Falar de exatas é terreno perigoso quando você é de humanas. Mas exatamente por querer comprar essa briga que muitos bons artigos tem saído por ai. Os artigos que vou comentar hoje são do mesmo livros que indiquei no último post: “Ensino fundamental: conteúdos, metodologias e práticas“, organizado por Selva G. Fonseca.
Se você pensa que matemática ajudar a aprender a raciocionar, que é coisa de gênio e deve ser ensinada porque um dia vamos usar tudo aquilo que aprendemos na escola… então você é da escola antiga e dominante. Antes que você tenha um ataque histérico, claro que a matemática ajuda a aprender a raciocinar, mas não mais do que qualquer outra disciplina. Se pensarmos na matemática como uma linguagem, então ela deveria ter o mesmo trato do que qualquer outra linguagem, ou seja, estar sujeita a críticas e mudanças na forma como é ensinada. Mas não é isso que vivemos ao longos dos anos. É a tal falácia de que com a matemática tudo é diferente.
“A matemática desenvolve o raciocínio das pessoas tanto quanto qualquer outra área do conhecimento (…) é ingenuidade acreditar que cabe essencialmente a matemática tal façanha” (Página 120)
A verdade é que o ensino da matemática está obselto, e a maior prova disso é que 90% dos alunos vão mal nessa matéria. E dizer que isso é normal é só justificar um problema com outro. Essa matemática ensinada, em termos de conteúdo e de didática, é velha e não faz sentido frente aos avanços sociais e tecnológicos da humanidade. Mas antes que vocês me matem, tentem entender um pouco essa linha de pensamento.
“Segundo o senso comum, quem não aprende é porque não sabe raciocinar e quem aprende é muito inteligente. Esses mitos não deixam de ter algum fundamento, porque na maioria das vezes, quem consegue acompanhar as aulas já dispõe dos instrumentos cognitivos, dos conceitos e das relações que compõem os currículos expostos. Mas, como fica a grande maioria que vai à escola para aprender o que não sabe? Isso nem sempre é considerado. As dificuldades ou os fracassos, em geral, são vistos como decorrentes de empecilhos, de algum modo vinculados ao aluno ‘falta de base’ ou de condições para aprender, problemas familiares, deficiência mental ou cultural, etc.” (Página 100)
Segundo Ubiratan D’Ambrosio, a matemática tem muito a ver com o tempo e com o espaço. A partir desse recorte, foi criada uma sequência para se ensinar matemática no contexto escolar. O que aconteceu é que essa matemática ficou congelada, já que nossa realidade de tempo e espaço mudou, mas o ensino da matemática não mudou.
Para Guilherme Saramago e Ana Maia Cunha, o ensino da matemática ainda segue o esquema da repetição, quando deveria incluir uma reflexão-ação-problematização para além de fórmulas e aplicação delas em listas de exercícios. Da forma como está, o aluno não aprende pela ação e sim pela famosa “decoreba”.
Benerval Pinheiro defende que a matemática deve ser pensada para todos, e não só para um grupo de gênios, porque desta forma não serve para a vida prática dos alunos. Esse, aliás, é um grande mito da matemática, e que impede uma mudança na forma de ensinar, pois é vendida para professores e repassada ao longo dos anos.
“Um tipo de educador, ingênuo e alheio às potencialidades de um importante instrumento social de preservação e de libertação, que é a educação, coloca-se a serviço da continuidade do mesmo estado de coisas que atende aos interesses da classe dominante ou (…) atuarão como intelectuais orgânicos a serviço da construção da hegemonia dominante, da classe dominante.” (Página 131)
O que acontece é um ensino da matemática pela matemática pura, e não por uma utilização prática. E com a falácia de que um dia você vai usar tudo isso, e vai entender. A matemática passa a ser mais importante do que o aluno.
“O mais grave é que, enquanto a energia do sistema educacional vai em preparar estudantes para se saírem bem nos testes, se deixa de lado a necessária inovação educacional. Isso é mais grave em matemática. (…) A ilusão de justificar um currículo por ser importante para o povão decreta o fim do sistema educacional.” (Página 86)
Bom, se eu consegui te provocar um pouco com essas questões, aconselho a leitura dos artigos citados. Com certeza os autores provocam com muito mais condições do que eu. E assim vamos conversando sobre a luta por uma educação mais popular, de fato.