Categoria: Psicanálise (Page 13 of 13)

A busca da felicidade*

*texto baseado em uma palestra maravilhosa do Prof. Dr. Alberto Luis Hanns

A busca da felicidade nasceu a pouco tempo. Será que veio junto com o capitalismo? Vamos pensar um pouco. Cem anos atrás, quando os pais tinham filhos, perguntávamos a eles: “O que desejam para seus fihos?” Entre as respostas mais comuns estavam: “Quero que tenha um bom emprego”, “Quero que tenha um bom casamento e filhos”, “Quero que consigam uma boa casa e dinheiro”. Quase nenhuma, pra não dizer nenhuma das respostas era sobre felicidade. Hoje, quando se nasce um filho, uma das primeiras coisas que os pais desejam é “Que sejam felizes”.

Olhando mais de perto a sociedade de cem anos atrás, o que podemos dizer dela? O que era esperado de uma pessoa? Em geral, era esperado que, se fosse homem, continuasse os negócios do pai, e se este não tivesse negócio, que o filho conseguisse um bom emprego, um emprego que desse dinheiro,e melhor ainda se gerasse riqueza. Era também esperado que ele arranjasse uma boa mulher, e tivesse filho. No caso da mulher, era esperado que ela arranjasse um bom casamento, conseguisse ter filhos, e fosse uma boa dona de casa. E a felicidade? Bom, se sobrasse tempo, ou se tivessem sorte, daria tempo também pra ser feliz. Quem sabe a esposa além de ser boa podia despertar uma paixão, ou quem sabe o emprego além de dar dinheiro pudesse ser legal. Mas isso não era importante. O importante era passar pela vida, sobreviver e seguir as regras sociais.

O que mudou? O lugar do desejo, eu diria. Antes, podiamos desejar o quanto fosse, mas jamais colocariamos ele em primeiro lugar. Primeiro sempre a obrigação, as responsabilidades, as regras sociais, a sobrevivência, e depois quem sabe se der tempo o desejo. Mas, com a mudança das condições de sobrevivência do mundo, a liberdade de pensamento e opiniões, e com a mudança da sociedade, a gente passou a poder pensar no nosso desejo. Os filhos, quando cresciam, não precisavam mais trabalhar no que desse dinheiro ou na empresa dos pais. Eles podia escolher uma profissão que os agradasse. Esse foi o primeiro grande momento em que o desejo passa a ser colocado em primeiro lugar. Mesmo os mais pobres passaram a tentar trabalhar para ganhar dinheiro sim, mas em algo que gostassem. Na sequência, as mulheres não precisavam casar com o homem de bons dotes, poderiam permitir-se apaixonar e escolher o marido com quem iriam passar o resto da vida. Novamente ai o desejo vindo em primeiro lugar. E assim muitas outras pequenas coisas foram nos permitindo desejar e ir atrás dos nossos desejos.

O que eu quero dizer com tudo isso é que a idéia de felicidade é cultural. Em alguns lugares ainda hoje se pensa desta forma, e em outros existe o culto do desejo. Ser feliz é algo que surgiu com a nossa cultura. E no momento vivemos o excesso da felicidade. Nossa sociedade capitalista e líquida (Leiam Bauman) prega a hiperfelicidade. Só que essa felicidade é idealizada, se faz uma idealização de uma vida a ser vivida. Não é a toa que se fala tanta em depressão. Porque essa felicidade que se vende não é real, não está ao nosso alcance, ela não existe. Vou explicar melhor.

O que é ser feliz hoje, segundo nossa sociedade? Bom, a lista é grande, mas entre os principais itens estão:

– Ter um emprego que eu goste.

– Que este emprego me dê dinheiro suficiente pra eu fazer tudo que quero e preciso.

– Ter uma casa boa.

– Que esta casa seja num bom bairro.

– Ter um marido (esposa) que eu seja apaixonada(o).

– Ter filhos saudáveis e bonitos.

– Que meus filhos estudem numa boa escola.

– Que eles sejam inteligentes.

– Ter saude, ou seja, estar sempre em dia com meus exames e médicos.

– Ter um corpo bonito saudável e sarado.

– Portanto, ter tempo de ir na academia todo dia.

– Ter um bom carro, pra me locomover com segurança.

– Ter uma dieta saudavel, rica em proteinas e vitaminas.

– Ter uma empregada para cuidar de minha casa e roupas, ou ter tempo para eu mesma fazê-lo.

– Que meus pais e sogros tenham saude.

– Ter tempo para desenvolver projetos pessoais.

– Praticar esportes.

– Que eu tenha tempo pra me divertir com meus hobbies.

– Sempre conversar com meus filhos e brincar com eles.

– Acompanhar a educação dos meus filhos, indo a escola nas reuniões e ajudando nos deveres de casa.

– Ter qualidade de tempo com meus filhos e com minha esposa(marido).

– Viajar com a familia em feriado ou férias.

– Estudar para ser um melhor profissional do meu trabalho.

– Dormir tempo suficiente para meu corpo descansar.

etc…

Bom, a lista pra sermos felizes está grande né? E olha que nem coloquei detalhes pertintentes a cada singulariade de cada sujeito…

A idéia que quero transmitir é que esta felicidade que se vende nas tvs, nas novelas, nas propagandas e nos outdoors não existe, é impossivel. Só que a sociedade nos vende essa idéia, e nós, não percebendo a furada, nos sentimos um peixe fora da ninho. Sim, porque nos somos os iditoas, os otários que não conseguem ter essa felicicade, então que raio de porcaria somos não? Assim a gente se sente bem excluido, bem longe dessa realidade. Mas as propagandas insistem em nos dizer que para ter essa felicidade é só ir atrás. Basta fazer curso xyz ou arrumar emprego na empresa abc ou ter o celular 78787d. Ai o que a gente faz? A gente acredita, e vai lá e faz o que nos venderam. E o que acontece em 99% dos casos? Não dá certo. Nada do que compramos nos traz a tal felicidade, então passamos a nos sentir incapazes, frustrados, deprimidos, porque simplesmente não nos sentimos capazes de obter tal felicidade. E pra piorar, a sociedade pega aquele 1% que consegue ter essa felicidade (que alias nem sempre são felizes também, vide casos como Britney Spears), porque é dificil e raro mas acontece, e fica te comparando com ele, mostrando como você é incapaz. Dificil ser feliz assim não é mesmo? Isso explica o numero gigantesco de depressões e frustrações?

