Muitas mulheres buscam na maternidade e no casamento a compensação de sua falta. Porém, o casamento envolve um outro sujeito que também convive com sua falta, e está relação estará sujeita a todas as questões de sexualidade que falarei em outro texto. Já a maternidade soluciona, mesmo que temporariamente, a falta do falo da mulher. A mãe tenta compensar sua falta-a-ser na criança. Esse é um recurso específico da mulher para compensar sua perda de gozo: ela pode gerar filhos.

Para Zalcberg, um filho desperta na mulher não só o sentimento materno, mas também desperta a mulher em falta, já que este simboliza o gozo perdido. A mãe vê na criança a oportunidade de se recuperar de sua própria falta. Porém esta situação dura um tempo determinado, já que a criança será seu falo somente até certo momento da vida. Assim, a mãe também é esta sempre fazendo o luto da perda da criança como seu objeto.

Ainda no começo da vida do bebe, a mãe transfere para ele todos os sentimentos vindos de sua própria vida sexual. O modo como acaricia e amamenta, por exemplo, mostram como a criança se torna o substituto do objeto sexual para a mãe. Freud não só enfatiza essa questão, como menciona que isso é necessário para o desenvolvimento da criança. No entanto Soler complementa que, ainda sim a mulher não resolve inteiramente seu problema fálico, pois logo percebe que o bebe não pode ser seu falo, e logo deve ajudar seu própria filha a lidar com a sua própria falta. Faz-se, então, importante abordar a relação mãe-filha um pouco mais de perto.

Quando a mãe descobre que seu bebê será uma menina, suas fantasias inconscientes automaticamente são transferidas para a filha, seja por sensações ou por memória corporal. É importante lembrar que, a mãe desta menina já foi filha, assim como a avó desta menina também já foi filha, ou seja, as mulheres transmitem, de geração para geração suas experiências, fantasias e expectativas.

Na menina que nasce a mãe vê o recomeço de sua própria vida e também o início da vida de sua filha como uma possibilidade de reparar e mudar tudo que as relações mãe-filha anteriores não conseguiram. Nessa perspectiva da mãe como mulher, o nascimento de uma filha pode despertar nela questões sobre a própria falta, que foram um dia evitadas, reavivando questões aparentemente superadas ou apenas adormecidas em uma mãe.

Zalcberg também diz que, se por um lado o nascimento de uma filha pode promover o despertar da feminilidade por meio de certo preenchimento, ao considerar a criança como seu falo, por outro lado a mãe pode ver na filha a perda de seu espaço de constituição de sua sexualidade e feminilidade. A semelhança do corpo feminino de mãe e filha, além da proximidade entre elas favorece uma identificação de ambas pela dependência que as conecta, em busca de entender e completar a falta-a-ser de cada uma. Assim, muitas vezes elas se tornam prisioneiras da própria relação, pois não vêem outra saída para ser mulher além do ser mãe e filha.

Essa relação que ocorre entre mãe e filha pode prejudicar a constituição de suas próprias imagens e sexualidades. Por um lado, a menina se vira para mãe em busca de carinho e de uma imagem sobre seu corpo, para que tenha a confirmação de que aquele corpo realmente a pertence. Depois, ela busca na mãe que esta reconheça seu corpo como feminino, também marcado pela falta. Nesse caminho logo surge a dúvida sobre sua identidade sexual – não identifica se é menina ou mulher. Por outro lado, muitas mulheres ao alcançar a condição de mãe se vêem confrontadas a escolher entre ser mãe ou ser mulher, como se fosse impossível conciliar ambas as tarefas.

Considerando o ser mãe e o ser filha como um dos pontos importantes para a constituição da feminilidade e sexualidade, podemos falar um pouco sobre alguns tipos de mães e filhas e suas implicações para o entendimento do universo feminino.

1. Mais mãe que mulheres

Para as autoras Eliacheff & Heinich, quando um bebê nasce, algumas mulheres se transformam e ficam completamente absorvidas pela maternidade, deixando de lado a própria identidade e o lugar de esposa, chegando por vezes a trocar a sexualidade conjugal pela sexualidade maternal. Elas se aniquilam nessa relação, e trocam as exigências maritais pelas exigências do filho. Essa situação pode chegar a um extremo, no qual o desejo de simbiose pode criar um vazio em torna da relação entre mãe e bebê, e todos os outros vínculos perdem lugar. Esse extremo apego, na qual a mãe dá ao filho todo a lugar em seu gozo, cria uma relação de dependência muito extrema, da mãe para com o filho.

