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Não vamos transformar a violência em uma discussão de gêneros

Inspiradas no dia internacional da mulher, blogueiras escreveram diversos textos sobre a violência sofrida por mulheres. Belos textos (Toda mulher tem uma história de horror para contar I e II) que contam um pouco pedaços de histórias e narrativas sobre violência. Toda mulher já deve ter passado por isso algum dia. Mas fiquei um pouco incomodada com a separação de gêneros nessa questão. E, apesar de concordar completamente com a discussão que se coloca no universo feminino, venho aqui falar um pouco sobre a violência masculina, para defender que violência não deveria ser combatida com a separação de gêneros.

 

“A violência é uma organização dos poderes da pessoa a fim de provar seu próprio poder, a fim de estabelecer o valor do eu (…) mas ai unir os diferentes elementos do eu, omite a racionalidade” – R. May

 

1. O ato violento na infância

Sabemos que as histórias de violência têm suas raízes ainda bem no começo da vida, nos primeiros anos de vida. Já nessa época, centenas de pessoas sofrem algum tipo de violência – desde o tapinha e gritos para educação, até algum tipo de abuso sexual por parte de pais e familiares.

Podemos dizer que as histórias de violência infantil são tão comuns que se tornaram corriqueiras a ponto de acontecer com uma certa aceitação social. Se presenciamos alguma cena que nos indique que a criança está sofrendo algum tipo de abuso, a nossa tendência é achar que estamos “vendo coisas” e que é preciso respeitar a indivudalidade de cada família e suas regras internas. Não é a toa que a grande maioria de casos de abuso sexual infantil, quando descobertos – já tardiamente, sempre vêm acompanhados de histórias em que a vítima contou e pediu ajuda mas não foi atendida. As histórias de violência sempre apresentam três personagens: a vítima, o agressor e a testemunha. Há sempre alguém que se cala.

Violências físicas e psicológicas estão presentes em grande parte das famílias, e parecem já instituidas, tão coladas as histórias familiares que as vezes parece impossivel interferir nessa realidade. Em seu livro sobre violência, Anamaria Neves nos conta um pouco sobre como a violência se apoia em algumas concepções sociais (sobre como deve ser a infância) e como certo grau de violência é socialmente e históricamente aceito. Esse tipo de violência, já tão cedo, foi e ainda é exercida com a cumplicidade de muitas instituições como igrejas, escolas e até mesmo o Estado. Ainda hoje podemos escutar histórias em que a violência familiar não pode ser impedida porque têm a cumplicidade de uma determinada religião e aceitação social.

Muitos pais agressores, quando participam de alguma intervenção psicológica, por vezes parecem vítimas de seu próprio comportamento agressivo e quando paramos para escutar essa história, percebemos que a violência infantil por vezes tem raízes na história familiar, de forma transgeracional.

 

2. Agressor já foi vítima

A violência infantil aparece nas histórias como uma estranha forma de amar. “Faço isso porque amo, para educar”. Desde pequena, a criança vai aprendendo um pouco mais sobre essa estranha maneira de amar. E quando adultos, tendem a reproduzir essa busca por amor à sua maneira. Violência e amor/desejo aparecem de uma forma tão colada, que parece ser impossível amar ou desejar sem atuar de forma violenta. Por essas e tantas outras razões, a maioria dos agressores de hoje foi a vítima de ontem.

É comum escutarmos de homens agressores, quando questionados sobre o porque da violência, que eles de fato acreditam que as mulheres “estavam pedindo, gostando”. Ficamos enojados com esse tipo de frase mas não paramos para escutar as raízes dessa crença, que em geral veio lá da história desse agressor. Afinal, frente a uma história de horror, é muito mais natural que usemos a dicotomia do bem contra o mal, porque é muito mais complicado tentarmos compreender um pouco tudo que está envolvido nesse horror. Ser agredido é terrível, mas encontrar na agressão a única forma de relacionamento com o outro também pode ser terrível. Se falhamos em olhar para esse agressor quando ele ainda era vítima, não podemos falhar duas vezes e negar seu direito de também ser olhado, cuidado, escutado – talvez pela primeira vez.

3. Violência sexual contra o homem

Sabemos o quanto as mulheres sofreram abusos e violência ao longo da história, e também sabemos que essa história aos poucos está mudando. As vítimas cada vez mais tem tido apoio suficiente para contar suas histórias e têm a oportunidade de exorcizar seus medos e seus horrores. Já algum tempo essas histórias são bem vindas, e a luta para mostrar que a culpa da violência não é da vítima deu essa oportunidade para muitas pessoas.

Mas quando falamos apenas da violência sofrida por mulheres, deixamos de lado as muitas histórias de violência contra o homem. Com histórias de horror, esses homens também têm muita dificuldade de contar e procurar justiça, já que sabemos o quanto a postura social machista impede certos comportamentos masculinos.

Quantas vezes ainda ouvimos que “homens devem sofrer calados” e que uma história de vítima “é coisa de viado”, ou ainda que o homem é forte, jamais teria como sofrer abusos de mulheres – ou de outros homens. Mas isso acontece muito mais do que imaginamos. E ao contrário das mulheres, os estudos sobre violência com vítimas masculinas é ínfimo, uma pesquisa superficial no google pode demonstrar isso. Presos em seus papéis sociais, homens também sofrem violência calados e têm muita dificuldade em procura ajuda.

4. Violência e discussão de Gêneros

Entendo e acho muito importante essa onda de proteção as vítimas femininas de violência. Mas acredito que esse contraponto é sempre necessário em qualquer discussão, já que a violência não é exclusividade de um gênero. Sabemos que homens, mulheres, transexuais e homossexuais sofrem todo tipo de violência o tempo todo. Devemos incentivar as vítimas a denunciar e contar suas histórias, sempre. E não podemos congelar a imagem do agressor como alguém do sexo masculino. Como vimos, pessoas que tem uma imagem social de delicadeza e sensibilidade (mães, por exemplo) podem facilmente se encaixar no perfil de agressores, assim como os mais terríveis agressores já podem ter sido vítimas de terríveis violências.

 

“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro.Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda razão. Não é que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.” – Fernando Pessoa

Médicos e Enfermeiras que punem para “ensinar”

Não é de hoje que escutamos todo tipo de história envolvendo pacientes, médicos e enfermeiros. Histórias sobre situações constrangedoras, horríveis e traumatizantes, mas que seguem sendo apenas histórias que beiram a fantasia e não a realidade. Não acreditamos muito nessas histórias porque ainda temos na nossa memória aquela imagem do profissional da saúde como alguém paternal, que está ali para cuidar e zelar do nosso bem estar. Para contrapor essa imagem quase santificada do médico e do enfermeiro, vamos pensar no complexo de Deus que ronda os hospitais e seus profissionais.