 

Pra ilustrar um pouco mais, vou contar a história da plantinha. Ela vivia quietinha no seu canto da beira da estrada, tinha seus 20 centimentos de altura e poucas folhas, vivia na sombra mas estava satisfeita com sua vida. Até que um dia passa um bichinho e conta pra ela que logo adiante na estrada as plantas como ela são muito mais bonitas, pois o terreno é mais valorizado, bate sol, é lindo, uma beleza. As plantinhas de lá crescem muito mais, chegam a ter cerca de um metro de altura e com muitas folhas. O bichinho comenta ainda que ela devia se esforçar pra pegar um pouco de sol,quem sabe também nao é capaz de crescer e ficar tão bonita como as outras. A plantinha fica lá se esforçando pra pegar um sol que nunca bate ali, pois a região onde ela esta plantada não bate sol. É uma caracteristica do local onde ela nasceu. Assim ela fica triste. Percebe que as condições que nasceu não ajudam para que ela desenvolva sua beleza e fique como as outras. Mas vendo que nada pode fazer, desanima e fica triste. Tempos depois o bichino volta, e diz que as plantas estão mais felizes do que nunca, porque agora além do sol lindo que bate lá elas estão também dando frutos, e muitas outras plantinhas estão nascendo lá. O bichinho conta pra plantinha que não é muito longe de onde ela etsá, quem sabe ela se esforçando para arrancar suas raizes e ir andando até lá consegue chegar. A plantinha fica toda animada e começa a fazer um grande esforço para arrancar suas raizes do solo e se arrastar até lá. Vendo que por mais que esforce, não consegue nunca, fica deprimida, ansiosa, com a auto estima rebaixada. Fica também com raiva e inveja.

 

A midia, a educação, os livros, as músicas, tudo hoje nos vincula uma ideia que é facil e barato viver, e ser feliz, e a verdade não é bem assim. Viver é dificil mesmo, pra grande maioria. E a felicidade não está em coisas e nem desejos. Viver com essa sociedade nos comparando uns com os outros o tempo todo é duro, não somos capazes de ter autonimia psiquica. A gente passa a querer essa idéia de felicicade e tudo em alinhamento. Que a nossa lista feita lá em cima aconteca tudo ao mesmo tempo. E quando isso não acontece, doi, machuca, se faz presente de uma forma gigantesca.

Felicidade é possivel? Sim, com certeza. Mas não essa hiperfelicidade pregada hoje. A verdade é que simplesmente não dá pra ser bom em tudo o tempo todo. Não dá pra ter aquela lista perfeita o tempo inteiro.

 

 

Generalizando, os caminhos ocidentais e orientais pra felicidade são diferentes. Estou generalizando porque no mundo de hoje ocidente e oriente já estão tão misturados um no outro que não dá pra fazer essa divisão de forma ingênua. Vou ser simplista, não porque não sei a complexidade de cada um, sim para poder tentar passar um idéia geral do assunto.

A visão budista oriental, bem a grosso modo, diz que a relização do desejo não traz feliciade. E por isso as pessoas estão sempre atras de coisas e objetivos para ser feliz e nunca são. Fora que a probabilidade de se conseguir o que se deseja sempre é muito pequena. Então, segunda essa visão, o problema é desejar. Portanto, o que eles acreditam é que é necessário não desejar. Se despir de desejos. Como eles conseguem isto? Não é fácil. Eles começam tentando de desprender das coisas, abdicando de coisas materiais e também simbolicas, como as relações familiares, relações amorosas etc. Se desligar do desejo signifca se tornar indiferente ao desejo. Não ligar. Viver o aqui-e-agora. Assim a ligação com o desejo vai inexistindo, e isso traria uma serenidade. Portanto, felicidade seria igual a serenidade. Tudo que preciso esta dentro de mim. Isso é um caminho, esvaziar o desejo.

A visão socrática-freudiana ocidental parte do principio que nos somos seres de conflito o tempo inteiro. Esta tradição parte do principio que devemos cultivar nossos sentimentos e desejos, mesmo pagando o preço no final. Não existe prazer sem desprazer, portanto todo desejo trará consigo um desprazer. Tudo tem um preço. E a visão ocidental aceita pagar esse preço para poder desejar. O que Freud acresenta a isso é que não podemos ser ingênuos. Vale a pena desejar, ir atras do desejo, mas podemos resistir ao desprazer que vem com ele. É preciso entender também que o barato da vida não é desejar e ter o desejo assim pronto, o legal é o caminho que se percorre atras do desejo. Isso é que tras felicidade, a sensação de que estamos indo atras do nosso desejo. É o processo, e não o fim.

 

Assim, o segredo pra ser feliz cada um acha o seu. Mas nao da pra ser feliz do jeito hiperfeliz que nossa sociedade nos vende. Então, não da´pra ser bom pai, bom profissional, bom esportista, sarado, saudavel e inteligente. Não da pra ter aquela lista todo o tempo todo. Então a partir do momento que aceitarmos esta castração, podemos escolher no que dá pra ser feliz. Bom, eu posso ser um bom pai, mas ser um mediano profissional. Ou posso ser um bom profissional e bom pai, mas meu corpo vai ser meio gordinho. Enfim, cabe a cada um ver no que dá pra ser excelente e no que terá que ser mediado, porque a nossa vida simplesmente não nos permite se excelente em tudo. É uma questão prática. Cabe a cada um lidar com isso ou continuar tentando ser excelente em tudo e continuar frustrado por nao conseguir….

