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UPDATE: Esse texto foi escrito em 2008. Depois dele, escrevi muitos outros textos sobre o tema. Após muitas reuniões com diversos psicanalistas de escolas diferentes, no Brasil, estabelecemos um texto referência a respeito dessa discussão. Parte dele está disponível aqui: http://www.casadopsicologo.com.br/oficiodopsicanalista.pdf
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Muito se fala sobre a formação do Psicanalista. As perguntas são muitas, e vão se acumulando entre aqueles que não conhecem o trabalho da psicanálise. O que é ser um psicanalista? Existe uma só psicanálise? Como se dá a formação do psicanalista? Como saber escolher um psicanalista?
Já comentei sobre a formação em um texto anterior, mas hoje, lendo alguns artigos, achei importante tocar novamente no assunto. Para quem não está no meio psicanalítico realmente é difícil entender o que é, como saber o que é bom ou ruim. Entre as muitas psicanálises, uma delas é de fato charlatanismo. E muitas brigas “públicas” já foram divulgadas em jornais em revistas. Eles se nomeiam “Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil” (http://www.spob.com.br/). Na verdade são pastores, religiosos, grupos ligados a igrejas cristãs que vêm disseminando pelo país cursos de psicanálise de curta duração e despejando alguns milhares de novos profissionais no mercado de trabalho. Os “espertinhos” tentaram aprovar, em 2001, um projeto de lei que daria direito exclusivo a eles sobre a formação da psicanálise no Brasil. Detalhe: o parlamentar que defendeu a causa é pastor da Igreja Batista, e a aprovação do projeto é uma das principais bandeiras da Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil (Spob). A instituição tem entre seus líderes e professores pastores ligados a igrejas cristãs tradicionais, como a batista e a presbiteriana.
O que várias dessas entidades novas no ramo prometem é atraente: seguir estritamente os preceitos de Freud, regulamentar a profissão (por isso fazem campanha em favor do projeto de Eber Silva), formar psicanalistas em cursos de curta duração, muitas vezes ministrados por pastores evangélicos, a custos baixos, com poucas aulas mensais, número reduzido de sessões de análise pessoal, distribuição de apostilas onde o pensamento de Freud é simplificado, carteirinha de terapeuta psicanalista…
O conteúdo de algumas das apostilas distribuídas aos alunos – o que contraria a doutrina de Freud por criar uma visão intermediária entre a obra original e o leitor – causa espanto a qualquer psicanalista de formação, digamos, tradicional. Elas propõem, por exemplo, um questionário para ser aplicado aos futuros pacientes ensina como deve ser a decoração do consultório de um psicanalista, indicam as medidas do divã, explicam como o analista deve estar vestido…
Algumas instituições, como o Instituto Superior de Psicanálise de Brasília (Impar), chegam a oferecer cursos de psicanálise por correspondência, e a maioria dessas escolas formou as primeiras turmas sem oferecer uma sessão de análise sequer aos seus alunos. Enfim, quase tudo ao contrário do que os psicanalistas pactuaram entre si há décadas, mesmo depois do grande racha provocado nos anos 50 pelo francês Jacques Lacan: a essência da formação de um psicanalista é a sua análise pessoal, que deve durar vários anos. Este ponto, aliás, é totalmente ignorado pelo projeto de lei nº 3994/2000.
”Isso tudo é muito grave e perigoso. Estas instituições estão criando a ilusão de que os alunos saem dos cursos preparados para lidarem com a saúde mental das pessoas. Do ponto de vista da psicoterapia, a formação oferecida é muito aquém do que seria necessário”, afirma Marcus Vinícius de Oliveira, conselheiro do CFP. ”Esses cursos têm objetivo mercantilista e são verdadeiras arapucas: prejudicam pessoas e comprometem o patrimônio psicanalítico”, acrescenta o presidente da ABP, Wilson Amendoeira.
Mas porque charlatões como esses conseguem chegar tão próximos e ameaçar toda a instituição psicanalítica? Porque realmente a formação é uma questão controversa e cheia de tabus na própria sociedade psicanalista. Dependendo de qual linha se segue, a formação ocorre de uma maneira diferente. Por isso os diversos grupos fazem a formação a sua maneira, o que abre espaço para a confusão, do que seria de fato a formação do psicanalista. Mas uma coisa é certa: independente da linha a ser seguida, todas são unânimes em manter três ações básicas obrigatórias na formação de um psicanalista: A analise pessoal, os cursos teóricos e a supervisão dos casos clínicos. Que alias é o grande furo da SPOB, que encurta a teoria, não exige analise pessoal e não acompanha a supervisão dos supostos psicanalistas formados. E ainda, que quer ser psicanalista não tem uma garantia de em quanto tempo isso ocorrerá, já que a formação inclui um processo pessoal de analise, que pode variar em tempo para cada pessoa, cada analista se “formará” em momentos diferentes, o que pode ser mais rápido ou mais demorado, dependendo de cada um.