Lidar diretamente com a tensão de poder “salvar vidas” é algo que realmente mexe muito com a cabeça de uma pessoa. Imagine uma equipe de médicos e enfermeiros que vivem disso grande parte de suas vidas? Eles assistem ali na prática, pessoas que entram com uma série de problemas e que algum tempo depois saem “curadas”. Por mais pé no chão que essa equipe seja, alguma coisa “lá dentro” fica mexida, diferente, sentindo que se é possível “salvar uma vida”, então pode-se tudo.

Mas, se analisarmos de perto, o médico foi treinado para isso (que chamamos de salvar vidas). Ele foi treinado para consertar órgãos, para detectar problemas biológicos e físicos antes que eles possam desligar o sistema que chamamos de corpo. Então o médico é apenas um técnico do nosso corpo. Ele sabe e é treinado para consertar o que deu errado, de forma que possamos continuar vivos. Sei que esse olhar pode parecer um tanto quanto cruel, até porque o corpo humano não é apenas uma máquina, mas proponho esse olhar parcial com um objetivo. O médico, no final das contas, não é Deus e não faz mágicas. Ele faz aquilo que aprendeu e foi treinado para fazer. As vezes isso funciona e as vezes não funciona e pessoas morrem.

Mas viver essa vida e essa posição de “salvar vidas” se torna um papel tão importante na vida desses profissionais que eles se esquecem que essas pessoas não são apenas corpos. Elas tem subjetividade, histórias, experiências e livre arbítrio. Muitas brigas acontecem nos hospitais, entre o que o médico acha melhor para o seu paciente e o que o paciente quer pra si. E tantas vezes o paciente não é ouvido, extamente porque o médico tem até mesmo o poder de desautorizar o desejo do paciente, dependendo de qual desejo for esse.

Por isso tem se tornado comum que médicos e enfermeiros, além de apenas cuidar dos problemas dos pacientes, tentem “ensinar” lições a seus pacientes. Mas eles faltaram na aula de Psicologia, e tentam aplicar punições sem nem ao menos saber como funciona esse procedimento na Psicologia Comportamental, por exemplo. E ai começam as histórias (e aposto que se você parar pra pensar, deve ter uma também, sua ou de alguém próximo):

Chorando em um hospital, agulhada pelas dores das contrações do parto, mulheres brasileiras ainda têm de ouvir maus-tratos verbais como: “Na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe. Por que tá chorando agora?“; ou “Não chora não que no ano que vem você está aqui de novo“; ou ainda “Se gritar, eu paro agora o que estou fazendo e não te atendo mais“. (Reportagem completa aqui)

Quando o paciente tenta o suicidio, a gente maltrata mesmo. Fazemos tudo de uma forma que ele sinta muita dor e aprenda que esse tipo de coisa não se faz. Por que você sabe né, esses meninos são todos mimados, só querem chamar atenção e dar trabalho.”


Histórias como essas acontecem todos os dias pelos hospitais brasileiros. A equipe do hospital se coloca numa posição em que se permite tomar atitudes que “beneficiarão” os pacientes. Mas eles se esquecem que não foram treinados para isso. Sem entender e sem saber como agir corretamente, saem passando “corretivos”, punições, em situações que eles julgam de acordo apenas com o senso comum e com seus valores pessoais.

Para certos casos eles demoram propositalmente no atendimento – “deixa sofrer pra aprender” – ou atendem da forma mais agressiva e dolorida possível “pra lembrar bem que isso não deve ser feito porque tem conseqüências”, como se isso pudesse surtir algum efeito positivo para o paciente.

Que a equipe médica se coloca nessa posição, a gente já sabe. E também sabemos que o paciente aceita tudo isso calado, em geral por se sentir culpado. Essa situação se assemelha aos casos de abuso e agressão, em que a vítima se sujeita ao agressor, por medo e tantos outros sentimentos. Mas médicos e enfermeiros não têm esse direito, e têm o dever de tratar igualmente todas as pessoas que chegam ao seu consultório, sem julgar cada caso a partir de seus valores. E se acham isso difícil, que larguem a medicina.

Mas, numa sociedade que valoriza o complexo de Deus dos médicos, incentivando e apoiando a Lei do ato médico***, parece mesmo que cada vez mais incentivamos os médicos a atuar nessa posição de lei, punido aleatoriamente enquanto fechamos os olhos para esses maus tratos. Até o dia que isso acontecer com você ou com alguém da sua família.

Temos que prestar mais atenção ao poder que estamos dando aos profissionais da saúde. E se um corpo não é apenas uma máquina, devemos começar também a prestar atenção na formações que esses profissionais estão tendo, já que passam anos voltados apenas para o funcionamento do corpo e esquecem que não somos apenas uma massa de carne, temos subjetividade e desejos, e merecemos respeito.

Vamos continuar lutando para a inserção de profissionais da Psicologia nos hospital e na equipe médica, não apenas para atender os pacientes, mas também para dar apoio e suporte aos profissionais da saúde.

** Com essa quantidade de séries sobre médicos e hospitais, podemos ver situações como essas sendo reproduzidas com facilidade. Nesse episódio da série Private Practice, uma médica que atende uma paciente cega, acredita que ela não é capaz de cuidar de sua filha, por causa da cegueira, e faz de tudo para que ela perca a guarda da criança.

Blind Love – Private Practice

*** Não ao projeto do ato médico: http://www.naoaoatomedico.org.br/index/index.cfm

Todas as crianças são adotadas

Ao contrário do que a nossa sociedade vende, o amor de mãe não é natural. O amor de mãe não é um ato mágico que acontece durante a gravidez e/ou no parto do bebê. Esse amor, como qualquer outro, é cultivado e construído. É bom que possamos conversar um pouco sobre isso porque esse mito do amor materno pode dificultar muito a vida de centenas de mãe que não vivem essa história de conto de fadas. Muitas sofrem em silêncio por se sentirem excluídas dessa fantasia, pois não sentem que a “mágica” aconteceu com elas.

São tantas coisas que podem dar errado nesse começo do relacionamento entre uma mãe e seu bebê que incentivar essa culpa não ajuda em nada, só atrapalha esse momento inicial da maternagem. Vamos falar um pouco sobre esses mitos socialmente construídos.

Mito 1

A mãe tem nove meses para aprender a amar o seu filho. Assim, quando ele nasce, o amor já aconteceu. O pai tem que começar do zero.