 

Um adendo

Já perceberam o tipo de coisa que a midia vincula e a gente passa a acreditar e sofrer? Exemplo: Noticia de hoje, primeira página do globo.com >> Britney Spears aparece com buraquinhos nas pernas. Noticia de outro dia, também no mesmo site, primeira página: Daniela Sarayba na praia, deixa a mostra suas pernas com celulites. Um pouco antes disso no mesmo local: A queridinha da américa Jennifer Love na praia, mostra que já não esta tão em forma como antes, com seus quilos a mais e celulite.

E eu digo: WHAT THE FUCK? Isso é noticia digna de primeira página? Que toda mulher chega uma momento da vida que engorda e tem celulite todo mundo sabe. Alias, todo mundo sabe não, todo mundo vive isso. E dai? Elas são humanas, não são bonecas.´É natural que tenham imperfeições. E qual é o problema disso? Qual é a novidade que deve ser colocada em primeira página?

Pior ainda, pegam essa tal de Solange Frazão, com 45 anos e saradissima, e colocam como modelo de mulher. Noticias e reportagens perguntando qual o segredo, etc etc. Quando eu trabalhava no banco, um dia estava ela lá, no caixa eletrônico. Dez minutos e ela não saia de lá. Fui lá. Ela, indignada, e linda (é verdade) dizia: ah, essa máquina está quebrada, não consigo tirar dinheiro, o que acontece? Ai fui ver. E te conto. O que acontece é que era uma máquina do Banco 24 horas, e antes de começar qualquer operação ele perguntava: Essa operação custará 2,30 você deseja continuar? E imagina o que ela estava ha dez minutos fazendo? Apertando a tecla não, e esperando continuar…. Sem comentários.

Enfim, cada um escolhe no que quer ser bom e no que quer ser mediano. E quando isso não é bom pra midia, quando isso não vai de acordo com a hiperfelicidade que eles vendem, eles vão lá e quebram o pau. Mostram como você é uma Et porque tem celulite, ou porque anda com uma roupa de um estilista desconhecido. Cada um escolhe seu caminho, qual o seu?

Mecanismo de Defesa

Na Faculdade, uma das primeiras coisas que estudei sobre Freud foram os tais mecanismos de defesa. Recebemos uma lista com eles e as explicações básicas sobre cada um. Lembro que na época me marcou muito o estudo sobre o Chiste, que são aquelas brincadeiras, piadinhas, que dizem o que realmente queremos dizer, mas disfarçamos que não, que não passam de brincadeiras. A gente usa o chiste o tempo todo e não percebe. E depois que passamos a prestar atenção, somos capazes de perceber como o chiste está presente na vida de todo mundo o tempo todo mesmo. Mas, ficar analisando os outros o tempo todo também não dá, enche o saco e cansa. Não é pra isso que se faz a formação de analista.

Mas, pra que servem os mecanismo de defesa? Pra nos proteger, lógico. Se determindadas coisas nos fazem sofrer muito ou não somos capazes de lidar, os mecanismo de defesa vem nos ajudar a não ter que lidar com tudo isso de cara. O nosso Ego, ou o Nosso Eu se defende de tudo que causa dor e sofrimento, e pra isso os mecanismo de defesa servem, para nos ajudar nessa evitação de uma possivel dor ou sofrimento.

Essas defesas são diversas, e podem ou não ser eficazes ao longo da vida. É considerado eficaz a defesa que evita o confrotamento com o problema. São considerados ineficazes os que não ajudam e ainda pioram o possivel enfretamento com o problema. (As vezes isso é um mal necessário)

Pra facilitar, vou explicar um pouco sobre os Mecanismo mais usados, com exemplos.

1. Negação: quando o sujeito se recusa a ver sua participação em um problema que acontece com ele. É comum, diante de situações de enfrentamento, a pessoa dizer: Este problema não é meu, Isso não acontece comigo. Exemplo: Maria, seu marido está te traindo. “Meu marido me traindo? Não, não é possivel, não pode ser ele, você deve ter visto errado. ” ou “João, você tirou zero na prova, o que acontece? Eu, zero na prova? Não é possivel, essa prova não é minha, as provas foram trocadas.”

2. Racionalização: o sujeito tenta utilizar a inteligencia pra justificar suas ações e ou seus sentimentos ou possiveis decisões que possa ter tomado. É um processo pelo qual o sujeito procura apresentar uma explicação coerente do ponto de vista lógico, ou aceitável do ponto de vista moral, para uma atitude, uma ação, uma idéia, um sentimento, etc., cujos motivos verdadeiros não percebe. Exemplo: Eu não vou mais na análise porque preciso economizar dinheiro. ( O dinheiro sendo usado como desculpa para a realidade de que a pessoa não quer mais ir a analise porque esta muito dificil lidar com suas questões). ou Eu checo se fechei a porta de casa tres vezes antes de sair, e as vezes ainda volto quando já estava na metade do caminho, mas faço isso porque preciso deixar minha casa em segurança. (A desculpa da segurança pra tamponar o vicio obessivo de checar incontroladamente seus proprios atos, como um ritual).

3. Projeção: O sujeito não aceita perceber sua culpa diante de um problema ou questão, então acha outros para culpar. A culpa é sempre dos outros, nunca da pessoa. Exemplo: Eu sou assim porque minha mãe me criou assim, eu não tenho como mudar. ou Eu não tenho culpa de o banco ter me dado tanto limite e agora nao tenho dinheiro pra pagar, quem mandou me dar tanto limite?

