Categoria: Psicanálise (Page 10 of 13)

Phoebe in Wonderland

Phoebe in Wonderland é um filme daqueles de pega a gente pelo pé. Você pensa que vai assistir um filme simples, e se impressiona com a multiplicidade e complexidade dos assuntos abordados de uma só vez.

O filme conta a história de uma menina diferente, e como o modo de ser dela toca cada uma das pessoas a sua volta: seus pais, sua irmã, seus amigos e professores na escola. Dizer isso é simplificar demais o que está por traz do filme. No fundo, o filme fala do complexo de édipo. Fala da dificuldade dos pais em lidar com a castração, com a educação dos filhos, e como lidar com a relação de casal. Fala também de educação, da dificuldade em inserir as pessoas diferentes no meio social e escolar.

Enquanto uma mãe e um pai tentam desesperadamente entender porque sua filha é diferente, e que culpa eles tem nisso, também tentam ajudá-la na sua interação escolar, e tentam resolver as questões de casal entre eles. Assistam!

 

 

…

“ – BEM-VINDOS

– A próxima regra é: "’Jenny Bom Trabalho’ faz perguntas só quando for a hora de fazer perguntas".

– Como saberemos quando é a hora de fazer perguntas?

– O que acabei de dizer sobre fazer perguntas?

– Mas…

– Pode perguntar quando puder fazer perguntas quando for a hora de fazer perguntas.

– Hein?

– Nessa sala de aula, temos algumas regras. São as mesmas regras que tivemos ano passado.

– Isso é uma pergunta?

– Turma, qual é a regra sobre fazer perguntas?

– O que sabemos sobre ‘Jenny Bom Trabalho’?

– Ela merece uma morte lenta e dolorosa.”

…

 

“ – Se você quiser voltar ao trabalho, posso terminar aqui. Quanto ao que eu disse… No jantar.

– Não temos conversado, não de verdade.

– Me desculpe.

– Converse com ela.

– Eu conversei. E tenho conversado, e ela diz que está bem, mas eu não acho.

– O que você disse, aquelas palavras…

– Eu sei.

– Não quer conversar comigo agora.

– Peter, eu estou irritada, muito irritada.

– Entendo.

– É, estou irritada por você ter dito aquilo. Estou irritada porque você a magoou. Deus, eu só… Estou irritada porque eu queria que ela fosse diferente, e estou irritada porque ela é diferente. Estou irritada porque ela age daquele jeito, porque ela é infeliz, e eu sei porque ela é infeliz e eu não consigo fazê-la feliz, mas aquela professora
esquisita consegue.  E estou irritada por me culpar do jeito que ela age. Estou irritada porque penso em mães apenas como mães, e estou irritada por me importar se sou uma boa mãe. Estou irritada porque quando você disse aquilo para ela, eu sei que você estava certo. Eu não agüentaria outra como ela. Estou irritada porque não estou escrevendo, e estou irritada porque um dia terei 70 anos e só terei minhas filhas porque eu não terei mais nada porque eu não fiz nada importante. E estou irritada porque,
às vezes… não tenho medo de nada disso porque as minhas filhas me mantêm viva. Elas me mantêm viva.”

…

 

“ – Pensei que eu pudesse ajudá-la. Pensei que era eu, porque… Eu… não… Por favor, me deixe terminar, por favor. Porque eu me aborreço com elas… e fico com raiva, com tanta raiva, que tenho vontade de sacudi-las.

– E você acha que é a única mãe que se sente dessa forma? Nada disso é culpa sua. Mas por que você não me disse?

– Porque eu não queria que ela fosse…

– O quê?

– Inferior.”

As estruturas infantis

De forma bem generalizada, dividimos as estruturas psíquicas a partir da castração, em Neurose, Psicose e Perversão. Todos somos algum desses, e o que chamamos de normal seria a Neurose. Todos então, no mínimo, somos neuróticos. Cada estrutura dessa tem seus subtipos, por exemplo no caso da neurose os obsessivos, no caso da psicose os esquizofrênicos, enfim, cada uma dessas estruturas tem suas características e subdivisões, que não vou me apegar aqui pois só um delas daria um livro.

A questão de hoje caminha pra outro lado, que são as estruturas na infância, e como a gente se torna uma coisa ou outra. Alguns autores defendem que somos uma estrutura dessas, e não existe cura pra isso. Seremos parte da estrutura durante todo vida, e o trabalho de análise seria aprender a não entrar em crise, ou lidar com as crises, cada um em sua estrutura, aprendendo a lidar com as dificuldades de cada uma delas ao longo da vida. Outro autores defendem que somos prioritariamente parte de uma estrutura, mas podemos também transitar por outras ao longo da vida, já que somos sujeitos, e por isso não estaríamos presos a estruturas assim tão enfaticamente, pois cada sujeito tem sua singularidade mesmo dentro de uma estrutura. Lacan acredita ser importante saber de qual estrutura o sujeito transita, para efeitos da análise, como proceder, como trabalhar, como ajudar.

Mas em uma coisa todos concordam: a estruturação do sujeito ocorre na infância. É nessa fase que a criança se encaminha para a neurose, para a psicose ou para a perversão. Muitos estudos se desenvolveram a partir disso, pensando em como os pais, o ambiente e a própria criança influenciam no desenvolvimento da estrutura. Alguns autores defendem que, uma vez que a criança tem características de psicose não deflagrada (fora de surto) ela não poderia mais ser neurótica. Outros defendem que se a infância é a fase de estruturação, então sim, é possível perceber certas caraterísticas, e mudar N coisas para que a criança mude de rumo.

Venho estudando a muito tempo sobre a questão das estruturas psicológicas na infância. Sempre me perguntei, assim como muitos autores, se uma vez que a criança é um sujeito em formação, se seria possível detectar psicoses não deflagradas, e mudar essa história para o futuro da criança, ajudando a se tornar neurótica, porque já é sabido que uma vez formado, não há como mudar o caminho. Se o adulto é esquizofrênico, por exemplo, não há como curá-lo, o que dá é pra ajudá-lo a lidar melhor com isso e com o mundo. Mas se é possível mudar isso ainda enquanto criança, porque não tentar? Mas será possível detectar comportamentos, atitudes psíquicas que mostrem em que estrutura a criança está caminhando?

Os autores em geral concordam que é possível perceber sim. É possível perceber as crianças diferentes, que tem dificuldades diversas de relacionamento, com o mundo, psíquicas ou não. Mas discordam na possibilidade de mudar essas características enquanto elas ainda não estão formadas em definitivo.