Discussão

Durante os nove meses de gravidez a mãe não aprende a amar o seu filho, até porque ela ainda não o conhece. Tudo o que ela faz e aprende a fazer é construir uma imagem e uma fantasia do que será aquele bebê quando nascer. Quando consegue fazer isso (e nesse ponto o pai também já pode participar do mesmo processo), a mãe vai imaginando, se deixando fantasiar sobre como será essa criança. Então o que a mãe passa a amar, durante a gravidez, é uma imagem fantasiosa de um bebê que vai nascer e não o que de fato o bebê será. Isso é bom? Claro que é bom, porque a criança que nasce precisa disso que chamamos de subjetivação, ela precisa dessa atenção voltada pra ela, ainda que seja imaginarizada e fantasiada.

Dificuldades

Nem todas as mães conseguem viver a gravidez dessa forma. Algumas passam por grandes dificuldades na criação das fantasias sobre o bebê que elas nunca viram concretamente. Podemos perceber, por exemplo, algumas mães que têm facilidade em falar com a barriga, enquanto outras acham isso um pouco desconfortável, estranho. Outras mães sentem a gravidez como um processo invasivo, como se seu corpo não respondesse mais as suas ordens. Sentem muitas dores, muitos desconfortos que acabam não deixando espaço para que elas sintam algum prazer.

Conclusão

Se a mãe tem nove meses para aprender a amar o filho, o pai também têm. Mas esse filho que eles estão aprendendo a amar ainda é só uma construção, uma fantasia em relação ao bebê que ainda vai nascer. Isso não é ruim, mas não resolve a questão do amor materno como um movimento natural.

Mito 2

Assim que o bebê nasce, após o parto, o amor entre eles é automático. Basta a primeira troca de olhares e a mãe já ama seu bebê e o bebe já sabe que poderá contar com aquele amor pra sempre.

Discussão e Dificuldades

Se no mito anterior percebemos que o amor (quando é) construido durante a gravidez é para um bebê imaginário, será que esse amor se transfere para o bebê real automáticamente após o parto? Pode ser que sim, mas nem sempre. Muitas mães que tiveram o parto em boas condições conseguem olhar para o bebê que nasceu e enxergar tudo aquilo que elas sonharam durante a gestação. Ao longo dos primeiros meses, essas mães enfretarão as dificuldades do dia a dia, mas conseguirão olhar para seu bebê e energar tudo aquilo que sonharam para ele.

Mas para muitas não acontece dessa forma. Com as dores e os medos do parto, com as dificuldades iniciais nos cuidados em relação ao bebê, a maioria das mães não consegue transferir a imagem que tinham do seu bebê, durante a gravidez, para o bebê que nasceu. Envergonhadas e tristes, não encontram espaço para conversar sobre isso e podem se tornar até um pouco mecanicistas em seu contato com a criança, pois sabem quais são suas obrigações mas não conseguem sentir “o que deveriam sentir”. Aqui podem acontecer as depressões pós-parto (que são mais comuns do que imaginamos), as mortes de bebês e até mesmo a instalação de uma série de problemas e doenças no bebê (como o austismo).

Conclusão

O amor materno imediatamente após o parto não é automático. Ele pode acontecer de forma mais rápida e fácil para algumas mulheres, mas para muitas é um processo de construção assim como qualquer outro relacionamento. É a partir dali que a mãe vai começar a conhecer o seu bebê e pode ter ou não facilidade para subjetivar aquele ser que ela acabou de colocar no mundo. Crianças que nascem com deficiência, por exemplo, costumam trazer muitas dificuldades iniciais para essa construção do amor materno, já que os pais se vêem numa situação em que a criança não é aquilo que eles imaginaram e sonharam que seria. (Mas conversaremos sobre essa particularidade em outro texto).

Existem muitos mitos em relação a gravidez e a maternidade. Mas com esses dois podemos iniciar um dialógo sobre esse processo. Por que não existe um grávida correta. Cada mulher vive sua gravidez de forma peculiar e esse mito da gravidez perfeita só atrapalha as mães que vivem sua gravidez de outras maneiras. O mesm acontece com o amor materno. Ele pode ser construído de diversas maneiras, e seja qual fora, a única certeza que temos é que ele não é natural. Assim, podemos dizer que todas as crianças são adotadas, pois todas elas passarão pelo processo de construção e criação do seu lugar na família indepentente de terem sido concebidas biologicamente por eles ou por outros. O parto não garante amor e facilidades, isso é uma ilusão que construímos. (Falaremos disso em outro texto também.)

Falar desse assunto é delicado porque essa fantasia que se criou sobre o amor materno é tão forte que parece impossível ser desconstruída. Se fosse possível falar sobre o tema com mais franqueza e seriedade, muitas mães poderiam ter uma ajuda mais precisa e não sofreriam de uma série de problemas como a depressão pós parto. E as crianças, por sua vez, poderiam desenvolver menos doenças como o autismo e outras com falhas na inserção da linguagem. Mas o medo de admitir que essa construção na maternidade passa por dificuldades acaba por incentivar o silêncio e a falta de incentivo para mudanças e investimentos nessa área.

São pequenas coisas que podemos fazer e mudar, como acompanhamento psicológico obrigatório para a mãe durante o pré-natal (junto com a ida ao obstetra, por exemplo) e durante as primeiras idas ao pediatra. Durante esse momentos, a preocupação da saúde pública ainda parece estar apenas no corpo, no desenvolvimento biológico satisfatório. Sabemos o quanto é importante também a saúde psíquica, e um movimento de inserção da psicologia nesses setores e nesses momentos cruciais da relação mãe-bebe poderia fazer uma grande diferença na hora de atuar nos grandes problemas que assistimos acontecer. Mães que conseguem esse tipo de acompanhamento, por exemplo, relatam como conseguiram passar por dificuldades de forma menos dolorosa e solitária.

Para saber mais

Um amor conquistado: o mito do amor materno, ElisabethBadinter

A construção do amor materno na relação mãe-bebê: reflexões a partir da psicanálise, Cléa M. B. Lopes

O complexo da mãe morta: sobre os transtorno do amor na relação mãe-bebê, Issa Damous

A criança, sua doença e a mãe: um estudo sobre a função materna na constituição de sujeitos precocemente atingidos por doença ou deficiência, Leyla A. V. Falsetti

Amar, cuidar, subjetivar – implicações educacionais na primeira infância, Valéria R. Baptista

Ronaldo e o hipotireoidismo

Na manhã de ontem todo mundo viu ou escutou o anúncio da aposentadoria do Ronaldo. Escutaram também sobre o hipotireoidismo e as conseqüências dessa doença na vida do atleta. Mas algo parecia errado. Em menos de trinta minutos, médicos de todo Brasil colocavam na internet que a doença de Ronaldo não era totalmente responsável por aquilo que ele disse na entrevista. A partir dai as pessoas começaram a fazer reportagens sobre a doença e suas “verdadeiras” conseqüências, enquanto outros aproveitaram para tirar sarro do jogador pela “desculpinha esfarradapa” que ele deu.

