Categoria: Psicologia (Page 1 of 9)

A clínica é um método de investigação (e não um lugar fechado por quatro paredes onde você se intitula profissional e acha que faz o que quer)

Estava saindo do consultório hoje e encontrei dois psicólogos no elevador do prédio. Eles estavam comentando sobre um paciente que um deles havia dispensado porque deixava a sala “com um odor impraticável, levava dias para o cheiro dele sair da sala”. Segundo eles, o paciente era “disruptivo, desconexo, dissociado”. O elevador chegou no andar da portaria e os dois psicólogos seguiram seu discurso sobre as questões do paciente dispensado.

Semana passada estava em toda mídia a história de uma médica que contou sobre o estado de saúde de Marisa Letícia em um grupo de whatsapp e ainda a história do médico que descrevia a maneira possível de deixar Marisa Letícia morrer mais facilmente.

Ontem, escutei dois amigos comentando sobre psicólogos que saem da graduação sem nenhum conhecimento básico sobre a teoria, quanto mais sobre clínica e ética, e vão permanecendo nas instituições públicas, “trabalhando” a favor das falências da saúde pública. Segundo eles, são profissionais que teoricamente entendem um ato que deve ser realizado, mas na hora que a situação clínica acontece, não sabem reconhecer o momento na experiência vivida, discutida anteriormente na teoria.

Com o conceito de clínica e ética temos o mesmo problema. Os profissionais de saúde estudam ética e cínica durante anos na graduação, pós graduação e nos estágios. Porém existe um gap entre aquilo que eles estudam e respondem na prova com a situação de vida em que a clínica e a ética acontecem, no ato da relação entre dois humanos. Escutei, ainda semana passada, um professor universitário preocupadíssimo com a questão da ética nos cursos de saúde; pensava seriamente em aumentar as discussões sobre ética e dificultar o processo de validação para a prática clínica. “Não é preciso apenas a teoria e as condições financeiras para lidar com humanos, é preciso mais do que isso”.

Ano passado, dando aula em um minicurso sobre a psicanálise, uma aluna ficou extremamente perturbada quando sacou, durante o minicurso, que o ato do analista na clínica não oferece segurança, garantias de bem estar financeiro e social. “Mas se eu preciso combinar o valor com cada paciente e a questão do valor faz parte do tratamento, como vou pagar minhas contas? “. A preocupação é real, mas estava calcada no desejo econômico e social de estar situado no campo da saúde. Com a medicina, sabemos que esse buraco é bem fundo: durante anos a fio se fez a escolha pela profissão para ter dinheiro e status social. O mesmo acontece com a psicanálise. “Das duas uma: se não dá dinheiro, dá poder”, disse uma estudante de psicanálise.

A psicanálise não é um ofício para todos. Não basta ler alguns textos de Freud ou Lacan e se intitular psicanalista no cartão de visita e na plaquinha de divulgação do site na internet. Da mesma maneira, a clínica não é para todos. A clínica não é um espaço físico localizado na rua, no caps ou no hospital. Os pacientes, seres humanos, têm esse “defeito” de ter um corpo, carne, ossos, odores e estranhezas. Eles falam, sentem, e constantemente apresentam questões que nos instigam, que nos apresentam o que não entendemos sobre diversos aspectos da vida e do mundo. Eles são desobedientes, tem suas próprias teorias sobre eles mesmos e são espertos o suficiente para ficar revoltados quando sacam que não estão sendo bem atendidos. Que trabalho esse negócio de clínica, não é mesmo?

A clínica é um método de investigação e tratamento sobre as causas enigmáticas do adoecimento no homem. A psicanálise é um método de investigação e tratamento do sofrimento humano causado por seu inconsciente. Ética é o princípio responsável por criamos leis que nos permitam manter a condição civilizatória e dizer não a barbárie presente na humanidade. A ética em psicanálise nos ajuda a pensar sobre a articulação entre a ética do desejo particular do sujeito e a dimensão do laço social.