Muitas pesquisas vêm sendo feitas, mostrando que muitas histórias mudaram sim. Muitos sujeitos mudaram o caminho de formação de sua estrutura, uma vez feito um trabalho analítico em conjunto com os pais. No livro As psicoses não-decididas da infância: um estudo psicanalítico de Leda Mariza Fischer Bernardino, a autora trabalha exatamente dessa questão, como a criança vai se tornar uma coisa ou outra. Isso não depende só dela. Na primeira infância, depende muito de como ela é, olhada, cuidada e tratada pelos pais, principalmente pela mãe. O pai tem grande importância também no momento da passagem pelo complexo de édipo. Todos esses momentos vão definindo a estrutura da criança, e por isso é possível estarmos atentos a esses momentos, para poder agir ai,  de modo a facilitar a relação da criança com esses pais, consigo mesma e com o mundo. “Assim, uma criança não é sem o que é dito dela, não sendo somente o que é dito dela. O que é dito da criança comporta muito mais do que o que se quer dizer. O que é dito dela também diz menos do que ela é.

Se a psicose na infância ainda é um tempo em definição,  se é só uma potencialidade do que pode vir a ser, ela poderia ser curável. (Tenho muito cuidado quando uso a palavra cura em psicanálise, porque a cura aqui usada em nada tem a ver com a cura medica, biológica. Mas em um outro sentido muito distante disso. Para entender melhor sobre o que é cura em psicanálise, leiam A psicanálise cura? de Roberto Girola.)

Para Lacan, a psicose se caracteriza pela inscrição do paterno, o-Nome-do-Pai. Assim, essa não inscrição seria então definitiva? Lacan também fala da existência das psicoses não deflagradas, que seria o estado anterior a uma psicose propriamente dita. Ele chega a dizer que só é possível perceber uma psicose não deflagrada após um surto psicótico, o que já seria tarde. Assim os psicanalistas lacanianos se dividem basicamente em dois grupos: os que acreditam que a psicose não tem cura, seja ela percebida na infância ou na fase adulta; e há os que acreditam que na analise da criança, ainda em fase de desenvolvimento e ainda passando pela castração, é possível mudar essa história.

Eu particularmenre acho que é possível mudar o rumo da história da criança em formaçao sim. E você?


Para ler também: Considerações sobre as especificidades na estruturação da psicose do adulto e da infância de Shnaider Alves Santos

Psicóloga é o cacete!

Estava pensando em escrever um texto sobre o bafafá da louca que se diz psicóloga que cura gays. Sim, louca, porque querendo “curar” gays, psicóloga não é. Não vou nem entrar no “curar”. Mas hoje li o texto do Jean Willys, do blog dele, e percebi que ali está tudo o que eu queria dizer, sem tirar nem por. Então acho que todos DEVEM ler, uma opinião realmente pertinente sobre o assunto.

http://bloglog.globo.com/blog/blog.do?act=loadSite&id=167&postId=18400&permalink=true

Carta aberta a Rozângela Justino, a psicóloga que afirma curar a homossexualidade

Enquanto a ampla maioria dos homossexuais (principalmente dos gays) se diverte em baladas e em paraísos artificiais, alienada das sérias questões político-sociais que envolvem o coletivo do qual faz parte, uma onda neoconservadora contra lésbicas e gays tem se levantado sorrateira e silenciosamente na mesma proporção do crescimento das paradas do orgulho gay. A mais recente expressão desta onda é a “psicóloga” Rozângela Justino, que está nas páginas amarelas de Veja desta semana. Há algum tempo ela vem fazendo barulho. A princípio, decidi ignorá-la por não querer gastar minhas poucas velas com um defunto tão barato. Porém, como os meios de comunicação vêm dando espaço para ela, ainda que para questioná-la, decidi escrever-lhe uma carta aberta:

Rozângela Justino, eu não a conheço pessoalmente e não faço a menor questão de conhecê-la. Mas, como a senhora fez ataques públicos ao coletivo do qual faço parte, logo, a mim, por meio da revista Veja, eu sou obrigado a responder aos mesmos também de forma pública. Vou começar pela comparação que a senhora fez entre militância gay e Nazismo. Ou a senhora é cínica ou é absolutamente ignorante acerca do mal que o Nazismo causou aos homossexuais. Prefiro apostar que a senhora seja cínica, uma vez que sua referência ao Nazismo e o esforço em associá-lo ao movimento homossexual são tentativas canhestras de conquistar a opinião pública, já que a senhora sabe que, no imaginário popular, o Nazismo se confunde com o mal. Não, minha cara, a militância gay não é Nazismo.

Se há algum nazista em questão, este é a senhora. Seus comentários referentes à homossexualidade materializam um moralismo e um puritanismo odioso em relação à sexualidade e a modos de vida gay. Logo, seus comentários são bem parecidos com o discurso dos detentores da ordem moral e social e dos apóstolos da religião, da família tradicional e da opressão às mulheres e aos homossexuais. Ou seja, seus comentários são bem parecidos com o discurso das “direitas” religiosas e com o discurso das demais “direitas” (entenda por “direita” os representantes do pensamento e/ou do movimento político que se afina com “restaurações” conservadoras, nacionalismos e fascismos). E qual o discurso das “direitas” religiosas? Ora, aquele que expressa um horror em relação aos homossexuais e certo nojo pela “promiscuidade sexual”, independente de qual seja a orientação sexual do “promíscuo” – um discurso que esteve presente no Nazismo (sim, a gente não pode esquecer jamais que o Nazismo e os fascismos se expandiram e fascinaram multidões também porque denunciaram as cidades grandes como o lugar dos excessos sexuais dos gays e lésbicas e, logo, como espaço de corrupção de corpos e almas; a gente não pode esquecer jamais que o Nazismo era uma empresa de “purificação” não só racial, mas, também sexual). Portanto, expressão do Nazismo ou retorno ao mesmo são suas idéias. Não queira convencer os ingênuos do contrário!

É possível que os oprimidos se identifiquem com a ideologia de seus opressores mesmo sem terem consciência disso. É por isso que podem existir negros racistas e homossexuais moralistas. E é por isso também, minha sé possível, que muitos homossexuais que não resistem às pressões e violências diversas impostas pela ordem em que vivemos tenham procurado seu “consultório” em busca de “cura” para a homossexualidade. A este comportamento nós chamamos de homofobia internalizada. Se a senhora fosse uma psicóloga competente e ética, saberia que os objetivos de uma terapia psicológica não podem ser definidos em termos de mudanças de comportamento do paciente. A cura no sentido de restabelecimento do estado anterior a uma doença é um privilégio da medicina e só existe para patologias provocadas por vírus, bactérias ou fungos ou por disfunções orgânicas e hormonais ou, ainda, para certos tipos de câncer. Homossexualidade não é doença, logo, não precisa de cura.