4. Sublimação: É um dos mecanismos que mais consegue seu intuito de proteger o sujeito de dor. Porque, diante de uma impossibilidade esse mecanismo cria outras formas de satisfação possiveis. Exemplo: Se a pessoa quer ser famosa, mas percebe que isso é uma realidade muito distante, ela escolhe uma profissão e estuda para ser reconhecida em sua área. Geralmente para sublimar o sujeito utiliza, em conjunto o deslocamento.

5. Deslocamento: consiste em transferir as características ou atributos de um determinado objeto para outro objeto. Exemplo : receber uma bronca do chefe e, assim que chegar em casa, chutar o cachorro como se ele fosse o responsável pela frustração. ou Uma criança que apanha da mãe, e depois bate no irmão mais novo. ou Quando a pessoa quer comer sorvete de chocolate, mas como não tem, se satisfaz com uma barra de chocolate.

6. Formação reativa: diante de uma situação dificil de lidar, o sujeito atua fazendo exatamente o oposto daquilo que tem dificuldade em fazer. Exemplo: A pessoa é muito tímida, e ao ir numa festa, se torna a pessoa mais extrovertida possivel. Ou Ao conhecer alguém e perceber como esta pessoa é agradavel , nem tanto quanto você, ai sair você diz exatamente o oposto dela: Nossa, como Fulana era insuportavel, chata e metida a sabe tudo.

Existem muitos mecanismo de defesa que usamos pra nos proteger de sofrimento. Muitas vezes isso é o melhor a ser feito, pois a pessoa nao esta preparada para lidar com tais questões. Porém, para amadurecer a crescer, chega um momento em que o sujeito precisa deixar de usar seus mecanismos para poder enfrentar suas questões. Como os mecanismos e essas defesas ocorrem inconscientemente, ou seja, a pessoa nem percebe que usa, o primeiro passo é identificar quais mecanismos usa, para depois tentar entender o que esta tentando não encarar.

Além da nossa mente, o nosso corpo também tem suas formas e mecanismos de se proteger do que causa dor e do que não aguentariamos lidar. A Psicossomática é uma das respostas do corpo para os problemas que não enxergamos ao longo da vida. Mas isso é outra história, outro dia, outro texto

Simbiose

A gente costuma escutar falar de simbiose quando trata da relação mãe-bebe. Nesse momento da vida de uma criança, a simbiose é necessária pra que ela se caracterize como sujeito. A mãe faz pelo bebe, sem que nem ele mesmo saiba o que quer ou precisa, tudo que é necessário no começo de sua vida, pra que, aos poucos, ele vá aprendendo a desejar, se tornar um sujeito desejante.

Só que a simbiose não esta somente presente nesse momento de nossas vidas. Por vezes se prolonga por mais tempo que o ideal e necessário. E por vezes nunca acontece. Nos casos em que se prolonga, podemos ver aquelas relações de mães e filhos no qual um não faz algo sem pensar no outro. A mãe esquece que tem marido, coloca sempre o filho em primeiro lugar de tudo, inclusive de si mesma. Em consequencia, o filho se torna tão dependente que não aprende a fazer nada por si, e para tudo se espelha e apoia na figura da mãe, e acaba tendo grandes consequencias no seu desenvolvimento e amadurecimento, principalmente na fase adulta. Em outros casos, na falta de uma simbiose inicial, fica a dificuldade de se tornar sujeito, de se caracterizar como um ser desejante, e fica evidente uma falta que existe em todos, mas se torna muito mais dificil sem o desejo inicial.

E depois que o sujeito chega na fase adulta? Em sua maioria, os dependentes continuam dependentes, principalmente hoje em que não é vergonha depender da mãe em qualquer idade. Ou mora com os pais infinitamente, mesmo quando já tem renda própria, relacionamento íntimo, carro e idade pra dar conta de si mesmo. Ou sai da casa dos pais, mas leva a ligação, mantendo a mãe para cuidar de sua casa, de suas roupas ou de sua marmita para o trabalho. Quando isso não é possível, cria-se uma nova simbiosa. A pessoa busca um alguém para substituir a mãe na relação. Esta a namorada, ou namorado entra para respirar o mesmo ar, pra estabalecer o mesmo tipo de relação que a anterior.

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Alguém consegue perceber como tudo isso é perturbador? Não parece uma doença essa dependência?

Dentro da relação simbiotica não existe um. São dois meios que fazem um, o que causa, no mínimo, alguns incomôdos. Sim, porque a relação sombiotica não é só alegria. Não há espaço pra respirar outro ar que não seja o mesmo. O diferente se torna um problema gigantesco, com proporções muito maiores do que o normal. Por isso nossos novos adultos sofrem tanto. Porque é uma geração fruto de muitas relações simbióticas. Viemos da geração pós orgulho feminista, ou seja, as mulheres largaram suas familias pra trabalhar e defender os direitos iguais, e muitas perceberam o quanto era bom ser so mãe. Essas, agarraram com unhas e dentes seus filhos, que hoje sofrem para ser adulto. E daqui só piora, porque com a desculpa dos perigos que av vida cada vez mais oferece, mais mães agarram suas crias com toda força em seus ventres. E mais simbioticos se tornam, e mais dificil fica se tornar sujeito desejante e, consequentemente, adulto.

Winnicot já dizia: boa mãe é a mae que falta. É necessário que a criança erre para aprender a aceitar. É preciso que a criança caia a primeira vez para que aprenda a se levantar. Se a mãe está sempre presente e não permite a falha, como essa criança vai aprender a se sustentar em sua próprias pernas? Se a mãe falha em falhar, o filho sofrerá sim grandes consequencias no seu desenvolvimento.

Into the wild. Este filme que tanto me chocou, e já mencionei em algum post anterior deste mês, mostra como uma pessoa precisa estar sozinha para aprender a ser humano. É sozinho que aprendemos as grandes coisas da vida. Quando vamos arranjar uma namoradinha, estamos a sós com ela. Quando vamos arranjar o primeiro emprego, a entrevista é só como chefe. Quando casamos, é só você e a esposa/marido no altar. É independente de simbioses que crescemos e desenvolvemos. Se passamos a vida substituindo nossas relações simbióticas, sofreremos por demais da conta. E quem passa por isso sabe bem do que estou falando.