Mas, exatamente por causa da SPOB, os psicanalistas de diversas clinicas se uniram em uma tentativa de acabar com essa psicanálise charlatã. Freud e Lacan devem ter se revirado no túmulo! Vejam só um dos questionários deles, que são perguntas a serem feitos pelos supostos psicanalistas para seus pacientes:
“Questionário
Algumas sugestões de perguntas a serem feitas pelos psicanalistas formados pela Spob a seus futuros pacientes
Relação edipiana
De que se lembra você em relação ao corpo de sua mãe?
Recorda você alguma coisa das partes sexuais de sua mãe?
Foi você alguma vez impressionado com algum detalhe do corpo de sua mãe?
Relação com crianças
Interessa-se você pelas partes sexuais das crianças?
Que pensa você da micção ou da defecação?
Relação com as funções do próprio corpo
Quando se masturbou pela primeira vez? Em que circunstâncias?
Realizou a masturbação espontaneamente? Ou lhe disseram que o fizesse?
Por que se masturba?
Situação de família
Qual é a pessoa que exerce maior autoridade sobre você em sua família?
Quais eram as suas idéias religiosas? Quais são agora?
Fonte: Spob”
Um artigo, http://scielo.bvs-psi.org.br/scielo.php?pid=S1519-94792002000100013&script=sci_arttext&tlng=pt , de Maria Clarice Baleeiro, mostra um pouco de como essa briga se deu no ano de 2001, e de como conseguimos impedir algumas ações da SPOB. Recorto aqui uma parte do artigo que fala do porque a formação deles não procede, nas coisas mais básicas:
“Os argumentos e as ações apresentadas pelos psicanalistas dizem respeito a:
Em 90 anos de prática a psicanálise nunca foi regulamentada, ela dispensa qualquer regulamentação – a proposta do projeto se vale de idéias e conceitos deturpados;
A maior preocupação está na rápida expansão da SPOB que já formou 2000 psicanalistas e têm 1500 em formação – A associação Brasileira de Psicanálise – ABP, a mais antiga do país formou em 49 anos 980 psicanalistas;
A formação consome anos e se estende pela vida. Os cursos da SPOB possuem poucas horas e a análise pessoal é apenas uma exigência vaga;
Os componentes da SPOB não são reconhecidos no meio psicanalítico;
Há pelo menos 200 associações contra o projeto;
Pelo projeto o MEC aprovaria os currículos mínimos e as exigências para o título de psicanalista, também as regras para que as sociedades possam oferecer a formação. As sociedades tradicionais argumentam que a formação do psicanalista se dá pela análise pessoal, por cursos teóricos e pela supervisão dos casos clínicos. Seriam requisitos impossíveis de serem definidos ou controlados por qualquer grade curricular;
Pelo projeto o CFM fiscalizaria o desempenho dos profissionais a partir de um código de ética a ser redigido – A ética dos profissionais e a tradição das sociedades seriam a garantia da seriedade para o consumidor. O CFP e o CFM não concordam com a proposta do projeto – há um manifesto percorrendo as entidades;
O projeto não ouviu as sociedades. Talvez seja inevitável a normatização pelo crescimento – isso pode ser uma decorrência natural.
Ponderam no entanto, que, em se tratando do paciente a regulamentação poderia ajudar se considerarmos:
Trata-se de uma área sem regras e sem parâmetros, o consumidor não sabe a quem está pagando e nem sabe a quem recorrer em caso de se sentir enganado;
Cursos novos de fim de semana constituem-se num perigo para quem se habilita à formação;
Só se aceita pessoal com curso superior mas nada impede de se receber alguém com apenas o 2 º grau.”
Paulo Delgado – adversário da idéia, conseguiu tirar o projeto da Comissão de Trabalho fazendo-o passar, antes, pela de Seguridade Social. “A psicanálise é um ofício, uma maneira de ver a relação social, o exercício de ouvir o sofrimento alheio, cujo aprendizado tem uma organicidade que passa por preceitos transmitidos através das sociedades que a exercem. Regulamentar esta atividade é um retrocesso. Não é uma profissão que se aprende na escola, muito menos em faculdades evangélicas que procuram uma lei para institucionalizar o seu equívoco. A auto-regulamentação pode ser uma alternativa e seria feita com a criação de um órgão auto regulamentador, que não precisa submeter-se ao Estado.”
Sei que tudo pode parecer um pouco confuso, mas em um próximo post vou tentar falar um pouco do que é a formação do psicanalista, como ocorre em cada abordagem, e porque se luta por uma não regulamentação da profissão.