Sabe, Rozângela, faltam-lhe argumentos. Vocês, fanáticos fundamentalistas ou cínicos exploradores da fé e ignorância alheias, nunca têm argumentos consistentes além do dogmatismo. Seu bacharelado em Psicologia obtido no Centro Universitário Celso Lisboa de nada lhe serviu ou serve já que você recorre a “verdades” que contrariam os princípios das ciências, inclusive daquela que é a base de seu curso, a Psicologia. Aliás, a qual escola ou corrente teórica da Psicologia a senhora está associada? A senhora não diz, por quê? Ora, porque o que a senhora faz não é Psicologia, mas, doutrinação religiosa.

Chega a ser risível sua referência a Michel Foucault porque está claro que a senhora nem sua fonte – Claudemiro Soares – compreenderam o pensamento do filósofo francês, que morreria de infarto, se vivo estivesse, ao ver seu pensamento articulado por uma fascista psicótica (sim, qualquer psiquiatra concordará comigo de que sua crença de que recebeu um chamado de Deus por meio do disco de Chico Buarque é sintoma de um funcionamento mental psicótico, em que a senhora toma, como concretos ou reais, elementos apresentados por sua percepção; o chamado divino a que a senhora se refere não é efetivamente real, concreto, mas, a senhora o toma como tal assim como o fazem os psicóticos com seus delírios e alucinações). Sua referência a Focault macula um pensamento muito mais complexo e distante de suas posturas neoconservadoras e quer, por meio de uma aparente ilustração acadêmica, intimidar feministas e homossexuais orgulhosos de sua orientação a se calarem para não questionar o mundo comum no qual devemos viver.

O que eu posso lhe dizer – a partir das contribuições de Freud, Melanie Klein, Lacan, Foucault, Julia Kristeva, Didier Eribon, dos antropólogos e até dos psiquiatras, contribuições que você não deveria desprezar ou ignorar, já que se diz “psicóloga” – o que eu posso lhe dizer é que os instintos sexuais são naturais, mas, a sexualidade (incluindo, aí, as identidades sexuais) é cultural. Em se tratando de nós, humanos civilizados, pouca coisa em nossa subjetividade (caráter; “alma”; aquilo que nos faz sujeitos) é natural (vem da natureza), pois, ainda na barriga de nossas mães, recebemos o que ele chama de “banho de linguagem”. Desde recém-nascidos, começamos a ser forjados pela cultura. Uma identidade sexual é estruturada de maneira complexa e envolve muitos elementos: desde as experiências de prazer e desprazer na mais terra infância em relação aos pais ou a quem os represente até representações culturais (a maneira como as práticas sexuais aparecem e são qualificadas em tratados científicos; livros religiosos e didáticos; fotos: filmes; propagandas: novelas e etc.), passando por fatores biológicos. A identidade sexual não se confunde necessariamente com a prática sexual. Esta pode ser um componente da identidade sexual, que diz respeito mais a pertencimento; a um “lugar” no mundo. Deu pra entender?

Veja bem, Rozângela, se a senhora continuar defendendo que o sexo só serve à procriação e, por isso, a homossexualidade é antinatural, eu te sugiro que abra mão o cenário onde você costuma fazer sexo (seu quarto e cama confortáveis) se é que a senhora faz sexo, e vá transar no mato como o fazem os animais; aí, sim, a senhora estará de acordo com o que é “natural”. Sugiro que, por extensão, a senhora abra mão de todas as conquistas da cultura: habitação, educação, hábitos alimentares, meios de comunicação, tecnologias, regras de higiene, modos de festejar, artes e beijo na boca, sim, pois, a natureza fez a boca para comer e não para beijar. Abra mão da instituição “família” por que ela também é um fruto da cultura e não da natureza (nunca vi uma cadela de véu e grinalda nem ela ser fiel a um só cão até que a morte os separe; e, se não vi, é porque os cães e cadelas agem conforme a natureza, enquanto mulheres e homens agem conforme a cultura).

E saiba que o entendimento do que é “família” muda no tempo e no espaço. Ou a senhora nunca ouviu falar de que, no Oriente Médio, um homem pode ter dezenas de esposas ao mesmo tempo e contar com a proteção do estado e com a bênção divina? Parece que não… Então, faça isso e aí, sim, a senhora será coerente com o que prega. Se não o fizer, é só reconhecer que é uma fundamentalista fanática, psicótica e incapaz de questionar aquilo que te ensinaram como “verdade” e, por isso mesmo, causadora de infelicidade para si e para os homossexuais que acredita curar. Sem mais,

Jean Wyllys

Gêneros

A Psicanálise não é a ciência do homem, porque o homem não é um objeto. A Psicanálise trata do objeto ao qual o sujeito se reduz, mas não de uma ciência do objeto.

Falando de objetos, como uma mulher é escolhida por um homem? Eleita pelo desejo, pelo amor ou pelo gozo? C. Soler defende que ela é eleita pela função do inconsciente. Uma mulher é a realização do inconsciente, ela faz passar do simbólico ao real um termo do inconsciente. Isso não tem nada a ver se ela agrada ou não, se desfruta o não. Por isso Lacan já dizia que julgamos um homem por sua mulher, e a recíproca não é verdadeira.

Para o homem, a mulher é um sintoma, eleita pelo gozo, e é colocada em afinidade com o inconsciente do sujeito. Portanto na relação com a mulher, o homem encontra o objeto a, o mais-de-gozar. Ela é o seu próprio inconsciente, e serve para o homem gozar do seu próprio inconsciente. Na maioria das vezes serve de puta, no sentido dê servir de objeto que satisfaz o gozo, e não o amor. A vida amorosa, por outro lado, está no nível da castração, pois desde o momento em que um homem ama ele está na falta, ele não tem. (O homem obsessivo não fica com a mulher que deseja, fica com a mulher escolhida mentalmente. Por que ele não suporta a que deseja, é demais pra ele. Tem medo de ser atravessado pelo fantasma).

As mulheres, por sua vez, são conciliadoras, estão prontas para fazer concessões para um homem: de seu corpo, seus bens, sua alma, seu fantasma. Esses empréstimos deixam a parte, para a mulher, seus próprios fantasmas. Ela não é mestre de seu próprio fantasma, é mais fácil ser mestre do Outro. Ela tenta responder a pergunta ‘quem sou’ não pelo seu inconsciente, mas pelo inconsciente do homem.

O que é um homem para uma mulher? Pode se responder que o homem é o pai? O pai nomeado, o pai castrado, ou pai do gozo? Que pai? O homem pode também ser uma criança para a mulher. E assim ela lhe dá seu amor maternal, mas isso só traz paz e não paixão.