O filme é o oposto ao exagero. Ele queria tanto ficar sozinho que exagerou na dose de sua solidão. E uso este exemplo porque nenhum dos extremos é bom. Estar sempre só e sem nenhuma necessidade de relacionamento também é doente, também causa danos irreversíveis ao sujeito. Mas em muitos momentos de nossas vidas, precisamos estar sozinhos, para aprender a caminhar com nossas próprias pernas, nos tornarmos UNO, para dai escolher quem caminhará ao nosso lado.

Todos devemos ser Unos e não Meios.

Cada uma…

A doutora Lorca é a intérprete de nosso tempo. Ontem, o metrô de Londres proibiu um cartaz que reproduz a pintura “Vênus” do alemão Lucas Cranach, feita há quinhentos anos atrás. O cartaz anuncia a exposição em homenagem a Cranach que será realizada pela Royal Academy de 8 de março a 8 de junho deste ano.

Então que fique estabelecido: anúncios de bebida, pode. Mulher pelada, não pode. Anúncios de cigarro, pode. Vagina à mostra, não pode. Anúncios de celular, pode. Seios à vista, não pode. Anúncios de modelos anoréxicas, pode. Coxas desnudas, não pode. Anúncios de remédios, pode. Mulher sensual, não pode. Anúncios de recrutamento militar, pode. Sexo, não pode. Mulher com véu, pode. Mulher tirando o véu, não pode. Deus o livre uma mulher sem véu!

E pensar que há mais de cem anos anunciam o fim da psicanálise, tendo em vista que “não existe mais repressão sexual”. Então, mais um adendo. Terapias cognitivo-comportamentais, pode, terapias neuro-linguísticas, pode, terapias do abraço, pode, terapias do grito, pode, terapias breves, pode. Psicanálise, não pode. A psicanálise é subversiva demais para nosso tempo. Vagina? Sexo? Diferença sexual? Feminilidade? Masculinidade? Falo? Castração? Não pode. Como afirma o comunicado do metrô de Londres, “milhões de pessoas viajam diariamente pelo metrô e não tem alternativa a não ser ver a publicidade ali colocada. Devemos ter cuidado com todos os viajantes e procurar não ofender ninguém.” (fonte: Patrícia Tubella in El País, 14/2/2008).

“Não ofender ninguém”, eis aí a norma de nossa época. Cuidado com o sexo feminino. Ele pode ofender. Agora, o assassinato do brasileiro Jean Charles de Menezes pela “melhor” polícia do mundo, em pleno metrô, isso não ofende ninguém. Ele era um estrangeiro. Aliás, Carnach também. Ainda por cima, alemão. Hum, alemão em Londres? Há mais coisas entre o céu e a terra…já dizia aquele poeta bem inglês. Inglês? Sem vagina à mostra? Então pode.

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pensamentos aleatórios

Muitos filmes estão ai pra nos mostrar que uma simples escolha pode mudar todo o rumo de nossas vidas. Uma única escolha pode arruinar ou melhorar um vida. E não só uma vida, mas também as vidas próximas as nossas. Provavelmente esses são os filmes que eu mais gosto. É assim com Vanila Sky, Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, The nines, Infidelidade, Pecado Original, entre outros.

 

Mas além disso, são filmes que falam também da força do amor, de como o amor pode nos salvar de certos erros, ou de como o amor de alguém por nós pode nos salvar das nossas escolhas erradas. E falam também de como a gente pode estragar de vez um amor com nossas escolhas erradas, mas sempre é possivel recomeçar.

 

O amor tudo perdoa? O amor nos cega e nos deixa inocentes e idiotas, ou nos deixa superior as coisas pequenas?

 

Acho que pra pensar essas questões, nada melhor do que pensar, por exemplo, nos amor de pai pra filho. A mãe, tudo perdoa? (sim, mesmo quando é dificil, ela é ainda a única que entende, ou tenta entender). A mãe fica cega ou é na verdade superior as coisas que o filho faz? Nenhuma mãe é cega, só finge que não vê. E pelos filhos faz tudo mesmo, tudo que for possivel. Só que nem todas mães e pais são assim. Existem aqueles que naturalmente não colocam os filhos nessa posição de amor incondicional, ou mesmo não os colocam na frente de si mesmos. São aqueles que tem dificuldade em se colocar em segundo plano. Porque pra estes, eles são mais importantes do que qualquer pessoa, em primeiro lugar sempre eles. Provavelmente porque têm uma dificuldade em perceber que não são o centro do mundo (como diria Lacan, não sao o falo nem da mãe e nem de ninguém). Assim, precisam se colocar em primeiro lugar, já que se colocar em segundeo seria como uma humilhação (tipo, nem eu me coloco em primeiro, quem me colocará?)

 

Dai a gente pode pensar mil coisas sobre esse tipo de pessoa na vida amorosa. Porque se pra essa pessoa se colocar em segundo lugar é intoleravel, ou humilhante, esta pessoa pode sim considerar-se incapaz de perdoar, de enxergar mais adiante, de ser maior do que as pequenas coisas. Esta pessoa achará um absurdo coisas tão menores quando se trata de amor. Esta pessoa não perdoará os minimos erros do outro, porque na verdade não perdoa a si mesmo quando erra. Não admite o erro do outro porque não admite seus proprios erros. Não consegue entender que as pessoas pensam de formas diferentes porque no seu narcisismo não consegue entender que o mundo é maior do que sua cabeça pode aguentar entender.