Mas quando se trata de psiquê nem tudo é tão simples assim. Cada um acredita e atribui um sentido ao diagnóstico que recebe. E é por isso que a psicanálise é contra esses diagnósticos. Quando um médico fala as palavras mágicas: “você foi diagnosticado com X doença”, a partir dai a pessoa entende o que a sua mente quer. E ela vai criar uma fantasia, uma ficção dessa doença que não necessariamente vai caminhar junto com o que de fato a doença desenvolve como problemas.

Fora isso, o doente tende a escutar aquilo que lhe é conveniente (inconscientemente também), e sua carga de sofrimento em relação a doença será particular. Por isso nem todas as pessoas reagem do mesmo jeito a uma doença. Porque cada um escuta o diagnóstico de um jeito diferente e cada um vive esse diagnóstico de outro jeito completamente diferente também.

Atribuir sentido é algo que fazemos o tempo inteiro com as experiências que passamos e quando somos diagnosticados, começamos a atribuir sentido a doença também. Então, por algum motivo, pode ser que o Ronaldo realmente acredite que todos os problemas que ele teve foram pelo hipotireoidismo. Quem sabe que sentido ele deu para esse diagnóstico na sua vida? Assim como muitos, ele pode ter se deixado definir não por uma doença, mas por um diagnóstico dado em determinado momento de sua vida.

Com a explosão de novos diagnósticos de problemas mentais, cada vez mais as pessoas são diagnosticadas com problemas que as vezes nem existiam. Mas como foram “nomeadas” daquela forma, “vestem a roupa” da doença de uma forma tão profunda que passam a definir a vida e a si mesmos a partir daquele diagnóstico. Tudo passa a ser em função daquilo. Veja a Clara Averbuck com o seu “sou bipolar e minha filha também é”, ou mesma a Tulla Luana como seu “eu sou esquizofrênica”, e tantas outras pessoas que saem pela internet se definindo por seus diagnósticos. Criam uma vida, uma história baseada em um nome, um diagnóstico que possa explicar porque elas se sentem tão diferente de todo mundo e da sociedade em que vivem.

Para essas pessoas como Ronaldo talvez seja “mais fácil” (nada é fácil, mas não vamos nos aprofundar nisso agora) se identificar a partir de um sintoma porque é com ele que será possível justificar todas as estranhezas que sentem em relação ao mundo e que o mundo sente por ele. “Ah, eu sou bipolar, e é por isso que você me acha meio estranha. É por isso também que eu sempre fui meio esquisita”. E essa posição é “confortável” no sentido da mudança. O diagnóstico justifica uma situação e te permite não se preocupar em entendê-lo para mudar. Você se torna uma pessoa estática, presa ao nome que te deram.

Não se escondam atrás de um diagnóstico. Você não é só uma doença. E não desacreditem ou dêem risada de quem se apresenta a partir de uma doença: provavelmente a identidade da pessoa está tão atrelada a esse diagnóstico, que ela não consiga perceber. Por que uma pessoa pode ter uma doença qualquer, mas não necessariamente ela precisa se tornar apenas aquela doença.

Você tem o direito de ser triste

Se você está numa roda de amigos e começa a falar de algum problema seu, em cerca de cinco minutos cada um deles começará a falar de seus problemas pessoais tentando mostrar como o problemas deles é maior. Para eles você está reclamando por pouco e precisa parar de sofrer. É a competitividade por tragédias, podem reparar. O mesmo acontece com doenças: se um pessoa reclama que a gripe está forte demais, logo chegará alguém para dizer que aquilo não é sofrimento, “sofre mesmo quem tem câncer”. Pensando nessa competição no dia-a-dia, as pessoas têm se esforçado para mostrar que a modernidade trouxe facilidades e que nossos sofrimentos de hoje são (ou deveriam ser) muito menores do que os antigos.

Acontece que sofrimento não tem medida comparativa em tabela objetiva. A dor pessoal não pode ser mensurada como se gostaria e devíamos começar a pensar na tal da tolerância e empatia. Por que tendemos a diminuir a dor alheia? Por que achamos que racionalizar a dor do outro mostrando que há coisas piores no mundo ajudará a pessoa a não sentir a dor que ela sente?

Uma pessoa pode sofrer com um simples caquinho de vidro no pé com a mesma sensação de uma mãe que acabou de perder seu filho para o câncer. Será que devemos ficar medindo quem “merece” sofrer mais, quem está mais certo e tem mais direito de sentir suas dores?

Cada pessoa tem seu modo de lidar com a dor e o sofrimento assim como cada uma consegue ou não lidar com elas de uma forma mais silênciosa ou escandalosa. Por que nos permitimos exercer essa posição de julgadores do outro se só temos a nossa experiência como base da análise de dados?

Se alguém está sofrendo horrores porque não sabe o seu lugar no mundo e não sabe ainda o que vai querer de si e da vida, por que não podemos aceitar que aquele sofrimento deve realmente ser insuportável para aquela pessoa e que pode ser possível que ela sofra por anos a fio de depressão e melancolia? Não é só porque crianças passam fome na África que o sentimento dela é diminuido ou menos dolorido.

Vamos deixar que as pessoas sintam suas dores e sofrimentos do jeito que elas estão sentindo, mesmo que para nossa realidade possa parecer exagerado e absurdo. Vamos permitir que as pessoas sejam tristes quando elas quiserem e parar de entrar nessa exigência social de felicidade 100% do tempo.

Tudo NÃO está maravilhoso e muitos estão tristes com essa exigência de felicidade que a modernidade impõe. Antes eu demorava 5 meses e agora demoro uma hora para chegar em algum lugar graças a tecnologia? Ok, isso é muito legal. Mas não me obriga a ser feliz o tempo todo. Novos problemas aparecem quando novas tecnologias são inventadas e isso é mais do que natural. É parte da evolução.