Para J. Lacan, o homem para a mulher é uma devastação. É uma redução do ser do sujeito ao ser do sintoma do que é para o Outro. Toda menina sabe que está destinada a ser possuída, porque são destinadas ao lugar de objeto. Por isso a mulher na relação com seu parceiro se presta ao lugar de objeto, visando ‘a hora da verdade’, que é o momento do fading do parceiro. Porque a mulher não sofre de ter, sofre de ser. Esse sacrifício implica em um mais-de-gozar. A mulher goza do sacrifício em si mesma, ela goza da privação.

A mulher tem um gozo a mais que o homem (ser mãe), por isso ela se caracteriza por um menos-de-falta, e não um mais-de-falta como os homens. No caso das histéricas, há o culto da falta, o desejo insatisfeito, que coincide com o gozo. A mulher é ultrapassada pelo gozo. O faltar um penis não se constitui um menos, e sim um mais, mais-de-gozo. Porem é um mais que equivale a um menos, menos de identidade. O gozo Outro faz uma mulher Outra.

O gozo masculino identifica o sujeito, mostra quem é, que valor tem para si próprio e seus parceiros. É uma afirmação narcísica de si mesmo. O gozo feminino, ao contrário, não identifica o sujeito, ultrapassa-o. Elas não se identificam sua feminilidade pelos orgasmos, por isso se esforçam para se identificar através do amor de um homem. A mulher exige ser única, espera que o amor do homem dê a ela o valor fálico, esse sim identificatório. Ela é sempre mulher, amante, musa de um homem.

Apesar de exigir ser amada como única, o gozo que o homem tem de uma mulher a divide. Porque o gozo que ele toma dela não a completa. O gozo que a divide, a deixa só. Aquilo que divide não completa, causa o desejo. O gozo do homem por ela causa seu desejo por ela, assim, o nível do gozo dela é o que ameaça o sujeito. No homem é diferente porque ele deseja A Mulher, e o fato de ela não existir não impede que ele a deseje. Todo homem, como é todo, deseja A Mulher, mas só pode encontrar uma, não A Mulher, porque ela não existe. Ele se engana, encontra uma, na verdade seu fantasma ou seu sintoma.

Para a mulher falta um impossível. Encontrar O Homem é possível, ele existe, mas só acontece na psicose. Todas elas desejam encontrar O Homem, aquele que faria delas A Mulher. Mas isso é loucura. Então isso não acontece porque é impossível, ou porque ela se interdita. Assim, no lugar dO Homem, ela coloca um homem, e está pronta para sacrificar tudo pelo amor dele. Na falha em ser A Mulher, na falha em ser louca, ela pelo menos deseja ser, para um homem, aquela que o permite satisfazer seu fantasma. E essa posição é sintomática, porque ela é suplente na relação da falta. Por isso a exigência de amor parece satisfeita, mas isso não dura.

A análise, na mulher e no homem vai trabalhar com a demanda. Já que não dá pra mudar nossa estrutura e nosso inconsciente, muda-se a demanda. No homem, mudar a demanda não necessariamente toca o sintoma, mas na mulher a demanda é o sintoma. A análise pode levar a mulher a parar de reprovar no homem a não satisfação da própria loucura da loucura de sonhar com um Homem. E ainda pode levar a mulher a ceder de aceitar o impossível da estrutura, aceitar ser somente um sintoma para o outro, e isso cessa a recriminação, que dá lugar justamente ao amor. Mas está claro que cada caso é um caso.

O homem heterossexual coloca uma mulher equivalente ao objeto a na relação de gozo, no lugar em que A mulher não existe. O homem celibatário (homem homossexual) evita A Mulher barrada e coloca no lugar dela um ou vários homens. O falo faz função de objeto, é a relação de fora-do-sexo.

O homossexual adora exaltar a posição feminina, coloca a mulher como uma imagem fálica. Ela é servente do ideal feminino e do gozo feminino. Pode se fazer analogia com o perverso, que se faz instrumento do gozo do Outro. A mulher homossexual rivaliza com o homem como causa do gozo feminino. A relação homossexual feminina implica um terceiro, o homem, algo como ‘veja o que é amar’, isso dito para o homem.

Na análise se trabalha nessa inconsistência do Outro, que afetará o homossexual. Mas isso em nada tem a ver com o seu gosto erótico. Ai está a confusão de que se pode “curar” homossexuais.

Outro caso, a mulher só, não é celibatária nem fora-do-sexo. Ela é uma resposta ao não na relação sexual. Uma mulher só encontra O Homem na psicose, mas elas não são loucas de todo. Então, toda mulher só vê a solidão como solução. Elas não dizem isso, dizem que não suportam um homem por perto porque eles enchem o saco. A verdade é que elas não podem suportar um homem pois nenhum deles seria ao-menos-um, com o qual desapareceria o limite. Ela prefere homens que passam e quanto mais houver, maior será a distância deles, e o sonho dO Homem se manterá. A mulher só goza do homem que falta, a sedutora goza do despertar do amor. A mulher só recusa os homens em nome de um sonho de homem.

…

Pra saber mais, leia “Variaveis do Fim de Análise” de Collete Soler

Die Another Day

O número de pessoas que tenta se matar, todo dia, é enorme. A maioria dessas pessoas acaba indo parar em PS, com médicos plantonistas e Clínicos Gerais despreparados. E ai é que a coisa piora.

Na faculdade de medicina, nos cursos de enfermagem e auxiliar de enfermagem, a disciplina psicologia parece só ainda estar presente por insistência dos conselhos de Psicologia espalhados pelo Brasil. A verdade é que 99% dos estudantes da área de saúde hospitalar ou não entendem ou não gostam de estudar “as coisas da psique”. O mais perto que chegam dessa área são aqueles que vão para a psiquiatria ou para neurociências. Mas quem está no PS para receber esses muitos depressivos que chegam ao hospital, depois de uma tentativa de suicídio, estão longe das especialidades acima.

Por outro lado, temos muitos tipos de suicidas, e nem que eu quisesse poderia falar de todos eles. Mas, basicamente, os de primeira viagem são os que costumam ir parar no PS. Esses depressivos estão tentando se matar, mas ainda não sabem bem como ou por que. Então eles tentam aquelas coisas “famosas”, como beber remédios, cortar os pulsos, e afins. Em geral dá errado, porque eles não morrem, e vão parar no hospital, onde são recebidos pelo pessoal que eu falei no parágrafo acima. Esse “pessoal” tem na cabeça que gente depressiva é gente que não tem mais o que fazer, e o correto é fazê-los sofrer bastante, para que eles parem de encher a fila do hospital, que tem gente doente “de verdade”, com “problemas de verdade”, “morrendo de verdade”. Dai todos os funcionários (desde o médico à auxiliar) tratam o depressivo da pior forma possível: se for fazer lavagem, usam o tubo mais grosso, se tiver que fazer qualquer procedimento, fazem da forma mais dolorida. Enfim, fazem de tudo para o depressivo sofrer bastante, pensando que isso vai resolver alguma coisa.