 

 

Todos deviam ler o livro O Carrasco do Amor, de Irvin Yalom. Dá pra gente tentar se colocar um pouco no lugar do outro, e ver que uma coisa terrivel, aos olhos de um, não é tão terrivel e totalmente compreensivel aos olhos do outro. E tudo tem um porque, mesmo que a gente não consiga ver. E ninguém é 100% ruim ou 100%. Só porque erra feio de vez em quando não significa que não ter carater, pelo contrário, pode ter, e muito mais do que alguém que tenta parecer ser sempre bom.

A psique

Pessoal pensa que só porque é psicólogo ou psiquiatra que é perfeito. Ser um desses siginifica que a pessoa é perfeita, não tem nenhum problema, não tem nenhum trauma, não tem nenhuma questão pessoal sem resolução. Ou ainda não tem direito de dar ataque, ter ciumes, ter medo, ter inveja, gritar, desabelar, enloquecer de vez em quando.

Sinto informar que, FELIZMENTE, quando somos psicólogos continuamos sendo seres humanos, ou seja, continuamos sentindo e vivendo tudo como os outros. Se a psicologia muda alguma coisa? Muda, e muuuito, mas não porque a estudamos só, e sim porque geralmente quem estuda faz sua própria análise, e assim passa a lidar melhor com suas proprias questões e afins, e assim se torna apto, em certo momento, a atender outras pessoas e ajudá-las com suas questões.

Então, o que faz um bom psicólogo? Não é um ser humano perfeito, curado, porque isso não existe, tenho certeza. Mas com certeza alguém que está sempre apto a aprender muito de si mesmo e dos outros, com os outros, sempre.

Digo isso porque essa semana vi o psiquiatra do BBB “enlouquecer” e um dos participantes, e metade do Brasil dizia “nossa, mas quem vai querer ser paciente desse cara, que deu esse ataque?” Junto a isso, eu mesma essas ultimas semanas estou as voltas com minha parte exibicionista, no ensaio nu da revista. E ai que acho importante reforçar que todos, TODOS mesmo temos nossas questões, e continuaremos a ter, sempre, porque somos seres humanos, sempre, independente da profissão.

Frases soltinhas

Para poder amar, tem-se que ter sido amado, tem-se que ter escutado palavras de amor, tem-se que ter ocupado um lugar de amor para o Outro.

O medo numa mulher de perder sua beleza não deve ser colocado no mesmo plano que o medo do homem de perder seu órgão. No caso dele, é medo pelo que ele tem, no caso dela é o medo de perder o que ela é.A vivência da feminilidade de uma mulher tem a seguinte fórmula “você não é toda”, o que faz da mulher o ser privado e, ocasionalmente, o ser ávido, insaciável.

O sexo não é um fenômeno natural e sim resultado de um processo de subjetivação, para o qual a psicanálise reserva um nome: sexuação. No decurso dessa subjetivação do sexo, a antomia não é por si só suficiente para determinar a constituição do ser sexuado e nem da forma como este lidará com sua sexualidade.

O que comporta a idéia de que cada um ama em função do que supõe que o outro sabe do que ele ignora sobre si mesmo na medida em que sempre se é um mistério para si mesmo. A via do amor de um outro é uma via de engano. Ama-se a si mesmo no outro e amar é querer ser amado. O enigma do desejo do Outro é o engima do desejo do próprio sujeito.

(Malvine Zalcberg)

O tempo que passa e o tempo que não passa

Na psicanálise, tempo e memória só podem ser considerados no plural .

É muito comum pensar no tempo como tempo seqüencial, como categoria ordenadora que organiza os acontecimentos vividos numa direção com passado, presente e futuro, um tempo irreversível, a flecha do tempo, um tempo que passa. Também estamos acostumados a pensar na memória como um arquivo que guarda um número significativo de lembranças, semelhante a um sótão que aloca uma quantidade de objetos de outros momentos da vida, que lá ficam quietos, guardados, disponíveis para o momento no qual precisamos deles e queremos reencontrá-los. No entanto, a forma na qual a psicanálise pensa o tempo e a memória está muito distante desta maneira de concebê-los. Na psicanálise, tanto o tempo quanto a memória só podem ser considerados no plural. Há temporalidades diferentes funcionando nas instâncias psíquicas e a memória não existe de forma simples: é múltipla, registrada em diferentes variedades de signos.

 

Há um tempo que passa, marcando com a sua passagem a caducidade dos objetos e a finitude da vida. A ele Freud se refere no seu curto e belo texto de 1915, “A transitoriedade”, no qual relata um encontro acontecido dois anos antes, em agosto de 1913, em Dolomitas, na Itália, num passeio pelo campina na companhia de um poeta. Ambos dialogam sobre o efeito subjetivo que a caducidade do belo produz. Enquanto para o poeta a alegria pela beleza da natureza se vê obscurecida pela transitoriedade do belo, para Freud, ao contrário, a duração absoluta não é condição do valor e da significação para a vida subjetiva. O desejo de eternidade se impõe ao poeta, que se revolta contra o luto, sendo a antecipação da dor da perda o que obscurece o gozo. Freud, que está escrevendo este texto sob a influência da Primeira Guerra Mundial, insiste na importância de fazer o luto dos perdidos renunciando a eles, e na necessidade de retirar a libido que se investiu nos objetos para ligá-la em substitutos. São os objetos que passam e, às vezes, agarrar-se a eles nos protege do reconhecimento da própria finitude. Porém, a guerra e a sua destruição exigem o luto e nos confrontam com a transitoriedade da vida, o que permite reconhecer a passagem do tempo.

 

No entanto, no entender de Freud, a nossa atitude perante a morte não implica essa certeza. Se de um lado aceitamos que a morte é inevitável, quando se trata da própria morte tentamos matá-la com o silêncio, desmenti-la, reduzi-la de necessidade à contingência. “No inconsciente, cada um de nós está convicto de sua imortalidade”, afirma Freud, em De guerra e morte. Temas de atualidade. Nada do pulsional solicita a crença da própria morte. Esta só se constrói secundariamente, a partir da morte dos próximos, da dor e da culpa pela mesma. Nem a própria morte nem a passagem do tempo têm registro no inconsciente, afirma Freud.