Nossa sociedade nos oferece mil formas de ter prazer (e com isso ser feliz) e nos coloca essa idéia de que não podemos sofrer com nada. “Ah, você vai sofrer porque não sabe o que quer do futuro? Mas tem tanta coisa pra ser feliz, por que você vai sofrer com isso?” Não somos obrigados a ser felizes só porque a sociedade nos oferece mil formas de obter prazer. Da mesma forma, não temos que medir nossa dor em comparação com a dor dos outros, porque cada uma dessas dores são reais e doloridas para cada uma dessas pessoas.

Você não precisa entender o sofrimento do outro. Só precisa deixar que ele sofra o quanto for necessário naquele momento. Empatia e tolerância.

Documentos comprobatórios do Lattes? Oh não…

Se você tem algum envolvimento com o currículo lattes, esse texto é pra você. Pode pular para o item Proposta. Vou fazer um apelo e tenho certeza que você também vai gostar da idéia. Agora se você não conhece o Lattes, leia que o texto é grande mas muito interessante!

Mas o que é o Lattes?

Segundo o site do CNPq, a plataforma Lattes é a base de dados de currículos, instituições e grupos de pesquisa das áreas de Ciência e Tecnologia. Seu objetivo é compatibilizar e integrar as informações coletadas em diferentes momentos de interação da Agência (como Cnpq e Capes) com seus usuários, objetivando aprimorar a qualidade da sua base de dados e racionalizar o trabalho dos pesquisadores e estudantes no fornecimento das informações requeridas pelo Conselho.

Mas pra que tudo isso? Por que não um currículo simples?

O sistema de currículos Lattes surgiu da necessidade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) de gerenciar uma base de dados sobre pesquisadores em C&T para credenciamento de orientadores no país. Antes do Lattes, tudo isso era feito em papel, em um sistema de currículos específico para credenciamento de orientadores (MiniCurrículo). Nessa época, a Agência acumulou cerca de 35 mil registros curriculares da atividade de C&T no país. Embora esses instrumentos tenham viabilizado a operação de fomento da Agência, a natureza das informações dificultava uma plena utilização dessa base de dados em outros processos de gestão em C&T. Por exemplo, não era possível separar co-autores ou mesmo contabilizar índices de co-autoria nos currículos.

Tá, mas agora me explica como se eu tivesse 5 anos!

O currículo Lattes permite à Instituição uma fácil visão e avaliação curricular dos docentes e discentes contemplando os seguintes pontos (via Wikipedia):

  • Estabelecer uma imagem institucional nos sensos;
  • Formação de grupos de trabalho e pesquisa;
  • Avaliar o seu trabalho enquanto pesquisador;
  • Diagnosticar o perfil do pesquisador com outros dentro de sua área de atuação.
  • possibilita a visibilidade da produção docente por grupos de pesquisa consulta em qualquer lugar do pais;
  • possibilidade de concessão de passagens para eventos científicos;
  • participação de projetos.
  • Em geral os órgãos de fomento consultam o currículo Lattes tornando-se de suma importância para as avaliações de produção científica.

Resumindo até agora

Para avaliar com mais facilidade alunos e professores envolvidos no meio acadêmico bem como as instituições em que eles fazem parte, o Lattes foi criado para que existisse apenas um único modelo de apresentação de dados. A partir da análise do currículo Lattes as pessoas/instituições podem pedir bolsas, financiamentos e verbas das agências governamentais. A coisa funcionou tanto que ele virou referência para concursos e até mesmo para o mercado de trabalho (algumas empresas já se baseiam no Lattes para escolha de candidatos).

Problemas

Mas nem tudo é lindo como parece. O lattes é cheio de problemas técnicos, problemas que os usuários reclamam desde o começo mas são obrigados a continuar usando. Para exemplificar um deles, você não pode simplesmente entrar e inserir os dados, digitando. É preciso escolher os dados num banco de dados da plataforma. Caso ainda não tenha cadastrado aquilo que você quer escrever, então primeiramente você precisa cadastrar para depois inserir o dado no seu currículo. Imagina fazer isso todo mês e com mil dados diferentes (do Brasil inteiro!)!!! Muitas pessoas passam meses com o Lattes desatualizado, exatamente pelo trabalho que é mantê-lo em dia. Mas se essa pessoa está em contato permanente com o meio acadêmico, é preciso deixar o Lattes sempre atualizado. Isso significa inserir toda e qualquer produção que esta pessoa esteja fazendo (apresentações, publicações, artigos e por ai vai). Quando você é inciante isso parece simples. Mas imagine depois de 10 anos de academia. A coisa vai ficando tensa.

Todo mundo que se preze no meio acadêmico tem um lattes. É a primeira coisa que a gente pesquisa quando quer saber mais (profissionalmente) sobre uma pessoa e sua formação. Lendo seu lattes eu sei “de onde você vem” e o que você tem feito. Dou aqui alguns exemplos de Lattes para que vocês entendem do que se trata: o meu, o da minha mãe e do meu orientador.

Outro grande problema está na tal comprovação. Aqui no Brasil confiança não é uma coisa que a gente tenha de sobra. E as pessoas começaram a mentir, inventar dados na hora de preencher o lattes. Então todas as instituições que utilizam o lattes começaram a pedir os documentos que comprovam que aquelas informações digitadas são verdadeiras. Ah, então você apresentou trabalho em evento? Onde está o certificado? Ah, então você publicou um artigo? Onde está a cópia dele na revista científica ou no livro? Ah, então você foi convidado pra dar aula ou ganhou um prêmio? Onde está o comprovante disso?


Agora você imagina o tamanho da pasta de documentos comprobatórios para uma pessoa como a minha mãe ou o meu orientador? Vocês deram lá uma olhada no currículos deles? Pois é, tem que comprovar CADA UM daqueles itens. Com papéis (xerox). O meu que ainda é curto já dá um trabalhão!!! E quem está envolvido com o meio acadêmico acaba tendo que fazer essa comprovação (documentos xerocados entregues e não devolvidos) muitas vezes no ano. As agências e instituições dizem que isso é necessário pois tudo precisa ficar devidamente comprovado e arquivado. Então o que fazer para não enlouquecer cada vez que for preciso comprovar os dados do lattes?

Proposta

Se os documentos são sempre os mesmos e só vão sendo acrescentados, por que não digitalizá-los e montar um arquivo digital e/ou online? No momento em que surgir a necessidade de comprovação, basta enviar um email com todos os arquivos (no formato desejado pela instituição, PDF por exemplo) ou colocar toda documentação em um CD. Assim não seria necessário gastar árvores e mais árvores com os papéis de xerox, além da economia de tempo e dinheiro.

1. Ah, mas as instituições precisam guardar toda documentação em arquivo para que no futuro tenham como comprovar, caso ocorram problemas.