Esse ano de abertura da Hæresis, vamos estudar o seminário de Lacan sobre a ética. É preciso investir um tempo com essas preocupações fundamentais de qualquer atuação clínica. Mais, ainda: é preciso investir na descoberta particular do desejo de um profissional em atuar na clínica e na psicanálise. Ou vocês vão continuar acreditando que a falência da civilização está apenas nos senados e não nos seus atos cotidianos de enganos (como os psicólogos que se intitulam clínicos, mas dispensam um paciente porque ele é a presença viva da angustia de um não saber – e não tem pudor algum de falar sobre isso no elevador de um prédio comercial)?

Cinco gerações de mulheres em um jantar de família: histórias de horror sobre o assédio sexual

silencio

Estava em um jantar de família com cinco gerações de mulheres: minha avó, minha mãe, minha madrasta e minha prima mais nova. Conversávamos sobre as diversas experiências de assédio que vivemos durante a vida e chegamos a uma triste conclusão: parece que o que foi vivido por minha avó ainda é a mesma realidade vivida pela minha prima. Em relação ao assédio, parece que nada mudou. Compartilhamos narrativas e histórias de homens que, diariamente, mostram seus pintos na rua, roçam seus membros no nossos corpos no metro, passam a mão um pouco a mais até na hora da tatuagem e do exame médico. As situações são tão cotidianas que nos acostumamos a conviver com os sentimentos de vergonha, humilhação e medo.

Outro dia escutei alguns homens dizendo que as mulheres estavam exagerando nas redes sociais; eles diziam que os relatos nas hashtags #primeiroassédio #meuamigosecreto estavam passando dos limites: “ninguém aguenta mais escutar esses mimimis”, eles diziam. Outros diziam que rede social não era lugar para esse tipo de história ou desabafo. Quero dizer para vocês, queridos homens, que se fossemos realmente contar todas as situações de assédio que já passamos, não ia ter rede social que desse conta das repetidas histórias que não cessam de se apresentar em nossas vidas todos os dias, há anos e anos. Se vocês estão cansados de ouvir algumas delas, imagine o quanto nós estamos cansadas de vivê-las; o quanto nos apavoramos quando, num jantar em família, percebemos que muitos anos se passaram e nada disso evoluiu. O machismo está ai para nos aterrorizar sim, todos os dias, quando temos medo de ir fazer xixi na universidade porque sabemos que estudantes de engenharia, medicina, filosofia (e vários outros cursos), ainda hoje, estupram colegas de sala em bandos; quando trabalhadores da construção civil ainda se sentem no direito de abaixar suas calças em plena luz do dia; quando o pai do amigo do seu filho fica te olhando com aquela cara nojenta de tesão enquanto mexe a língua, te comendo com os olhos, em público.

Eu acho é pouco esses relatos. E sei que ainda temos muito medo de dizer nomes, fazer denúncias, porque nunca temos como provar. Pior ainda é quando a retaliação vem das próprias mulheres e de nossos familiares. Até mesmo de alguns analistas que insistem em usar a máxima “somos sempre responsáveis pelos nossos sintomas” para fazer valer o ponto de que, sempre, a culpa é da vítima, se esquecendo que somos inseridos em uma relação direta com a cultura que nos antecede, de um machismo poderosíssimo e muito difícil de derrubar. Vitimismo, vocês podem pensar! Talvez. Algumas mulheres se posicionam mesmo nesse lugar, vivendo e se alimentando dessa devastação por anos e anos. Mas, infelizmente, muitas mulheres nunca tiveram possibilidade de construir outro lugar que não esse que sempre nos foi oferecido de bandeja, gerações após gerações, como o lugar de mulher. Então, eu acho é pouco mesmo a quantidade de narrativas de assédio. Porque quando falamos, fazemos o mal estar surgir e tentamos finalmente sair da posição de vítimas, possivelmente nos tornando agentes de alguma mudança. A idéia é mais ou menos assim: ou vocês encaram o mal estar junto com a gente, para podermos mudar alguma coisa nos próximos anos, ou tudo vai continuar sempre sendo apenas histórias silenciadas, segredos de mulheres em seus jantares de família.

