Eu de novo com esse assunto. Porque nunca deixa de ser importante falar de alguns temas e esse é um deles.
Já falei sobre o tema aqui, aqui, aqui e aqui. Outras pessoas também falam sobre isso o tempo todo, como vocês podem ver aqui.
E agora vou só retomar o Manifesto que os Psicanalistas fizeram e que ainda é importante divulgar.
Informe sobre a Regulamentação da Psicanálise
(preparado pela Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro)
No dia 01/04/2004, uma comissão de representantes do Movimento das Entidades Psicanalíticas Brasileiras esteve em Brasília para discutir a questão da regulamentação da psicanálise, com os deputados Simão Sessin, autor do PL 2347/03 (que tramita na Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara Federal), e Walter Feldman (relator do projeto na Câmara).
O objetivo da Comissão foi o de dissuadir os parlamentares de levarem adiante o PL 2347, para votação, já que, segundo avaliação dos psicanalistas do Movimento, trata-se de mais uma tentativa equivocada de regulamentação do ofício de psicanalista. Neste encontro, foi mencionado o MANIFESTO DAS ENTIDADES aos Srs. parlamentares e entregue um dossiê sobre as iniciativas no sentido do exercício e da regulamentação da psicanálise, pelos evangélicos.
O deputado Simão Sessin informou que apresentou o projeto a pedido dos evangélicos, uma vez que estes haviam procurado seu sobrinho, deputado estadual pelo Rio. Manifestou-se surpreso com o relato dos representantes do Movimento das Entidades Psicanalíticas, sobretudo com a sentença do Juiz Federal contra a SPOB, provocada pelo Ministério Público de Brasília. Preocupado por não ter tido mais cuidado em ler e avaliar melhor a natureza do projeto, e por desconhecer que um PL semelhante (PL 3944/00), do deputado Éber Silva, já havia sido arquivado na legislatura passada, propôs então encontrar uma saída adequada para a situação. Comunicou à Comissão que negociaria junto ao relator, o deputado Feldman, para a retirada do projeto. Neste sentido, pediu à Comissão do Movimento que preparasse um arrazoado com argumentos contrários à regulamentação, para que fosse pedida a retirada do PL para melhor avaliação.
O deputado Walter Feldman declarou que já tinha tido a oportunidade de receber um grupo de evangélicos, que lhe solicitara o apoio ao projeto. Informou que seu assessor fez a proposta de um substitutivo que oferecesse aos evangélicos o reconhecimento e regulamentação de uma prática, da qual a psicanálise estivesse excluída. Esse argumento teria por objetivo, apenas, a proposição da regulamentação das psicoterapias Foi então esclarecido ao deputado, que a prática psicoterápica já se encontra sob o controle dos Conselhos de Psicologia, e que qualquer nova medida que viesse a legislar sobre as mesmas acabaria incluindo a psicanálise.
Feldman sugeriu que se realizasse uma audiência pública no Congresso, mas os representantes do Movimento argumentaram que o ideal, no momento, do ponto de vista dos psicanalistas, seria a retirada do Projeto de Lei. Num segundo momento seria organizado um debate sobre o tema, no Congresso, sendo então convidados os psicanalistas para apresentarem suas argumentações aos congressistas, com o intuito de se evitar que outros parlamentares, a exemplo de Simão Sessim, se dispusessem a apresentar projetos semelhantes, sem prévio conhecimento do assunto. O deputado mostrou-se simpático à idéia de a psicanálise ser considerada uma prática leiga, não regulamentada pelo Estado, e concordou com a proposta do deputado Simão Sessim, no sentido da retirada do projeto. Finalmente, comprometeu-se a ler os documentos que lhe foram entregues, inclusive o do Ministério Público, e a fazer contato com os psicanalistas do Movimento, a posteriori.