Não quero aqui crucificar ninguém! Eu realmente acho que as pessoas que fazem isso, no hospital, acreditam ajudar o depressivo. E por outro lado o depressivo passa por questões que são realmente difíceis para uma pessoa, que não tem um pouco mais de conhecimento em psicologia, entender. Então qual a solução?

Em primeiro lugar, vale dizer tudo isso, e passar adiante. Tudo isso que vocês, pessoal do hospital, fazem com o depressivo, não adianta. Só vai ensinar pra ele que, numa próxima tentativa de suicídio, ele faça direito. Dali do hospital ele vai sair 99% das vezes se sentindo pior ainda, e vai então fazer o que não fez antes: estudar como se matar direito. Vai entrar na internet, em sites que ensinam como se matar, sem erro, e vai conseguir o que não conseguiu das primeiras vezes. E mesmo que ele não faça isso, mesmo que ele não tenha tanta coragem assim para levar a fundo um suicídio, no mínimo vai voltar pra casa e continuar pensando nisso, se sentindo mal, e mais depressivo.

Outro caso que em geral acontece, é que quando o depressivo vai ao PS, e ainda não chegou ao ponto de tentar o suicídio, ele dá de cara com um médico, que rapidamente lhe prescreve um antidepressivo. Em alguns casos o remédio serve, o paciente fica então anestesiado pelo efeito do remédio, e só joga o problema mais pra frente, que é quando o remédio acabar. Das duas uma: ou ele fica viciado no remédio, ou vai ficar mais deprimido ainda depois que o remédio acabar. Uma outra hipótese é que o paciente não esteja simplesmente deprimido, pode ser bipolar, e o antidepressivo prescrito pelo médico só vai piorar sua situação, acelerando a depressão ou mania.

Resumindo: depressivo que vai parar no hospital em 99% dos casos tá fudido. E obviamente os hospitais não estão preparados pra receber “doentes da alma” no hospital. Então, qual solução?

…

Para ler:

Modernidade líquida de Z. Bauman

Mais do mesmo

A psicologia, colocando-se como ciência que estuda o comportamento humano, (…) apoia-se muito numa postura pragmática e experimentalista. (…) O psicólogo se investe da posição de mestre, fazendo-se dono de teorias e técnicas que lhe permitam um saber a respeito do que ocorre com o paciente, e de qual melhor forma de avaliar seus sofrimentos.

A postura do psicanalista é bastante diversa. Trata-se de criar uma situação de escuta que permite remeter o sujeito à sua verdade, à sua palavra. O sujeito da psicanálise não é o sujeito biológico ou epistêmico, mas sim o sujeito do inconsciente. Trata-se, então, para o psicanalista, de dirigir o tratamento numa práxis que permita a emergência desse sujeito do inconsciente. (…) O enfoque está na subjetividade, na singularidade do sujeito. (…) É a clínica do particular.

Psicanálise – Introduçao à praxis – Freud e Lacan

Coord. Clara Regina Rappaport

A última bolacha do pacote

Uma coisa que me irrita no meio acadêmico é a arrogância dos cientistas, pesquisadores e professores, que varia de acordo com o tempo e conhecimento que eles têm sobre de um assunto. Em geral, quanto mais estudamos, mais percebemos o quão pouco sabemos de um assunto. Por isso acho que a academia está infestada de pessoas que acham ter encontrado a resposta para tudo.

Mas não é só na academia que temos esse problema. Em todas as profissões encontramos aquelas pessoas que pensam ter o poder de resolver ou responder qualquer questão colocada. É uma pretensão de já ter chegado num ponto onde se sabe tudo, e se não sabe, diminui a importância do assunto.

Quando discuto com as pessoas, diversos assuntos, e percebo que estou discutindo com pessoas assim, fechadas no seu mundo de certezas, perco logo o interesse em discutir ou defender meus argumentos. Uma discussão serve para abrir novos caminhos e possibilidades naqueles que discutem, e não para alguém sair ganhando.

A Psicanálise não tem essa pretensão ingênua de saber tudo e de poder responder tudo. Isso é impossível, achar que uma ciência pode achar as respostas para todas as perguntas do mundo. O que a gente acaba achando são mais e mais perguntas, e algumas respostas. Por isso ciências como a neurociência, tão em moda nesse momento, me irritam, porque acham que todas as respostas estão no lado xyz do cérebro. É uma pretensão achar que um ramo de conhecimento humano possa responder questões tão amplas, tão abrangentes da nossa existência.

A Psicanálise não vai por esse caminho, e sustenta essa postura até hoje. Ter a coragem de seguir por esse caminho não é fácil, é escutar o tempo todo que não é válido, que não é pesquisa, que não mostra resultados, que é abstrato demais, etc. Rejeitar modelos prontos e aceitos pela sociedade e pela academia, já que eles não se mostram válidos em todos os casos, é um desafio constante. Mas, se propomos tudo isso, é porque queremos ir de fato a fundo nos temas, nas investigações, que, como falei anteriormente, geram mais e mais perguntas do que respostas.

Há os que dizem que para pesquisar de verdade é preciso deixar a academia. Hoje em dia a academia se vendeu a turbilhões de regras que mais fazem os pesquisadores e os temas de pesquisa entrar numa massa de concreto, tudo é igual, tudo caminha para o mesmo. Poucos são aqueles que conseguem se desviar desse caminho para trilhar novos desafios, já que isso dá trabalho demais.

É muito fácil se esconder atrás de um título, de uma pesquisa ultrapassada, de uma instituição, e achar que tudo isso te dá direito de fechar os olhos para a evolução, para as inquietações e perguntas constantes da sociedade e das pessoas. Difícil é se atualizar, estar o tempo todo questionando a si mesmo, aos outros, as conclusões de pesquisa e a verdades contestáveis. Principalmente num campo onde não há certo e errado, tudo pode mudar, o que vale pra um, não necessariamente vale para todos.

Se você acha que sabe tudo, é melhor pensar um pouco mais. Se você acha que têm todas as respostas para todas as questões, que bom para você.