De onde fala meu silêncio

Parto do pressuposto que o silêncio diz. A ausência de palavras deixa espaço para o ato de dizer, para além de enunciados. Tão logo os afetos e sentimentos ganham palavras para descrevê-los, algo já se perdeu. Assim como numa tradução entre línguas em que algo sempre se perde, dos afetos e sentimentos para as palavras, algo já se perde também. E estou aqui apenas problematizando sobre o meu lado da história, já que pensar no segundo momento que é o de quem lê, que já lê uma terceira coisa, outra, bem diferentes, nem se fala…

Silencio as palavras para escutar a mim mesma e aos outros. E nesse silêncio eu respondo, Um a Um. Ainda não aprendi como sair dele e usar as palavras sem que elas falem para uma massa e por isso me atenho no meu silêncio. Ele diz que estou invocada e mergulhada no Um a Um. Estou apaixonada por esse sujeito do inconsciente, do desejo, que só se apresenta no seu particular e de maneira bem evanescente. Não consigo mais deixar que as palavras saiam afobadamente num discurso cheio de conhecimento e de saber, mas de pouca verdade. Uma psicanalista disse em um evento, semana passada, que não entende porque tantos psicanalistas são convocados e vão responder sobre questões diversas do mundo. Um psicólogo, um sociólogo ou qualquer outro profissional que estuda o humano poderia muito bem responder essas questões, com propriedade. Um psicanalista não deveria ter que dizer nem formular nenhum saber sobre nada disso, já que ele se sustenta no não saber. Os sujeitos que o convocam é que tem muito a dizer e a partir daí oferecemos a escuta disso, que vem daquele que demanda algo, não o inverso. A frase foi: A psicanálise está em todos os lugares e o psicanalista em outro. Vendo a psicanálise em tantos lugares, estou em outro. Essa tem sido a minha aposta nos últimos anos, mas tenho certeza que existem outras. Por isso aqui falo apenas de mim e de um momento específico, porque também tenho certeza que virão outros. Por hora é esse. $ <> a

 

 *A frase foi enunciada por Nina Leite em um evento que logo será divulgado em vídeo.

*Estou no Um a Um por ai, sempre darei notícias disso. O silêncio é também trabalho.

Primeira Reunião Aberta do GECLIPS – Expressão artística e o universo da imaginação na infância

Convidados:

Prof. Paulo Lima Buenoz

Profa. Silvia Maria Cintra Silva

Prof. João Luiz Leitão Paravidini (GECLIPS)

 

www.facebook.com/geclipspsicanalise

 

O fracasso da inclusão

Vivemos a época de uma infância marcada por problemas de aprendizagens e de uma sociedade marcada pelo desejo de inclusão. Bom, quanto a isso, posso apenas afirmar que o processo de inclusão, assim como o da educação, está fadado ao fracasso. Porque há sujeito.

Enquanto todos correm para fazer cursos de psicopedagogia ou quaisquer outros cursos que busquem adaptações para os indivíduos, esses mesmo indivíduos se antecipam a criam novos sintomas (novas dificuldades de aprendizagem, rejeições aos objetos facilitadores da tal inclusão, etc). Assim, os doutores na arte da adaptação (em busca de uma “qualidade de vida) ficam loucos e sentam novamente em seus bancos acadêmicos para entender porque tudo isso falha, na esperança de criar novas fórmulas adaptativas e funcionais para esses “errantes”. Chega  a ser uma linda batalha, se não fosse trágica.

Qual erro insistimos em cometer? A psicanálise já repetiu tanto essa resposta… Desde Descartes (e antes) cometemos o mesmo erro: não dar voz ao sujeito. Quantos anos de pesquisas inutilizadas para compreender que o sujeito fala com seu sintoma, com sua recusa a adaptações, com sua dificuldade de aprendizagem? E acho que ao longo dos anos os fracassos ficaram gritantes: esses sujeitos não estão satisfeitos. E no final das contas ninguém está.

“Para a psicanálise, o sujeito está, por principio, implicado em todo ato. Por sinal, como todo aquele que consulta desconhece essa implicação, visa-se no inicio criar condições para que o sujeito se interrogue sobre as causas daqueles episódios que tonto o incomodam” (Lajonquiere). Essa pretensão de alguns educadores e membros da sociedade em achar que podem vir a saber sobre a singularidade subjetiva de uma pessoa (aluno, deficiente, etc) a partir de si mesmo está obviamente fadada ao fracasso!

