paciente!” Pg. 18

2 Comments

  1. celia sarti

    Aline Sieiro
    uma conversa gostosa que deveria continuar. Um assunto que sempre me interessa.
    Um abraço. Prossiga

    • Aline Sieiro

      Celia, obrigada pelo seu comentário!

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