Off topic: Sempre achei essa coisa toda de vampiros chata, e a trilogia Crepúsculo pior ainda. A única coisa boa foi a trilha Sonora do primeiro filme. Mas, faço das palavras do @utops as minhas > http://www.utops.com.br/do-crepusculo-da-literatura-da-cinematografia-dos-criterios/

Pais e Filhos

Eu estava vendo um filme, e inspirada por ele, e por uma discussão no twitter, decidi fazer este texto. Provavelmente será um texto incompleto, porque já assumi a postura de incompletude, no sentido lacaniano de que sempre falta algo a se dizer, a se estudar, a se discutir.

O filme se chama “Mommas Man” http://www.imdb.com/title/tt1122599/ , muito bem resenhado aqui http://cinerama.blogs.sapo.pt/200806.html . Conta a história de um homem casado, pai de família, que vai visitar os pais, e não volta mais para casa.

A discussão ocorreu esta noite no twitter, iniciada por esse tema do @DoisEspressos http://doisespressos.wordpress.com/2009/07/16/qualquer-pai-sabe-o-que-e-melhor-pros-filhos/.

Outro filme que marca esta discussão é o I am Sam, http://www.imdb.com/title/tt0277027/ , a história de um Deficiente Mental que têm uma filha, e ao fazer sete anos o Conselho Tutelar decide retirá-la do lar por considerar o pai incapaz de cuidar dela.

O que é ser pai? Ser responsável por uma criança, ter responsabilidades diversas, entre elas a de assegurar o bem estar dessa criança no mundo. Dar educação, protegê-la de perigos, amá-la e respeitá-la incondicionalmente.

Como já falaram muitos psicólogos, os pais (ou criadores da criança) exercem grande influência sobre ela. Que influência? Não sabemos ao certo. Há crianças que se tornam quase cópias de seus pais, outras que se tornam seus opostos extremos. Então, como saber que influência daremos, e o que é certo ensinar aos nossos filhos? No geral, fazemos aquilo que achamos correto. Ensinamos valores, regras e leis que correspondem a aquilo que particularmente acreditamos. Ensinamos também as leis do local onde vivemos para que isso facilite a vida em sociedade da criança. Mas o fato é que, dentro de nossas casas, podemos ensinar e influenciar nossos filhos da forma como acharmos melhor.

Ai temos dois problemas: 1. Quando não concordamos com as regras morais da sociedade que vivemos, e desejamos fazer algo diferente. Por exemplo, se não queremos vacinar nossos filhos, ou mesmo educá-los em casa, podemos até ser presos, acusado de mil crimes contra a criança. Isso é correto? Eu particularmente não acho. Ou também, no caso do filme, quando querem tirar uma criança de uma família (que, de acordo com a lei, não consegue cuidar da criança) e a colocam num orfanato em que ela vai ser menos cuidada ainda. 2. Quando os pais usam de seu poder nos filhos para ensinar valores obviamente tortos, como os nazistas, os preconceituosos, os ladrões. Outro dia apareceu na internet um vídeo de um pai ensinando seu filho de menos de três anos a roubar. E ai a sociedade se vê no direito de interferir e tirar essa criança dessa família.

Mas a questão está no fato de que nem sempre as coisas são tão claras assim. Em casos extremos, como esses citados acima, fica claro e fácil distinguir quando a sociedade deve tomar partido da criança e agir. Mas e quando não é possível saber essa diferença assim tão claramente? E quando o que achamos ser melhor para a criança pode não ser? Já ouvimos muitos casos em que a intervenção da sociedade só piorou a história da criança. Então, como agir nesses casos?

Escuto histórias envolvendo o Conselho tutelar quase todo mês. Em uma delas, na TV, duas crianças morreram, depois de procurar o Conselho mais de três vezes, para dizer que seus pais os espancavam. O conselho não deu atenção, e as crianças finalmente morreram espancadas pelos pais. Em outros casos o conselho tira a criança dos pais, pois esta não está indo a escola, já que tem que ajudar a mãe  solteira a criar os irmãos. Há ainda o caso do juiz que deu a guarda de uma criança para as tias, e não para o pai (depois que a mãe faleceu), e essa tia espancava a criança todos os dias. Então, entramos numa questão mais profunda, que é como dar e para quem dar o poder de decidir quando e como interferir na relação pais-filho. E para fazer parte do Conselho tutelar o processo chega a dar vergonha pra quem estudar a vida toda psicologia, pedagogia, ou qualquer ciência social e humana. A mesma coisa para os Juizes, muitas vezes despreparados para lidar com seres humanos, aplicam regras e leis sem analisar cada caso, e tudo isso que o tempo todo se vê nos noticiários.

Devemos proteger as crianças, mas já dizia Winiccot que proteger demais também faz mal. Há males que vem pro bem sim, pois a criança cria calos, aprende a se proteger, aprende o que é melhor pra ela, aprende a ser independente. Ninguém melhor para proteger uma criança do que ela mesma, e pra isso ela precisa ir aprendendo aos poucos. Quantos adultos sofrem por não ter tido um contato “real” com a vida, pois os pais sempre se antecipavam, protegiam, escondiam a realidade, e depois esses adultos sofrem para viver suas vidas e a dura realidade que é estar vivo. Se partirmos do principio que todo pai traumatiza seus filhos, o que é necessário e natural, quando esse “trauma” passa dos limites e devemos atuar para o bem da criança? A linha que divide essas realidades é tênue, e pode variar de acordo com quem analisar a situação. Então como delegar essa posição a terceiros? Como colocar a vida de uma família nas mãos de outra pessoa, que em muitos casos não é formada e preparada para isso?

Tendemos a analisar as situações de acordo com a nossa realidade, e isso pode muitas vezes ser injusto para a realidade dos outros, nem boa nem ruim, somente diferente. É necessário ter limites, regras, leis? Com certeza. A questão é quem vai estabelecer, como vai estabelecer, porque o mundo é muito grande, e as regras tendem a nos diminuir e enquadrar numa mesmice que não é a realidade geral do mundo das pessoas.

O que é correto ou não ensinar aos filhos? De acordo com cada região, cada cultura, cada sociedade, ou mesmo religião, a resposta a essa pergunta varia. Um tema pode ser considerado muito ofensivo para alguns, mas essencial para outros. E há os temais morais, que no geral são considerados banidos mundialmente. Mas a verdade é que existe o livre arbítrio. Uma pessoa pode pensar e falar o que quiser, mesmo que isso ofenda a outros. Dessa forma pode criar seus filhos como bem quiser, contato que siga algumas regras básicas impostas pela sociedade onde está inserido. Por exemplo, no Brasil, que vá a escola, que seja levado ao médico, que tome vacinas.