Manifesto das Entidades Psicanalíticas Brasileiras
– texto aprovado na reunião de março de 2004 –
Há mais de cem anos, Sigmund Freud trouxe uma contribuição inestimável para a humanidade, inventando um dispositivo de investigação e tratamento clínico, a psicanálise, que permanece até hoje como a mais importante e séria abordagem do psiquismo humano. Ao mesmo tempo em que esclareceu a estrutura do psiquismo, acolheu de maneira criativa e inédita o sofrimento de pessoas que sem esse recurso seriam reduzidas ao silêncio e estariam sujeitas a dificuldades cada vez mais graves. Após esse ato de invenção, o mundo nunca mais foi o mesmo, e a psicanálise de tal forma marcou a cultura que nem sempre é imediato reconhecermos a sua influência, que atingiu as artes, a ciência, a política, as regras do convívio, a educação, e muitos outros domínios e instituições humanas.
É essencial, portanto, que esse instrumento que Freud nos legou seja tratado com cuidado, para que não se percam os seus melhores efeitos ao se desvirtuarem os seus princípios.
Uma das questões mais sensíveis da história da psicanálise diz respeito às condições legais do seu exercício, que têm provocado discussões bastante intensas, praticamente desde o começo, e em geral desencadeadas a partir de iniciativas – dos Governos ou dos Parlamentos – que visam dar à psicanálise um estatuto de profissão.
No nosso País não tem sido diferente, e a cada vez os psicanalistas têm vindo a público explicar em quê consiste o seu ofício, como são formados aqueles que o exercem, e por que a psicanálise resiste à regulamentação.
A ocasião mais recente foi há pouco mais de três anos, quando psicanalistas de diferentes tendências e orientações, e representando dezenas de instituições psicanalíticas estabelecidas, de notório reconhecimento público, se reuniram para, juntamente com entidades representativas dos médicos e psicólogos, fazer frente a um projeto que, finalmente, foi recusado pelos deputados antes de ir a plenário.
Na época, preocupava-nos também a criação no Brasil de cursos que, embora se utilizassem de uma referência expressa à doutrina freudiana, eram notoriamente inspirados por grupos religiosos, que, faltando-lhes qualquer participação prévia no já secular movimento psicanalítico, se propunham a formar profissionais-psicanalistas, sem se mostrarem capazes de garantir que eles tivessem o necessário embasamento, adquirido através da imprescindível experiência ética de uma longa análise pessoal, acrescida de uma exigente formação teórica e de uma assídua supervisão de casos clínicos. Tampouco eram claras as suas posições em relação aos princípios que regem a nossa prática.
A partir dessa época, vimos seguindo atentamente as iniciativas que, no parlamento brasileiro ou fora dele, visam à regulamentação do nosso ofício, transformando-o em profissão, pelos riscos que trazem para os princípios que defendemos.
Há pouco tempo, tomamos conhecimento de mais um projeto de lei, desta vez de autoria do deputado Simão Sessim, do Rio de Janeiro, de número 2347, datado de 22 de outubro de 2003, que se inscreve numa série de outros que ao longo do tempo foram recusados pelos parlamentares brasileiros, ao constatarem que esses projetos, uma vez aprovados, e seja qual for a boa vontade que está nas suas origens, agravariam os males que pretendem sanar: historicamente, ou porque subestimam a necessária singularidade da formação de um psicanalista, ou porque confiam essa formação à Universidade, sem atentarem para o fato de que ela não pode dispor dos necessários instrumentos para levar a cabo essa tarefa, malgrado, por outro lado, nossa Universidade prestar incontáveis bons serviços ao nosso País, em vastos campos.
Associamo-nos portanto a todos os movimentos de resistência à tentativa de normatização dos ofícios que relevam fundamentalmente de implicações subjetivas de cada um, e vimos em público reafirmar a psicanálise no seu compromisso de sustentar a singularidade das pessoas que pedem a sua ajuda, assim como daquelas que a exercem, considerando sua relação e compromisso com a cultura e a sociedade onde vivem.