Ok, se entregamos toda a documentação em CD, esse CD pode ser arquivado tanto quanto eram arquivados os papéis. Ainda ocupando menos espaço em armários. Se as informações forem enviadas por email a instituição pode criar um banco de dados online com direito a backup – que aliás é muito mais seguro.

2. Ah, mas CD estraga!

E papel não? Papel mofa, é comido por cupim e pode pegar fogo.

3. Ah, mas ai cada um vai entregar em um formato diferente, em um CD ou programa diferente e teremos problemas para abrir os arquivos, vai dar muito trabalho.

Uma adaptação será necessária, isso é fato. Toda mudança exige adaptações e problemas não previstos podem acontecer no caminho. Mas é possivel começar instituindo em que formato os arquivos serão aceitos e criando regras a respeito dessa entrega.

4. As pessoas podem alterar documentos no formato digital. Como vamos no precaver contra falsificações? Só o papel tem esse poder. (Tá essa última frase foi irônica!)

Quando as pessoas querem falsificar um documento elas falsificam no formato digital, no papel e em qualquer lugar. Problemas com falsificações ocorrem em qualquer formato. Até porque as xerox que entregamos não são autenticadas em cartório e mesmo se fossem também seriam passíveis de falsificação. Sempre existirão pessoas tentando enganar o sistema, isso independe do formato.

Bom, eu poderia ficar aqui descrevendo os mil problemas que as agências e as instituições vão criar. Mas ao invés disso vou gastar o final do meu texto fazendo um apelo:

Se você é professor e está envolvido em bancas de concursos, escritas de textos dos editais ou é funcionário das agências de fomento, esse apelo é para você. Sabe quando dizem que não é possível mudar o mundo mas é possível mudar nossa realidade? Então, essa é hora. Proponha essa idéia ai no seu campo de trabalho. No próximo edital de concurso, vagas, bolsas ou qualquer um deles, peça a comprovação do lattes em formato digital. Se quiser eu ajudo você a pensar melhor nessa idéia. Mas vamos mudar essa forma caquética e antiquada de fazer as coisas na academia. Essa é a hora!

Os alunos agradecem, as árvores agradecem, o nosso bolso agradece e tenho certeza que você também vai agradecer depois de perceber os benefícios.

Sexualidade e Deficiência Mental

Outro dia eu estava na piscina de crianças do clube mais cheio de firulas de Uberlândia. Junto comigo estava a mãe de um amiguinho do meu filho. Olhávamos as crianças enquanto tomávamos sol. Eis que surge na água um rapaz de aproximadamente 17- 18 anos com a mão dentro do calção de banho, sorrindo e se masturbando enquanto olhava para a mãe do amiguinho do meu filho. Ela estava visivelmente constrangida mas fingindo que nada estava acontecendo. Fui reparar um pouco mais no rapaz, e percebi que ele era deficiente mental. Não demorou muito e seu pai apareceu e o arrastou pelo braço (arrastou mesmo). Depois de algum tempo eles foram embora. A mãe do meu lado nada comentou sobre o assunto, como se nada tivesse acontecido.

Alguns anos atrás eu estava num clube de Águas de Lindóia, numa temporada de férias. Observei um rapaz com seus 15-16 anos na piscina, que fazia a mesma coisa mas parecia muito incomodado com sua situação. Então se dirigia para uma cascata de água gelada (muito gelada) e lá abria o calção deixando a água entrar. Seu desespero era visível. Depois de muito tempo por lá ele voltava para conversar com as pessoas (que não o conheciam). Seus pais não estavam em lugar visível. Mais tarde percebi que os pais o largavam na piscina de manhã e só apareciam no final da tarde pra buscar. Todas as pessoas na piscina ficavam visivelmente incomodadas e comentavam entre si o absurdo que era o menino ficar solto por ali o dia todo, pois ele não tinha culpa de ser deficiente mental mas a família tinha obrigação de ser responsável.

Contei essas duas histórias porque elas tem muita coisa em comum. Vamos começar falando um pouco da questão sexual e como acontece essa experiência da sexualidade para o deficiente mental. Vocês já devem ter percebido que a sexualidade dos jovens nessa idade é muito aflorada e com esses meninos não seria diferente. O que é difícil para eles é que a idade mental não condiz com a idade biológica, portanto eles tem dificuldade em entender o que estão passando e vivendo, como lidar com as transformações do corpo. Além disso, pais e professores tem receio de tocar nesse assunto com eles, temendo que eles não tenham maturidade suficiente para entender certos diálogos, mesmo que eles sejam necessários. Assim, eles agem como uma criança no corpo de gente grande pois não têm a maldade e o entendimento que nós – que assistimos a tudo isso – temos. E como podemos perceber nesses dois casos, um deles é arrastado da situação enquanto o outro é ignorado. Esse outro ainda parece ter sido ensinado alguma coisa e por isso parecia se desesperar deixando o pênis na água gelada para que ele não ficasse mais ereto.

Apesar de não ter a idade mental compatível com a biológica eles conseguem entender muitas coisas. Por isso conversas são fundamentais para explicar o que eles sentem e como podem reagir a esses sentimentos. Mas para muitos pais já e difícil conversar sobre sexualidade com os filhos “normais”, imagina então conversar sobre sexualiade com os deficientes mentais, que exigem uma dose muito maior de termos concretos na fala? Certos diálogos abstratos e subentendidos funcionam com jovens sem deficiência, mas com os DM é necessários dizer tudo que precisa ser dito com todas as letras e isso pode ser muito difícil para pais e educadores. Assim como a mãe ao meu lado fez, as pessoas tendem a ignorar e fingir que não estao vendo nada, e os meninos continuam tendo as mesmas atitudes entendendo menos ainda.

Agora vamos falar dos pais de jovens e crianças deficientes. Porque esses pais passam por essa e muitas outras dificuldades com seus filhos e outras pessoas que estão em volta tendem a ter atitudes críticas e julgadoras, ora por ignorar, ora por permitir que situações como essa aconteçam em qualquer lugar. Essas mesmas pessoas têm dificuldade de entender como é a vida de um pai com filho DM. Em geral esses pais são muito dedicados e focados nos filhos (seja porque gostam, seja porque não tiveram outra escolha). É de conhecimento geral que essas crianças exigem atenção extra e cuidados e com isso é possível que os pais se tornem cansados, frustrados e estressados com tanta carga de responsabilidade nas costas.

Pregamos muito sobre diversidade e inclusão mas para que tudo isso aconteça ainda é necessário muita tolerância e empatia. Eu costumo brincar que só inclui mesmo quem tem alguém da família que é deficiente (e olhe lá!). Mas será que só é possível entender o outro se vivenciarmos a mesma experiência?