Quantos adultos culpam seus pais por suas características pessoais, ou mesmo escolhas infelizes que fizeram em suas vidas? Os pais têm culpa de tudo? Os pais são totalmente responsáveis por aquilo que o filho se torna quando cresce? Não, porque em certa altura da vida a pessoa pode fazer escolhas. Ela pode escolher aceitar, ou pode escolher ser diferente. Mesmo um pedófilo, criado por um pai pedófilo, que só sabe amar desse jeito torto, mesmo ele pode escolher tentar se controlar, tentar lutar contra seus instintos mais íntimos. Mas para que ele faça isso, é preciso que ele minimamente saiba que tenha essa opção. Se o adulto não sabe que tem a opção de escolher, ele acabará preso nos desejos de seus pais, e naquilo que ele acha que tem que ser.

Quando se fala em políticas sociais, acho mesmo que temos que criar regras, estabelecer leis, normas, tabus, etc. Mas falando no singular, no um a um defendido pela psicanálise lacaniana, sabemos que é utopia pensar no geral, na massa como todos iguais. E mais ainda, pensando no singular, podemos pegar aquele ser humano mais monstruoso e tentar entender sua história, seus motivos, suas batalhas. Com certeza ele será mais humanizado, mas será que conseguiria ser outra coisa? E o que a sociedade faz com eles? Lava as mãos! É fácil crucificar, difícil é nos perguntarmos que responsabilidade temos, como sociedade, na criação desses monstros. Por isso termino minha reflexão mostrando a importância de sempre voltarmos a nós mesmos a pergunta: No que EU sou responsável pelo que está acontecendo na minha volta? No que eu, quando crio meus filhos, reforço o preconceito? Será que minha postura em relação às leis regras é a mais correta, será que não sou muito irredutível com aquilo que acredito? Se todo mundo se voltasse para si, com certeza viveríamos melhor. Mas é muito mais fácil julgar, apontar dedos, crucificar monstros, sair por ai dizendo o que é certo e o que é errado. Difícil é tentar se colocar no lugar do outro, fazer as pessoas pensarem, e mudar a forma de agir dentro de sua própria casa.

Os paradoxos da identidade – Colette Soller

Esse é um post que comecei a escrever no mês de junho de 2008 e até hoje não terminei. É um rascunho de post, na verdade. Mas fiquei com dó de apagar, e também fiquei com dó de não continuar. Mas, honestamente, um ano depois, nem me lembro mais o que eu queria com ele. Então vou postar só porque… Só pra não dizer que não fiz nada com ele. Só pra ele não entrar na lista dos textos nunca publicados. Desculpem a cara de texto mal acabado, sem correções gramaticais, e por vezes sem sentido, mas é exatamente isso que ele é, um texto não acabado.

 

 

Os problemas da identidade se resumem em dois eixos: da polícia, em identificar os culpados e indesejados; da ciência, nos progressos, como o dna, na busca de quem somos no dna; e dos indivíduos que se interrogam cada vez mais sobre sua identidade, por se inserir socialmente estar cada vez mais difícil para os sujeitos.

Na psicanálise o caminho é diferente. A identidade em psicanalise foi por algum tempo não considerado psicanalitico. Mas identidade é uma questão psicanalitica por exelencia. Se interroga o inconsciente, o sujeito do inconsciente, que é um sujeito desconhecido, significado pelas formações iconscientes, mas não sabemos quem e o que é. Desde o inicio em Freud, visava identificar o desejo do sujeito do inconsciente por isso essa questão é sim pertinente a psicanalise.

O cogito cartesiano não diz o que sou, não fala sobre identidade, fala sobre existência. Na sequencia que ele, Descartes se pergunta quem é.

Na psicanálise a questão está no inicio, senão não é psicanalise. Para fazer analise é preciso de um sujeito com sintomas, sintomas que representam um entrave. Portanto a questão latente na entrada é “o que sou enquanto esses sintomas?” Quem está em harmonia com seus sintomas (isso existe hoje?) este sim não tem questionamentos e não vai a analise.

“O que sou” essa é a questão de entrada de analise. O sujeito que vai a analise, conhece sua identidade social, mas o sintoma não está previsto na identidade social, e a analise começa questionando esse sujeito do sintoma, não ha paradoxos. O paradoxo vem depois, o sujeito é convidado a falar, que ele se represente pela fala e esse falar do analisando na verdade se procura o outro, a fala do sujeito do inconsciente. O paradoxo é que aquele que fala não pode fixar identidade pq não se fala sem estrutura da linguagem, e a propria linguagem é impropria para identificar, um significante só se determina em relação a um outro significante. E isso conduz que o significante representa o sujeito. “Vc diz isso, não há como retirar o dito, vc pode até negar o dito, mas não consegue desdizer”. Mas o significante dito so se presenta para outro significante, portanto o sujeito falante não está unificado na cadeia falante. Ele é sempre dois, e até mais que dois. E como unificar a identidade?

Paradoxo: procuramos a identidade com o instrumento improprio. Assim, os psicanalistas insistem no fato: o sujeito enquanto falta de identidade. É um sujeito que fala não identificado. O sujeito é um ser que é evanescente, está sempre em outro lugar. Está sempre correndo atras de uma identidade. Se vê na clinica, o analisante nunca sabe o que é e o que quer, as vezes vagamente tem uma noção que quer, as vezes vagamente tem uma noção do seu gozo. A análise pode dizer isso a ele? É o que ele espera.

Na vida, a questão da identidade também está na criança, no incio. Ela é acolhida no discurso dos pais, familiares, mas tem dois traços importantes: o discurso do Outro transmite prescrições, diz o que ela deveria ser para agradá-los, satisfazer os pais. Mas ao mesmo tempo os pais questionam “quem será que ele vai ser quando crescer?”

A questão da identidade está presente ja ai, desde criança, na forma de uma questão. Portanto na analise, esse ser sem identidade acaba se identificando, é natural. O que é uma identificação? É um substitutir da identidade, na identificação tomamos emprestados do outro caracteristicas que nos identificamos mais ou menos. Tomamos emprestados siginificantes do Outro. As primeiras identificações, imaginarias, de um modo geral nas neuroses são comandadas pela segunda. Pelo Outro, que orienta as identificações imaginarias. Essas identificações do Outro sao as identidades de alienação. Dá uma identidade por emprestimo, e o sujeito sabe disso, isso é o que Lacan chama de eu. Isso começa com o estadio do espelho, e em seguida vai se vestindo com emprestimos dos ideais do outro, do Outro.

As identificações de alienação são conformizantes? Podem ser, mas existem tbém as identificações em oposição ao significante do outro e essas são anti-conformizantes, mas são sempre de alienação.