Charles Melman já falava disso quando escreveu que o primeiro problema quando se fala de educação de crianças é o lugar em que nos colocamos. Cada um de nós recebeu um tipo de educação, e por isso já temos conceitos formados sobre o que é melhor ou não, o que funciona e o que não funciona. Quando trocamos de lugar e passamos ser os responsáveis pela educação de outros, deixamos de lado a criança de hoje, colocando nossas queixas e reinvindicações e fórmulas em primeiro lugar. O mesmo vale para o deficiente, já que a inclusão prevê a criação de diversos mecanismos e aparelhagens para que ele fique menos “prejudicado” e possa seguir “na mesma condição que as outros”. Um ideal impossível esse, seja deficiente ou não. Estar em mesmas condições, quando isso é realidade para qualquer pessoa??

Nesse sentido, a melhor educação é a que fracassa. Melman já dizia isso porque acreditava que toda educação tende a colocar o mesmo ponto de vista em todas as crianças, e tem a pretensão de formar cidadãos iguais. A inclusão repete a mesma bobagem. Partindo do ponto de vista do sujeito da psicanálise, um sujeito único, com direito de escolha, talvez faça mesmo parte da constituição do sujeito viver contra e a favor da educação que recebeu, pelo resto de sua vida. Quando esse sujeito, a sua maneira, fracassa, está de alguma maneira se apresentando como sujeito. Está se recusando a repetir, e nós assistimos aos milhares de sintomas que aparecem todos os dias no âmbito escolar.

“Só podemos concluir que o investimento narcísico na infância, ou a ilusão da criança-esperança, é uma invenção sintomal da modernidade, então, não é casual que a pedagogia hegemônica atual se articule em torno a uma louca exigência, qual seja, demandar à criança que venha de fato a concretizar sem resto nenhum um ideal de completude e bem-estar. Estamos diante de uma fatalidade e, assim sendo, os educadores de hoje estão condenados à lamentação pela suposta ineficácia profissional, uma vez que a educação das crianças não poderia não estar tomada senão por um voto narcísico” (Lajonquiere)

No final das contas, esse discurso social, a partir da educação e da inclusão, sustenta uma proposta que enfatiza a preocupação com a inclusão, mas o que opera é um agrupamento que novamente resulta em crianças e deficientes na posição de objeto. O discurso educacional é pró-inclusão mas o desejo manifesto ainda é de “normalização”, atuando na perspectiva de “curar” algo que falta no desenvolvimento das crianças. Essas práticas normalizantes tratam as pessoas como objetos, e partir de uma norma que é externa a elas. Resultado: fracasso, claro. Aceitar permanecer como objeto no mínimo resulta em certos adoecimentos.

Alguns, como sujeitos, rejeitam. Não aprendem. Não se adaptam. Algo sempre falha. E ao rejeitar aquilo que lhes é oferecido, um mal estar surge e transborda para todos os lado. Certos de que o que oferecem é fundamental para a evolução da criança, os adultos passam a apontar uma série de problemas, como se eles pudessem explicar ou justificar o porquê da recusa. Só não param para pensar que nessa lógica a criança fica em posição de objeto, permanecem alienadas ao desejo do Outro, que dita o lugar que elas devem ocupar, o que devem aceitar e utilizar para se constituir. Se por um lado podem ficar presas nesse lugar de perda ao negar as ofertas de ajuda, ao não aceitar aquilo que lhes é oferecido, esse movimento pode apontar algo de um desejo, de um posicionamento particular em relação ao lugar que lhe é estabelecido dentro da rede de relações sociais e familiares. Ao recusar ocupar esse lugar, algo se desloca dentre de uma lógica em que essa criança está inserida.

Se a recusa acontece pelo desejo de não ocupar um lugar dentro de um grupo (crianças com problemas de aprendizagem, crianças deficientes, etc) e se constituir de forma singular, ou pelo desejo de não aceitar o lugar já estabelecido no âmbito familiar e social, o fato é que já existem muitos lugares fabricados pelo discurso social para essas crianças. A escuta psicanalítica nos permite tomar o fracasso dessas crianças como uma tentativa de implicação subjetiva. Há fracasso porque há sujeito. Então que a inclusão e a educação continuem fracassando.