Se você é daqueles que acha que os direitos dos deficientes são certos, mas ele lá e você aqui, então é hora de você começar a trabalhar a sua tolerância.

E você ai, pai ou parente de uma criança com DM, saiba que hoje em dia existe um vasto material sobre Sexualidade e Deficiência: livros, filmes e materiais de apoio. É possível encontrar também muitos grupos de apoio a pais e familiares de pessoas com deficiências. Se você está passando por alguma dessas situações procure informações a respeito. É possível que você possa encontrar ajuda para você e seu filho.

Contando histórias e criando sentido – Deficiência Visual

A história

Pra quem ainda não sabe, tenho um filho de 12 anos que possui baixa visão. De acordo com os mil exames e mil médicos que já passamos, ele enxerga 0,03 em um olho e 0,05 no outro. Se você é esperto e foi pesquisar, já percebeu que de acordo com a tabela oficial ele é considerado quase cego. Mas os médicos percebem que essa tabela não consegue ser tão precisa como deveria, já que ele tem essa porcentagem ai mas enxerga como uma pessoa que tem baixa visão. Diagnósticos, como sempre, não dão conta da subjetvidade e da singularidade de cada caso, mas esse não é objetivo desse meu texto. Hoje eu vou começar a contar uma história (das mil que vivemos) sobre como é ser mãe de uma criança com baixa visão nesse mundo ai de doido.

Fazer esportes, para quem é cego ou tem baixa visão, é uma coisa complexa. A maioria dos esportes envolvem corridas ou necessitam de uma relação com um objeto/objetivo distante, que obviamente não podem ser vistos por uma pessoa que não enxerga direito. Então, depois de tentar muitos deles (até mesmo os adaptados) nada deu certo para o Gabi. E não é mesmo da personalidade dele gostar de esportes, então ficamos sem opções para as atividades extra-curriculares. Aqui em casa temos uma ligação muito forte com a música e com isso ele desenvolveu interesse no aprendizado do teclado. Mas pagar por um professor particular estava fora das nossas possibilidades, então bora atrás do Conservatório.

Aqui em Uberlândia o Conservatório Municipal oferece muitas aulas de música: diversos instrumentos para diversas idades e de graça. Basta que no final do ano você se inscreva no processo seletivo e seja selecionado. Ao entrar em contato com eles, em setembro no ano passado, descobri que crianças com “necessidades especiais” (detesto esse termo) têm um processo seletivo a parte já que existem vagas específicas voltadas para esse grupo. Entrei no site e quando terminei de preencher as mil lacunas fui direcionada para uma página que me dizia que a data dos “especiais” era diferente e que eu teria que entrar em contato com o Conservatório. Depois de passar a tarde tentando (porque só dava ocupado) uma pessoa me atendeu, me passou pra outra, que me passou para outra que finalmente me disse que eu teria qe fazer tudo de novo porque a data da entrevista deveria ter aparecido depois do meu Enter final e que se não apareceu é porque eu fiz algo de errado. Já era tarde e eu deixei para fazer no dia seguinte.

No dia seguinte fiz a mesma coisa e o mesmo problema aconteceu. Liguei novamente e depois de novos redirecionamentos da ligação, alguém me diz que os dias de entrevistas seriam em novembro e que era só aparecer lá, já que no site estava dando erro. (Custava ter me dito isso da primeira vez?)

Meses depois, finalmente chega o dia da entrevista. Haviam me pedido para levar o laudo comprovando a deficiência e eu prontamente tirei cópia e levei. Durante a entrevista uma professora de surdos me pediu desculpas pois a professora de cegos não estava, mas ia fazer a entrevista por ela. Perguntou com detalhes quais eram as questões do Gabi e que adpatações deveriam ser feitas. Fomos embora com a sensação de que ele passaria.

Em janeiro deste ano recebemos uma ligação confirmando a aprovação e pedindo nossa presença no dia seguinte (sem falta) com os documentos necessários, para a efetivação da matrícula.  Nenhuma outra instrução foi dada, apenas que levássemos os documentos. Era onze horas da manhã e eu teria que largar todo meu planejamento do dia para correr atrás dos documentos (já que eu só poderia efetivar a matrícula no dia seguinte). Me perguntei o que faz uma mulher que não pode mudar seu planejmento porque não tem uma agenda de trabalho tranqüila como a minha – ela perde a matrícula ou o dia de trabalho, claro.

No dia seguinte estávamos lá no Conservatório eu, Gabi e os mil documentos. Chegamos as 14:00 e a senhora da recepção não estava mais distribuindo senhas porque tinha muita gente. (Como se isso fosse problema de quem estava indo fazer matrícula). Mas como o Gabi era “especial” poderia entrar e não precisaria ficar na fila. Esta mesma senhora me levou ao local de matrícula junto com um outro senhor cego que também aguardava, sozinho, ser chamado para a matrícula. Enquanto passávamos pela fila senti olhares furiosos nos fuzilando (o Gabi tem deficiência mas não parece ter, então as pessoas não entendem porque não vêem nada de diferente). Esta senhora nos avisou: vocês tem que fazer matrícula com a D., somente com a D.

Cerca de 20 minutos depois alguém me chamou de dentro da sala (entupida de pessoas). Entramos lá e uma moça gentilmente veio fazer a matrícula. Eu avisei que a senhora lá da frente havia me pedido para fazer matrícula somente com a D. Essa D. estava do meu lado e disse que qualquer um poderia efetivar a matrícula. Entreguei os documentos e avisei que o Gabi era DV. Ela entendeu e me pediu novamente os documentos que eu entreguei no dia da entrevista (Perderam? Claro…) e como eu sou preparada, entreguei tudo de novo. Ela fez a matrícula, escolheu os professores e me disse que estava tudo certo, era só comparecer no primeiro dia de aula. Saímos e pude escutar alguém da fila dizendo para o filho: “Tá vendo, precisa ser “especial” pra ser atendido logo…” Ah, e o senhor que estava sozinho ficou lá, sabe-se lá quem iria se lembrar dele e chamar o próximo. E eu já tinha avisado umas três vezes que ele estava aguardando…

Duas semana depois eis que chega o primeiro dia de aula. Ele teria musicalização e depois a aula prática. Já na aula de musicalização, com 5 minutos de aula, a professora sai da sala e me explica que a apostila que ela trabalha não estava dando certo com ele pois ele não estava enxergando (De que adiantou mesmo os relatórios com laudo, a entrevista para saber as adaptações necessárias?). Pediu meu email para que me passasse o conteúdo e assim eu poderia providenciar as adpatações necessárias. (Mas perai, esse negócio do governo não tem que me fornecer o material já adaptado? Tem né, mas a gente sabe que não é isso que acontece, as mães já estão acostumadas a adaptar elas mesmas…) Terminando essa aula, fomos para a prática. A professora do Gabi era a professora de surdos e logo percebeu que haviam feito a matrícula dele errada. Nos levou na sala da professora de cegos e explicou. Esta nova professora, R., prontamente nos encaixou em seu horário e até aproveitou para encaixá-lo numa prática de grupo (só com cegos). Achei o máximo mesmo achando essa nova professora um tanto simpática demais, até mesmo bajuladora demais. E lá fomos para a secretaria passar os novos horários e explicar a confusão.