O sujeito em analise, que se pergunta quem é, o que ele faz com suas identificações na analise? Ele as descobre, em parte, e as enumera. Algumas sao inconscientes e ele as declina. Lacan diz que na analise nos denunciamos essas identificações, percebemos que sao muito mais do Outro do que de si. Por isso a queda dos semblantes na analise, o que resta quando tiramos essas identificações do sujeito? Resta o vazio da questão da identidade, “o que sou”. Somente o vazio. O sujeito barrado. Essa é a resposta da analise , mas não é só isso. A analise nao termina ai com o vazio do sujeito. Onde encontrar o principio da identidade? Se existe uma resposta a essa pergunta, é porque na experiencia não ha só linguagemm e o sujeito nao é todo o individuo, mas o individuo é o corpo, que sustenta o suejito. Ele é um corpo que tem uma imagem, om orgnismo vivo, o proprio lugar e condição de gozo, e é dai que pode vir a resposta.

Qual é a relação do sujeito que está sempre em outro lugar, e do corpo que está sempre presente? Lacan responde hipotetizando que a substancia gozante do individuo é afetada pela linguagem, a linguagem é o operador que tem duplo efeito. Um efeito de sujeito suposto e efeito de modificação do que supomos ser nossas necessidades animais. O mesmo operador é causa do sujeito e do gozo do ser falante.

A linguagem tem duplo efeito sobre o gozo: a perda …

 

 

É acaba assim, pode? Vai saber como eu ia terminar isso… Enfim, esse texto foi baseado numa palestra que escutei da C. Soler aqui no Brasil, na USP, em julho de 2008.

Psicanálise e Narrativa

O livro do antigo (e eterno) super homem me inspirou a voltar a escrever. Cada inconsciente tem seus caminhos… Meu super herói favorito sempre foi o super homem, e até hoje assisto Smallville. Mas não foi só por isso que fiquei inspirada. O livro, “Ainda sou eu”, do C. Reeve mexeu comigo porque me mostrou o heroi que passou a existir nele depois que ele se tornou um deficiente físico.

 

Não vou contar aqui a história do livro, pois acho que todos deveriam ler. Acompanhar a narrativa da vida de uma pessoa que era “normal” e passou a ser alguém que nem respirar sozinho conseguia, essa narrativa todos precisam ter o prazer de acompanhar. Poderia ficar aqui horas falando sobre isso, porque me toca em outro assunto, das deficiências. Tenho uma teoria que só é inclusivo de verdade, na nossa sociedade, quem é deficiente ou quem tem um em casa. E lendo o livro dele tive mais essa confirmação. Mas essa assunto fica pra outro dia. Estou aqui hoje para falar da importância da narrativa na vida de uma pessoa.

 

Eu sempre disse que todas as vidas dariam um livro, um filme, uma novela. Porque todas as vidas são interessantes, cada uma na sua unicidade. Talvez esse tenha sido um dos motivos pelos quais eu escolhi ser psicanalista. Porque toda história, todo paciente é diferente do outro. As histórias podem ter nuances ou situações similares, mas nunca, nunca mesmo são iguais. E por isso são sempre interessantes. Por isso, acredito que a narrativa é importante na vida das pessoas, porque ao falar de si, de suas dificuldades, de tudo que passa, a pessoa consegue nomear suas dores, suas ansiedades, seus desejos, e organizar isso para si mesma. Mas, mas importante do que narrar sua propria história, está em escutar aquilo que narra. E ai entra a importância da psicanálise.

 

Quando contamos a nossa história, na verdade contamos a nossa versão de uma história. Por isso toda narrativa é uma ficção, porque não há de fato como saber como foram as situações passadas. Cada um que viveu um mesmo momento, anos depois, dias depois, ao recontar esse momento, reconta de formas completamente diferentes, dá até pra pensar que não é a mesma situação! É como se tivessemos dez cameras em focos diferentes numa festa, cada uma filmando uma cena completamente de um angulo diferente da outra, chega nem parecer tudo a mesma festa! Portanto, contamos, narramos a nossa vida por um perspecitiva só nossa, de como nós passamos pela situação x. Na análise, o primeiro passo é criar essa narrativa, dar espaço para o sujeito contar sua história, ou, em outras palavras, criar sua ficção pessoal de si mesmo. Um segundo passo, que vai para além do narrar, é fazer com que o sujeito consigo olhar a sua própria narrativa de outros ângulos, escutar o que diz de si, e perceber que certas coisas podem ser vistas e vividas de outras formas, tudo isso para que ele possa pensar seu presente e seu futuro de uma outra maneira.

 

Sinto que foi isso que C.Reeves fez em seu livro, e sinto que é isso que muitas pessoas fazem, todo dia, quando contam de si e de suas vidas. Elas tentam entender as dificuldades, e dar um sentido a isso na sua vida. Tentam se organizar, entender o seu passado e seu presente para poder viver melhor um futuro. Não é a toa que entramos em contato com as narrativas desde crianças. Lembram-se como as crianças adoram escutar histórias? E mesmo depois, quando crescemos, quando alguém conta algo de sua vida, adoramos encontrar similiaridades da nossa própria história com a história contada pelo outro, não é mesmo?

 

Mas a necessidade de criar uma narrativa de si não ocorre para todos. Em geral nos mais velhos, com a proximidade com a morte, que se veêm com tempo para repensar a vida, e, nesse caso, recontar pode significar reviver tudo que se conta. Mas a necessidade de criar uma narrativa também está em todos aqueles que passam por algum momento chocante na vida. Nesse momento, em geral, existe uma mudança de paradigma que balança as certezas das pessoas, fazendo com que elas se apeguem a sua história para descobrir quem são, para achar respostas, Doentes terminais, acidentados, parentes que perderam alguém, enfim pessoas em momentos específicos em que algo deixa de ter sentido. Que, aliás, são os motivos que, em geral, as pessoas procuram uma análise. Na grande maioria dos casos, não se procura uma análise quando tudo está bem.

 

A Narrativa, já ha algum tempo é campo de pesquisa acadêmica. Há polêmicas quanto a isso, assim como até hoje existem polêmicas quando se fala em Psicanálise no campo acadêmico. Deixando a polêmica de lado, para quem quiser saber um pouco mais sobre isso, recomendo o livro “Narrative Inquiry” organizado por J. Clandinin. Em muito o processo da pesquisa narrativa se assemelha ao processo clínico da psicanálise, mas em outras tantas elas se afastam. Estou conhecendo mais sobre a narrativa e volto quando tiver mais novidades.

 

Acabei de ler o livro do I.Yalom, “Mentiras no divã“, e, apesar de ser uma ficção, toca em pontos importantes do meio psicanalítico. Os psicanalistas devem se remexer em suas tumbas, ou melhor, em seus consultórios, quando leêm, e isso é ótimo! “Esqueça aquela bobagem sobre o paciente não estar pronto para a terapia! É a terapia que não está pronta para o paciente!” Pg. 18

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