 

A certeza delirante

” A ignorância nunca me fez falta ” ( Clarice Lispector )

Já fizeram o ato de recortar frases que uma vez foram ditas e escritas dentro de um contexto, e depois utilizá-las de modo a servir um interesse, uma mensagem pessoal endereçada a um outro? Essa semana uma mensagem me foi endereçada dessa forma. E me fez logo pensar em outra frase e em todo um texto para explicar essa briga de frases.

Fiquei me perguntando de qual contexto saiu o dito da Lispector. Porque, pensando ela dentro de uma mensagem que me foi endereçada, ou seja, para pensar a Psicanálise e seu lugar como ciência e prática, terei que discordar da afirmação. Aliás, para a Psicanálise é fundamental que se duvide, ou seja, que possamos olhar o mundo e os fenômenos podendo duvidar do que está tão claro e certo, e de que é possível criar uma verdade absoluta para todas as coisas.

“… a análise só pode encontrar sua medida nas vias de uma douta ignorância. Do lado do analista, também convém considerá-la, mas aí ela deve ser somente concebida enquanto a “ignorância douta, o que não quer dizer sábia, mas formal, e que pode ser, para o sujeito, formadora” Lacan.

Lacan nos ensinou que um dos grandes desafios do analista é atuar nessa posição de uma douta ignorância. Estudamos muito sim, mas quando estamos com um paciente, é preciso deixar esse conhecimento de lado para olhar a singularidade de quem chega em nosso consultório. Se já recebemos o paciente cheios de certezas, com a lista pronta só aguardando um enquadramento, não será possível escutar o que ele tem a nos dizer, e assim poder entender um pouco da lógica de funcionamento daquele sujeito e de sua verdade particular. É um exercício constante, para o Psicanalista, desse papel de douta ignorância. Mas, para ficar minimamente confortável nessa posição, o próprio analista deve ter passado por sua análise pessoal, de forma a ter tido tempo e disposição de lidar com suas próprias verdades e certezas absolutas e se desprender delas.

Só o psicótico tem tanta certeza sobre tudo. Só ele porta a verdade universal. O psicótico não supõe o saber ao outro, ele tem uma certeza, o psicótico é um sujeito de certeza, o psicótico não está aberto à significação fálica, não duvida de nada. A metáfora delirante é uma tentativa de dar sentido ao que está fora do sentido, por isso existem as construções delirantes que no entanto, no seu limite, têm um ponto nodal, que é fora do sentido.

Assim, posso afirmar que no campo psicanaítico sustentamos uma certa ignorância sim. E isso tem aparecido inclusive em toda essa questão sobre a posição da profissão do Psicanalista e sua suposta regulamentação. Não é possível sustentar  um curso que dê conta, em um tempo pré-determinado, de formar psicanalistas, como se todos passasem por uma máquina e em pequenas formas deixasse os alunos prontinhos para ter sua carteirinha, seu registro e atender. Oras, isso sim é ignorância. Me espanta essa tentativa de transformar a Psicanálise e seu campo em uma verdade Absoluta, como se ela fosse a verdade pura. E para isso, bastaria nos matricular nesse “curso”, e no final nós não só saberemos da verdade, como poderemos transmiti-la. Isso está parecendo tanto com o discurso religioso, não?

Base da psicanálise: Não existe verdade absoluta, não existe um saber universal, e talvez essas sejam nossas únicas certezas. Podemos começar a construir algo em cima disso? Claro! Mas não para produzir novas verdades Absolutas. Elas serão sempre provisórias…

“A psicanálise é uma experiência que, ao contrário de hipnotizar o sujeito, visa revelar aquilo que já o hipnotiza desde sempre, desde sua própria constituição. A alienação, por ser um “fato mesmo do sujeito”, segundo Lacan, ou seja, estruturante, nem por isso deixa de ser alienação. O despertar em jogo na análise indica, por sua vez, o caminho da separação.” Marco Antonio Coutinho Jorge


A formação do Psicanalista e a tal regulamentação

Eu de novo com esse assunto. Porque nunca deixa de ser importante falar de alguns temas e esse é um deles.

Já falei sobre o tema aqui, aqui, aqui e aqui. Outras pessoas também falam sobre isso o tempo todo, como vocês podem ver aqui.

E agora vou só retomar o Manifesto que os Psicanalistas fizeram e que ainda é importante divulgar.