Chegando na secretaria, R. explicou tudo o que havia acontecido, aumentando mais ainda o grau de simpatia e bajulação (e foi ai que caiu minha ficha – serviço publico nego tem que bajular, elogiar e plantar bananeiras para que o outro faça aquilo que na verdade é sua obrigação) e logo escutou um “não dá, o sistema não deixa. Pq você não avisou que ele era DV na matrícula?“. Juro que minha vontade era de esganar um, mas com minha grande paciência avisei que isso tinha sido feito mas aparentemente o engano havia ocorrido da mesma forma. Depois de me olhar com aquela cara de “você está errada e agora não tem jeito”, virou para o colega e começou a conversar. Oi, e eu? … R. me olha e pede que eu aguarde uma vaga no horário dela. Isso poderia levar 6 meses, até mesmo um ano. Eu olhei bem séria pra ela e disse que não seria possível aguardar e que o Gabriel poderia perfeitamente continuar com a prof. de surdos até ela conseguir uma vaga (até pq eu tinha gostado mais dela mesmo). E assim voltamos para a sala e tocou o sinal. E o Gabriel não teve sua primeira aula.

Trocando em miúdos

Serviço público funciona? Claro que funciona. O problema não é o funcionar ou o não funcionar e sim o COMO funciona. Que o Gabriel terá aulas de teclado isso eu tenho certeza. Agora todo o estresse que se passa para que isso aconteça é que é demais. Imagina aquela pessoa que precisa do serviço público pra tudo na vida? E o pior, você não tem onde reclamar, não tem SAC, não pode sair dando piti dizendo que vai procurar o concorrente…

Agora a reflexão que eu proponho aqui é: adianta sair por ai dizendo que tudo é culpa do governo ou do político corrupto? Claro que muitos desses problemas acabam refletidos no dia-a-dia, mas tudo que eu vi ali foi uma porção de gente fazendo seu trabalho de qualquer jeito, cometendo uma série de erros, um atrás do outro, como se a população tivesse que agüentar pois não paga nada e está recebendo um “favor”. Queridos amigos: o problema é sempre a pessoa, aquela que está ali fazendo seu trabalho de qualquer jeito porque se acha mal paga, coitada, ou sei lá mais o que. Ao invés de lutar por seus direitos, faz o seu trabalho de qualquer jeito e prejudica uma outra pessoa que provavelmente luta pelos mesmos problemas que ela no seu trabalho. Então meu amigo, você que está ai pensando que é um coitado, um ferrado pelo sistema, acorda! Vai pensar em que responsabilidade você tem nisso tudo e nessa cadeia de porcaria que tem se tornado sua vida e a vida de quem depende de você.

Agora em relação as deficiências e o seus “direitos”, continua sendo difícil exigir aquilo que temos direito porque ficamos cansados e, se temos condições, preferimos pagar para não ter tanta dor de cabeça. Se eu fosse exigir o material adaptado, meu filho ficaria pelo menos 30 dias tendo aula sem material. Se eu fosse exigir a professora “correta”, ficaria de seis meses a um ano esperando a vaga. E por ai vai.

Vou viver um pouco mais dessa experiência e depois volto aqui para contar mais.

….

Anexo

Essa sou eu fazendo minha parte: http://www.sitiodainclusao.com.br/

Falarei mais sobre isso em um novo texto logo logo.

Podcast Episódio 7 – A “pedagogização” da internet

Nesse episódio eu e a prof. Dilma conversamos sobre o uso da internet e de novas tecnologias na educação (twitter, facebook, video-games, etc), inclusão digital e reconhecimento de produção acadêmica em novas linguagens na internet.

Mencionado durante a gravação:

Revista A Margem (PET Letras/UFU)

Recomendações de Leitura – Janeiro

Muitas pessoas perguntam qual é a diferença entre Psicólogo, Psicoterapeuta, Psiquiatra e Psicanalista. Já comentei sobre isso aqui no meu blog, em outros textos. E também é possível encontrar por ai alguns textos e vídeos que explicam a diferença básica entre essas profissões. Pensando nesse tema, compartilho hoje com vocês um texto do Lucas Napoli sobre “O que um psicanalista faz?”. Nessa segunda parte do texto ele tenta explicar um pouco do que é o trabalho de uma análise.

O que um psicanalista faz? – Lucas Napoli

Outro dia comentei que quando os bebês nascem, o amor entre ele e sua mãe não acontece de forma automática. Ao contrário do que pensam, o amor materno e até mesmo a função materna não nascem no parto do bebê. Fiquei surpresa de perceber que a maior parte das pessoas nunca parou pra pensar nisso. É como se o momento do parto fosse mágico, cheio de fantasias e histórias de contos de fada. E no meio desse mito muitos pais sofrem por não sentir essa mágica acontecer em relação aos seus filhos: acontecem depressões, suicídios, homicídios e tudo que poderia ser de alguma forma amenizado se fosse trabalhado junto com os nove meses de pré-natal.

Pensando nisso, indico o texto do Vladimir Melo – “O ódio que a mãe sente do bebê” pra começarmos a pensar um pouco mais sobre esse tema tão polêmico.

O ódio que a mãe sente pelo bebê – Vladimir Melo

Agora vamos falar um pouco de Sexualidade. Uma notícia da semana passada me chamou atenção e convoco vocês à reflexão:

Personagens gays do cinema e da Tv são entregues a atores heterossexuais. Por que?

E se você já usou a frase: “Eu não tenho nada contra homossexuais, mas eles não precisam fazer essas coisas em público”, ou alguma parecida, esse texto é pra você:

“A defesa do indefensável: o caso do AI-5 gay ” – Paulo Cândido

Indicação de Leitura – Livro “Como se constitui o sujeito”, do Luciano Elia.

Boas Leituras!

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