 

O tempo do inconsciente não é um tempo que passa, é um “outro tempo”, o tempo da “mistura dos tempos”, o tempo do “só depois”, o “tempo da ressignificação”.

 

A forma na qual se constroem as lembranças nos mostra isso, assim o explicita Freud em um texto de 1899: “As lembranças encobridoras”, valendo-se de um exemplo que, embora não revele no texto, é uma lembrança dele mesmo que surge durante umas férias de sua adolescência. Quando Freud tinha 16 anos viajara para Freiberg, sua cidade natal, sendo este o primeiro retorno desde a sua infância. Nesta ocasião, vive uma paixão por Gisela, a primogênita da família que o hospeda. Trata-se de um momento no qual, para Freud, os projetos de futuro estão em jogo: a sobrevivência econômica e o amor. Nesse momento, surge nele uma lembrança infantil: três crianças, entre elas ele mesmo, brincam e colhem flores numa campina verde e coberta de flores amarelas. Formam ramos de flores e os meninos arrancam o que está nas mãos da menina por ser o mais lindo. Ela corre, chorando, até uma camponesa que lhe oferece, para seu consolo, um pedaço de pão. Eles vão também atrás de um pedaço de pão que a camponesa lhes entrega. Nesta lembrança dois detalhes se destacam: a força do amarelo das flores e o sabor do pão, tão acentuados que beiram à alucinação.

 

O retorno à cidade natal mobilizara em Freud as vivências da infância, reativando marcas mnêmicas, marcas sensoriais de detalhes aparentemente insignificantes – porém fundamentais – que são carregadas pelas lembranças e às quais estas devem a sua vivacidade. Marcas da erotização e também dos lutos, da ausência de objetos. Essas marcas se oferecem como pontos de contato com as fantasias posteriores que sobre elas se projetam, criando pontos de condensação. Assim, duas fantasias que tocam temas fundamentais da vida do jovem Freud – a fantasia amorosa com a moça da família que o hospeda e a fantasia sobre sua sobrevivência econômica – projetam-se sobre a lembrança infantil que lhe faz de tela. O amarelo do vestido que a moça vestia no primeiro encontro faz um ponto de condensação com as flores da infância, intensificando o amarelo das flores da lembrança. Da mesma maneira, a fantasia sobre a sua sobrevivência econômica, através da frase “ganhar o pão”, confere uma intensidade maior ao sabor do pão na lembrança. Fantasias, lembranças e pensamentos de épocas posteriores se enlaçam simbolicamente com as da infância, intensificando, deformando ou transformando a lembrança infantil. Estas lembranças são as lembranças encobridoras.

 

Mas não é um tipo especial de lembrança que nos interessa e sim a dinâmica psíquica que nela se põe em jogo e que pode ser estendida à construção das fantasias e ao funcionamento geral da realidade psíquica. Neste funcionamento, a memória não é única nem fixa, ao contrario, as lembranças vão sendo construídas num processo de retranscrição. Freud inaugura uma teoria da memória ao afirmar que o material das marcas mnêmicas reordena-se de tempos em tempos, formando novos nexos. Na constituição da lembrança há, portanto, uma mistura de tempos. Os tempos não mantêm uma cronologia, passado, presente e futuro se misturam, se confundem. A lembrança infantil é como um quadro. O espaço do enquadramento é dado pelo próprio texto da lembrança, no qual se combinam traços. Traços que revelam as marcas de erotização e também os processos de luto vividos que deixaram as marcas do objeto ausente. Ou seja, há um passado que se cria e se recria em novas articulações.

 

Ao assinalar a existência deste outro tempo que é o tempo da ressignificação, Freud distingue o funcionamento do inconsciente do da consciência e rompe com a idéia de uma causalidade linear, de um passado que determina um presente, afastando-se de um determinismo mecanicista. Não procuramos no passado a causa do presente. O que passou se fez realidade psíquica.

 

A historia de um sujeito não é, portanto, uma linha reta, mas é traçada por pontos de condensação nos quais as tramas do vivido se entrecruzam e pulsam, forçando a presença do passado no atual, resistindo a qualquer linearidade cronológica e construindo uma realidade psíquica que não coincide totalmente com a realidade material.

 

O tempo do après-coup é um conceito fundamental no arcabouço teórico freudiano. Há acontecimentos da infância que se inscrevem difusamente, marcas psíquicas que ficam informes, indefinidas, à espera de um acontecimento e que só depois adquirem sentido. Temos então a idéia de um passado que não é fixo, mas que se ressignifica no presente.

 

Nesse “outro tempo” que não respeita a cronologia, nesse tempo do só depois, há movimento – que retranscreve, que articula novos nexos, rearticula as inscrições do vivido – construindo sonhos no dormir, fantasias e pensamentos na vigília. Há movimento das dimensões pulsionais e desejantes que, misturando os tempos, produz novos sentidos. O tempo não passa no sentido do tempo seqüencial, em uma direção irreversível, mas, na mistura dos tempos, as marcas mnêmicas nas mãos do “processo primário” condensam-se, deslocam-se e criam novos sentidos.
Mas há também, no psiquismo, uma outra relação entre passado e presente na qual o après-coup parece não operar mais, a imobilidade impera, assim como “eterno retorno do mesmo”, como mera insistência pulsional, fazendo do passado um destino. “Neurose de destino”, dirá Freud. No funcionamento da compulsão de repetição, o pulsional mais puro, sem possibilidade de representação, se encarna no atual, se apossa dele como sombra vampiresca e, no fora da linguagem, perde-se qualquer possibilidade de fazer o luto, de transformar a perda em ausência. Nessa presença da pulsão pura, a expressão “o tempo não passa” ganha toda a sua força.