Informe sobre a Regulamentação da Psicanálise 
(preparado pela Sociedade de Psicanálise da Cidade do Rio de Janeiro)

No dia 01/04/2004, uma comissão de representantes do Movimento das Entidades Psicanalíticas Brasileiras esteve em Brasília para discutir a questão da regulamentação da psicanálise, com os deputados Simão Sessin, autor do PL 2347/03 (que tramita na Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara Federal), e Walter Feldman (relator do projeto na Câmara).

O objetivo da Comissão foi o de dissuadir os parlamentares de levarem adiante o PL 2347, para votação, já que, segundo avaliação dos psicanalistas do Movimento, trata-se de mais uma tentativa equivocada de regulamentação do ofício de psicanalista. Neste encontro, foi mencionado o MANIFESTO DAS ENTIDADES aos Srs. parlamentares e entregue um dossiê sobre as iniciativas no sentido do exercício e da regulamentação da psicanálise, pelos evangélicos.

O deputado Simão Sessin informou que apresentou o projeto a pedido dos evangélicos, uma vez que estes haviam procurado seu sobrinho, deputado estadual pelo Rio. Manifestou-se surpreso com o relato dos representantes do Movimento das Entidades Psicanalíticas, sobretudo com a sentença do Juiz Federal contra a SPOB, provocada pelo Ministério Público de Brasília. Preocupado por não ter tido mais cuidado em ler e avaliar melhor a natureza do projeto, e por desconhecer que um PL semelhante (PL 3944/00), do deputado Éber Silva, já havia sido arquivado na legislatura passada, propôs então encontrar uma saída adequada para a situação. Comunicou à Comissão que negociaria junto ao relator, o deputado Feldman, para a retirada do projeto. Neste sentido, pediu à Comissão do Movimento que preparasse um arrazoado com argumentos contrários à regulamentação, para que fosse pedida a retirada do PL para melhor avaliação.

O deputado Walter Feldman declarou que já tinha tido a oportunidade de receber um grupo de evangélicos, que lhe solicitara o apoio ao projeto. Informou que seu assessor fez a proposta de um substitutivo que oferecesse aos evangélicos o reconhecimento e regulamentação de uma prática, da qual a psicanálise estivesse excluída. Esse argumento teria por objetivo, apenas, a proposição da regulamentação das psicoterapias Foi então esclarecido ao deputado, que a prática psicoterápica já se encontra sob o controle dos Conselhos de Psicologia, e que qualquer nova medida que viesse a legislar sobre as mesmas acabaria incluindo a psicanálise. 

Feldman sugeriu que se realizasse uma audiência pública no Congresso, mas os representantes do Movimento argumentaram que o ideal, no momento, do ponto de vista dos psicanalistas, seria a retirada do Projeto de Lei. Num segundo momento seria organizado um debate sobre o tema, no Congresso, sendo então convidados os psicanalistas para apresentarem suas argumentações aos congressistas, com o intuito de se evitar que outros parlamentares, a exemplo de Simão Sessim, se dispusessem a apresentar projetos semelhantes, sem prévio conhecimento do assunto. O deputado mostrou-se simpático à idéia de a psicanálise ser considerada uma prática leiga, não regulamentada pelo Estado, e concordou com a proposta do deputado Simão Sessim, no sentido da retirada do projeto. Finalmente, comprometeu-se a ler os documentos que lhe foram entregues, inclusive o do Ministério Público, e a fazer contato com os psicanalistas do Movimento, a posteriori.

Manifesto das Entidades Psicanalíticas Brasileiras
– texto aprovado na reunião de março de 2004 –

Há mais de cem anos, Sigmund Freud trouxe uma contribuição inestimável para a humanidade, inventando um dispositivo de investigação e tratamento clínico, a psicanálise, que permanece até hoje como a mais importante e séria abordagem do psiquismo humano. Ao mesmo tempo em que esclareceu a estrutura do psiquismo, acolheu de maneira criativa e inédita o sofrimento de pessoas que sem esse recurso seriam reduzidas ao silêncio e estariam sujeitas a dificuldades cada vez mais graves. Após esse ato de invenção, o mundo nunca mais foi o mesmo, e a psicanálise de tal forma marcou a cultura que nem sempre é imediato reconhecermos a sua influência, que atingiu as artes, a ciência, a política, as regras do convívio, a educação, e muitos outros domínios e instituições humanas. 