Nos primeiros meses de vida os bebês exigem grande atenção da mãe nos cuidados, na amamentação, enfim, em muitos momentos. Porém a mãe não pode se utilizar dessa exigência para dedicar-se exclusivamente ao bebê, e muito menos deslocar as sensações eróticas que deveria buscar no marido, para o bebê.

Quando essa relação de dependência continua após o crescimento da menina, a mãe, ao se dedicar totalmente ao seu bebê, na verdade busca através desta a si mesma e a realização de seus próprios sonhos. Por vezes abandona o marido e rejeita os homens, pois coloca a filha na posição destes. Protegida pelas virtudes da maternidade, a mãe pode, sem vergonha, utilizar a criança para projetar nela suas próprias fantasias de sucesso.

Porém,  conforme a menina vai crescendo, e se tornando adolescente, a mãe percebe e teme ser excluída da vida de sua filha. Assim, tenta adiar esse momento excluindo a filha do mundo externo e controlando-a o tempo todo. A filha por sua vez, também teme esse momento pois percebe que terá que viver sua própria história, fazer suas próprias escolhas, e teme não conseguir sem a mãe uma vez que nunca se viu sem ela.

Quando a adolescente começa a viver seus momentos longe da mãe, esta pouco a pouco vai sentindo a ausência da filha e se vê novamente em contato com seu vazio. Por isso pode usar de diversas artimanhas para voltar a atenção da filha novamente para ela. A filha, por sua vez, por medo e por culpa pode renunciar a própria vida, a liberdade, para ficar e continuar esse laço com a mãe. Enquanto uma quer seguir adiante, a outra quer voltar, porém a mãe tem a seu favor a norma social que encoraja as mães a serem verdadeiras mães, totalmente mães de modo que a filha tem contra si o peso desta norma.

Já na fase adulta, quando essa relação se prolonga, muitas vezes o que se vê é um casal formado por uma velha mãe que não quer que sua filha cresça, e uma velha filha que não consegue se furtar a dominação da mãe. Eliacheff & Heinich dizem que a filha, porém, nunca conseguira satisfazer sua mãe, já que ocupa o lugar de um vazio que nunca deixará de existir. A mãe está sempre pedindo mais da filha, de modo que essa relação nunca chega a um ápice. Ambas se iludem que ao excluir um terceiro podem tornar-se uma só, e assim encontrar o caminho para a feminilidade. Uma se espelha na outra, e se confundem, já que não sabem os limites de identidade entre elas. As duas se tornam tão dependentes umas das outras que já não conseguem se desligar e fazer o corte necessário para que cada uma encontre seu próprio caminho.

2. Mais mulheres do que mães

Diferentemente das mulheres que optam por ser apenas mães, há aquelas que decidem tornarem-se mais mulheres, como forma de buscar sua feminilidade. Eliacheff & Heinich acreditam que existe também a mulher que só vive sua feminilidade na vivencia de uma paixão. Desta forma, não consegue amar e ser mãe para sua filha pois está mais ocupada em viver sempre apaixonada por um homem, seja este qual for.

Ainda considerando esse tipo de mulher que, embora mãe, não busca a maternidade como caminho para a feminilidade, há a mãe-estrela. Segundo Eliacheff & Heinich, as mães estrelas não conseguem ter outra paixão além de sua própria profissão. Nesse caso, uma filha para continuar se relacionando com esse tipo de mãe pode adotar uma postura de inferioridade, pois sabe que para estar ali precisa ser menos do que a mãe. Outra conseqüência de uma vivência com esta mãe, é que ela pode não aprender como se relacionar com o masculino, já que nunca teve o exemplo vindo da mãe.

É preciso destacar que exageros, não importa para qual lado, nunca são bem vindos nessa relação. De outro lado, parece importante ressaltar que não existem mães boas ou más. Existem mães complicadoras ou facilitadoras para suas filhas, ou que tornam o vinculo torto para produzir filhas difíceis, sufocadas pela ausência ou excesso de espaço entre elas. O importante, nessa relação seria lembrar a necessidade de um terceiro, e em que lugar este é colocado na relação de mãe e filha, numa espécie de equilíbrio.

Desta forma, podemos entender porque Lacan faz da figura do pai algo tão importante em sua teoria, quando se discute qualquer relação. É esse terceiro que exercerá o papel da lei, e que poderá efetuar corte, fazer barreira e deste modo constituir sujeito. Até porque essas separações em estruturas e papéis que fazemos para efeito de estudo não são tão simples e quadradas quanto parecerem, ainda que algumas teorias insistam que esse enquadramento seja possível.

(Continua)

Para ler mais

Mães-filhas: Uma relação a três – Eliacheff & Heinich

A relação mãe e filha