 

A diferenciação dos funcionamentos temporais no psiquismo está presente ao longo da obra de Freud, sendo um dos fios importantes da metapsicologia freudiana. As concepções de memória e causalidade psíquica subvertem a psicologia da consciência e são parâmetros básicos que fundamentam a clínica psicanalítica.(Silvia Leonor Alonso)

Subjetividade

Hoje a subjetividade é feliz. Ela pode e tem como ser expressa de diversas maneiras. Graças a internet, todo mundo tem espaço de sobra para colocar sua subjetividade pra fora. O mundo estaria feliz então.

 

Mas ai vem o narcisismo. Na modernidade, não basta colocar a subjetividade pra fora, ela precisa ser elogiada, vista, elucidada. E por isso nem todo mundo é feliz.

 

Assim, temos bandos de fotologs, blogs, enfim, sites de expressão da subjetividade, mas as pessoas continuam isoladas e tristes nas suas casas, porque isso não basta.

 

Então, qual seria a solução da vida moderna? Acredito que um pouco de retorno as tradições, ou melhor, aos velhos habitos. Não a internet, e sim aos encontros na rua, aos passeios com amigos no shopping, as brincadeiras de crianças na rua, as conversas na praça com os vizinhos, e por ai vai…

Hipomania – um lado da história bipolar by Revista Veja

Os distúrbios mentais costumam submeter seus portadores a situações de grande angústia, capazes de arruinar sua vida. Nos últimos tempos, a psiquiatria tem se debruçado sobre uma alteração que, às vezes, age de forma oposta: contribui para o sucesso pessoal e profissional do portador. A alteração chama-se hipomania, uma variante suave do transtorno bipolar, no qual o paciente alterna períodos de euforia com outros de depressão. Nos casos clássicos de transtorno bipolar, as mudanças de comportamento representam alto risco para o portador. Na euforia, ele se torna violento, perde a noção de realidade e toma atitudes bizarras ou perigosas. Quase sempre acaba internado, quando então mergulha numa depressão profunda que pode levar a atitudes suicidas. Nos hipomaníacos, o processo é diferente. A euforia se manifesta de forma consciente, é constante e, de modo geral, direcionada para atitudes produtivas. Pode durar meses, anos ou a vida inteira. Não há distorção grave da realidade e a depressão se resume a crises amenas, não muito diferentes daquelas a que qualquer pessoa está sujeita. Resultado: o distúrbio trabalha muitas vezes a favor de seu portador, dando a ele uma energia e um otimismo incomuns diante das situações do dia-a-dia. Calcula-se que pelo menos 6% da população mundial seja hipomaníaca.
É fácil reconhecer o hipomaníaco. No trabalho ou no convívio social, é aquele sujeito que parece ligado na tomada. Fala, pensa e age mais rápido que os demais. Dorme pouco, mas está sempre disposto, entusiasmado e cheio de idéias. Confiante, fala em projetos grandiosos. Faz várias coisas ao mesmo tempo e dá conta de todas elas. Em geral, os hipomaníacos são os mais populares da turma ou os “queridinhos” do chefe. Em muitos casos, são os próprios chefes. Esse é o lado bom da hipomania. As mesmas características levam os hipomaníacos a tomar atitudes que os prejudicam. Sua confiança sem limites faz com que reajam mal ao ser contrariados, mesmo em assuntos de pouca importância. Em casos extremos, sentem-se perseguidos por quem não concorda com suas opiniões. Tendem a assumir riscos exagerados, inclusive de vida. São propensos a comportamentos compulsivos, como gastar demais ou beber em excesso. “Os casamentos dos hipomaníacos costumam durar pouco”, informa a psiquiatra Dóris Moreno, do Hospital das Clínicas de São Paulo. “É difícil conviver com alguém cuja autoconfiança é ilimitada e que não gosta de ser contrariado”, ela completa.
Um livro recém-lançado nos Estados Unidos procura demonstrar que a hipomania está por trás dos feitos de muitos personagens célebres em todas as áreas do conhecimento. Em The Hypomanic Edge – The Link Between (a Little) Craziness and (a Lot of) Success in America (Os Limites da Hipomania – A Ligação entre (um pouco de) Loucura e (muito) Sucesso na América), o psiquiatra John D. Gartner, da Universidade Johns Hopkins, argumenta que a maioria dos empreendedores que fizeram a história dos Estados Unidos era hipomaníaca – a começar pelo próprio descobridor da América, o navegador genovês Cristóvão Colombo. Ele cultivava uma fé quase irracional em si mesmo. Também costumava ouvir vozes divinas falando-lhe sobre a viagem do descobrimento. “Como uma mão que podia ser sentida, Deus mostrou-me que era possível fazer a viagem e me encorajou a completar o projeto”, escreveu Colombo à corte espanhola em 1500. Segundo Gartner, 39% dos hipomaníacos relatam presságios divinos ou sentem-se impulsionados por vozes internas. O americano Henry Ford, pioneiro da indústria automobilística, citado no livro como um hipomaníaco histórico, tinha como mantra o seguinte raciocínio: “Tudo pode sempre ser feito mais rápido”. Não por acaso, Ford inventou também a linha de montagem, que reduziu drasticamente o tempo de produção de seus veículos.
Entre os contemporâneos analisados no livro de Gartner está o geneticista americano Craig Venter, um dos maiores cientistas da atualidade, chefe da equipe que concluiu o mapeamento do genoma humano em 2000. Venter concordou em se submeter a testes conduzidos pelo psiquiatra e, ao final, admitiu ser hipomaníaco. “Durante toda a vida me achei meio amalucado. Tinha tantas idéias grandiosas que era difícil manter o foco em uma delas. Mas sempre tive esse senso de grandeza, sabia que ocuparia um lugar importante na história”, disse Venter a Gartner. Para os hipomaníacos, o céu é o limite.

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