É essencial, portanto, que esse instrumento que Freud nos legou seja tratado com cuidado, para que não se percam os seus melhores efeitos ao se desvirtuarem os seus princípios.

Uma das questões mais sensíveis da história da psicanálise diz respeito às condições legais do seu exercício, que têm provocado discussões bastante intensas, praticamente desde o começo, e em geral desencadeadas a partir de iniciativas – dos Governos ou dos Parlamentos – que visam dar à psicanálise um estatuto de profissão. 

No nosso País não tem sido diferente, e a cada vez os psicanalistas têm vindo a público explicar em quê consiste o seu ofício, como são formados aqueles que o exercem, e por que a psicanálise resiste à regulamentação.

A ocasião mais recente foi há pouco mais de três anos, quando psicanalistas de diferentes tendências e orientações, e representando dezenas de instituições psicanalíticas estabelecidas, de notório reconhecimento público, se reuniram para, juntamente com entidades representativas dos médicos e psicólogos, fazer frente a um projeto que, finalmente, foi recusado pelos deputados antes de ir a plenário.

Na época, preocupava-nos também a criação no Brasil de cursos que, embora se utilizassem de uma referência expressa à doutrina freudiana, eram notoriamente inspirados por grupos religiosos, que, faltando-lhes qualquer participação prévia no já secular movimento psicanalítico, se propunham a formar profissionais-psicanalistas, sem se mostrarem capazes de garantir que eles tivessem o necessário embasamento, adquirido através da imprescindível experiência ética de uma longa análise pessoal, acrescida de uma exigente formação teórica e de uma assídua supervisão de casos clínicos. Tampouco eram claras as suas posições em relação aos princípios que regem a nossa prática.

A partir dessa época, vimos seguindo atentamente as iniciativas que, no parlamento brasileiro ou fora dele, visam à regulamentação do nosso ofício, transformando-o em profissão, pelos riscos que trazem para os princípios que defendemos. 

Há pouco tempo, tomamos conhecimento de mais um projeto de lei, desta vez de autoria do deputado Simão Sessim, do Rio de Janeiro, de número 2347, datado de 22 de outubro de 2003, que se inscreve numa série de outros que ao longo do tempo foram recusados pelos parlamentares brasileiros, ao constatarem que esses projetos, uma vez aprovados, e seja qual for a boa vontade que está nas suas origens, agravariam os males que pretendem sanar: historicamente, ou porque subestimam a necessária singularidade da formação de um psicanalista, ou porque confiam essa formação à Universidade, sem atentarem para o fato de que ela não pode dispor dos necessários instrumentos para levar a cabo essa tarefa, malgrado, por outro lado, nossa Universidade prestar incontáveis bons serviços ao nosso País, em vastos campos. 

Associamo-nos portanto a todos os movimentos de resistência à tentativa de normatização dos ofícios que relevam fundamentalmente de implicações subjetivas de cada um, e vimos em público reafirmar a psicanálise no seu compromisso de sustentar a singularidade das pessoas que pedem a sua ajuda, assim como daquelas que a exercem, considerando sua relação e compromisso com a cultura e a sociedade onde vivem.

 

Jornal Significantes

Apresento o meu mais novo projeto: O Jornal Significantes. Ele surgiu e foi desenvolvido junto com meus colegas, alunos do Programa de Mestrado em Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia. Como todo novo projeto, ainda está em desenvolvimento. Espero que gostem.

Ele está disponível aqui: http://jornalsignificantes.tumblr.com/

Se quiser receber por email, envie um email para jornalsignificantes@gmail.com que nós enviaremos.

(Aproveito para pedir desculpas pelo meu último post, que saiu bloqueado, com senha. Ele já foi liberado. Se tratava apenas de uma entrevista, vocês podem ver aqui: http://www.alinesieiro.com.br/2011/07/04/olha-o-que-eu-olho-perceber-e-conceber-criar/ )

Olha o que eu olho: perceber é conceber, criar.

* Esta reportagem foi publicada no Jornal Significantes, em sua primeira edição (Maio/Junho 2011).

Por Aline Sieiro

A professora Anamaria me chamou atenção desde o primeiro dia em que a conheci, na minha entrevista de seleção do mestrado. Alguma coisa no seu jeito amável, na sua voz suave me deixaram tranqüila e ao mesmo tempo curiosa, instigada. Tempos depois, já na disciplina de Métodos de Pesquisa em Psicologia, no Mestrado, tivemos a oportunidade de ter duas semanas de aulas com ela. Me surpreendi com o jeito sedutor que ela apresentava a Psicanálise para alunos de diversas áreas. Achei de uma sensibilidade imensa a forma como ela apresentava o seu trabalho e a Psicanálise para todos nós.

Naqueles encontros, percebemos o valor que ela dá para a experiência e em como se envolver no que fazemos de forma a transformar e estar sempre criando e cultivando vínculos. Em certo momento, os alunos puderam compartilhar uma experiência de suas vidas, e toda a sala ficou muito emocionada com a oportunidade de produzir um momento de vínculo, reflexão e muita emoção.

Quando pensei na possibilidade de produzir uma entrevista para o Jornal, convidei algumas pessoas, mas a oportunidade de abrir este espaço com a fala da professora Anamaria fez muito sentido. Me parece importante conhecer um pouco mais de alguém que tem o desejo de nos incentivar e motivar para algo mais. Me parecia interessante também reparar nessa união que por vezes parece contraditória, entre uma pesquisadora tão sensível e um tema de pesquisa tão perturbador como é a violência. Como trabalhar com violência e ainda ser tão sensível aos outros, preocupada e atenciosa? Começo a acreditar que esse é o caminho, não tão contraditório assim…

Apresento aqui o áudio da entrevista. Como sempre, o tempo é curto e as perguntas são muitas, por isso deixamos vocês com gostinho de quero mais…

(Quem quiser o a versão online do Jornal – com a reportagem escrita – deixe um comentário com o email que eu envio. Ainda não estamos com o site do jornal ativo, aviso assim que estiver).

Qual será seu próximo remédio?

O desejo de encaixotar os sentimentos, a moral e a ética não é novo. E agora dá as caras nas embalagens de remédios que rodam na internet com palavras como Juízo, Desapego. Brincadeirinhas (ou chistes – como diria Freud), nos contam um pouco do desejo de uma sociedade que, em formato jocoso, mostra a cara.

 

Vivemos um momento em que, para todo problema mental, existe uma cura a partir de um remédio indicado. Assim, não é de se estranhar que queiram achar uma pílula que sirva para colocar juízo na cabecinha das pessoas. Mas, ainda bem que não chegamos a esse ponto. E me pergunto, até quando? Porque hoje é apenas uma questão de tempo para que a indústria farmacêutica produza novos sintomas, redefina situações que necessitem de um remédio, que claro, eles já tem em estoque nas farmácias.

Pra tudo hoje temos um transtorno associado – DSM tá ai para nos mostrar isso. E para cada um deles, tempos pelos menos três remédios de indústrias distintas. Tá com dor de cabeça? Remedinho pra vc. Tá com saudade de alguma coisa que nunca existiu? Remedinho para você? Seu amor faleceu ontem? Outro remedinho para voce.

A Psicanálise ainda sustenta que viver é estar o tempo todo fazendo laço, ou seja, criando sentido para o absurdo que é viver. Mas, como criar sentido se nos espaços em que isso se faz possível, há sempre um remedinho esperando por você? Os remedinhos alimentam essa ilusão social de que é preciso ser feliz vinte e quatro horas/sete dias por semana, e essa felicidade é um ideal possível. Até quando vamos desejar ser escravos de uma ditadura do gozo? Quando as pessoas terão coragem para desejar, com toda dor e com todo prazer associados?

“O doce não seria tão doce se não fosse pelo amargo”. (Filme Vanilla Sky)

A partir dos tropeços, dos “entre”, é que os sujeitos e seus desejos podem advir. Então, faço um apelo: parem de repassar informações sem conteúdo. Não sejam meros reprodutores dessas “brincadeirinhas” que ajudam a alimentar um idéia repressora da singularidade e do desejo. Não tenham juízo. Tenham ética: a ética do seu desejo, tão particular quanto ele pode ser.

 

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