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Bin Laden morreu 4000 mil vezes por segundo no twitter – Informação, opinião e fala vazia

No dia da morte de Bin Laden, o twitter registou mais de 4000 tweets por segundo sobre o assunto. Na minha timeline do twitter não foi diferente: piadas, comentários, links para notícias e posts sobre o tema e tudo mais que possamos imaginar. E no dia seguinte os posts em blogs pessoais pipocavam. Irritada, comentei sobre isso no twitter, e acharam que eu não estava sendo sensível com um momento histórico: “oras, essa informação não é apenas mais uma notícia do dia, é a história acontecendo”.

Me expliquei um pouco, mas naquele momento me calei. Em geral, quando estamos bravos com alguma coisa, não conseguimos explicar com clareza o que queremos dizer. Mas agora, depois de um tempo refletindo, tenho mais clareza sobre minha crítica e porque ela aconteceu.

Em primeiro lugar, gostaria de dizer que a história está acontecendo todo dia, o tempo todo. Portanto, dizer que uma notícia deve ser falada até o exagero porque se trata da história acontecendo é apenas uma desculpa para falar quando não se tem o que dizer. O que você quer pontuar quando fala o tempo inteiro, ou melhor, repassa o tempo inteiro uma notícia de algo que está acontecendo agora? Que você está em dia com a informação? Que você é conectado? Que você marca a importância do momento? Dúvida: o importante é você marcar que o momento é importante ou mostrar para todo mundo que você marcou a importância do momento? Me parece que esse exagero em repassar a notícia pende para o mostrar que você está em dia e ciente, mais do que realmente parar para entender o que a tal notícia reflete em você e na sua vida…

Em segundo lugar, lendo o texto de Bondía, intitulado Notas sobre a experiência e o saber de experiência, encontrei alguém que explica tudo isso muito melhor do que eu poderia escrever nesse momento. Apresento alguns trechos para vocês:

Em primeiro lugar pelo excesso de informação: A informação não é experiência. E mais, a informação não deixa lugar para a experiência, ela é quase o contrário da experiência, quase uma antiexperiência. Por isso a ênfase contemporânea na informação, em estar informados, e toda a retórica destinada a constituir- nos como sujeitos informantes e informados; a informação não faz outra coisa que cancelar nossas possibilidades de experiência. O sujeito da informação sabe muitas coisas, passa seu tempo buscando informação, o que mais o preocupa é não ter bastante informação; cada vez sabe mais, cada vez está melhor informado, porém, com essa obsessão pela informação e pelo saber (mas saber não no sentido de “sabedoria”, mas no sentido de “estar informado”), o que consegue é que nada lhe aconteça. A primeira coisa que gostaria de dizer sobre a experiência é que é necessário separá-la da informação. (…) Como se o conhecimento se desse sob a forma de informação, e como se aprender não fosse outra coisa que não adquirir e processar informação.

 

Em segundo lugar, a experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião. O sujeito moderno é um sujeito informado que, além disso, opina. É alguém que tem uma opinião supostamente pessoal e supostamente própria e, às vezes, supostamente crítica sobre tudo o que se passa, sobre tudo aquilo de que tem informação. Para nós, a opinião, como a informação, converteu-se em um imperativo. Em nossa arrogância, passamos a vida opinando sobre qualquer coisa sobre que nos sentimos informados. E se alguém não tem opinião, se não tem uma posição própria sobre o que se passa, se não tem um julgamento preparado sobre qualquer coisa que se lhe apresente, sente-se em falso, como se lhe faltasse algo essencial. E pensa que tem de ter uma opinião. Depois da informação, vem a opinião. No entanto, a obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência, também faz com que nada nos aconteça.

 

Vamos agora ao sujeito da experiência. Esse sujeito que não é o sujeito da informação, da opinião, do trabalho, que não é o sujeito do saber, do julgar, do fazer, do poder, do querer. (…) o sujeito da experiência se define não por sua atividade, mas por sua passividade, por sua receptividade, por sua disponibilidade, por sua abertura. Trata-se, porém, de uma passividade anterior à oposição entre ativo e passivo, de uma passividade feita de paixão, de padecimento, de paciência, de atenção, como uma receptividade primeira, como uma disponi- bilidade fundamental, como uma abertura essencial.


Então, a reflexão que deixo é a seguinte: Será que vivemos a experiência de tudo aquilo que falamos, ou nossas falas são meras repetições dos ditos dos outros? O que temos a dizer quando falamos, quando escrevemos um texto e quando repassamos informações?

A importância do circuito pulsional na prevenção precoce do autismo

Este texto* saiu da minha leitura do livro: “A voz da Sereia: o autismo e os impasses na constituição do sujeito” – Marie-Christine Laznik. Faz parte também do que estará presente na minha dissertação de Mestrado. Lá, investigo como se dá a constituição subjetiva de crianças com deficiência visual congênita.

(*não posso nem chamar de texto, seria mais um corte bem grosseiro, ainda.)

As pessoas sempre ficam buscando os culpados e as causas do autismo, depois que ele já está instalado. Outro dia falaram até mesmo da busca pela explicação genética. Laznik nos mostra que pode até ser possível encontrar causas orgânicas, mas questiona como isso pode mudar alguma coisa depois que a situação já está instalada. E mais, explica que biológico e psíquico não se opõem.

Laznik defende também a impossibilidade de determinar uma possível culpa, ainda que muitas pesquisas e autores sustentem muitas hipóteses que caminhem para esse sentido. Em geral se culpa a mãe, mas essa culpa em nada ajuda a entender e prevenir a instalação de um funcionamento autista.

Não é que uma mãe não vê que seu bebê não a olha, ou que lhe faltou o olhar fundador do Outro primordial. Os filmes familiares mostram o estado de petrificação em que suas mães se encontravam. (…) Um bebê que não responde, que não busca sua mãe, pode fazer com que ela acabe por cuidar dele de forma maquinal, como as enfermeiras em hospital. Hoje diria que certos bebês não se deixam enganar por nenhum apelo carinhoso, como se percebessem, cedo demais, a intrínseca ambivalência de todo amor.

Acredito cada vez menos numa depressão materna como fator central desencadeante do autismo (…) a fragilidade de tal bebê também deve ser levada em conta na desorganização que possa ter suscitado em sua mãe no tempo do pós-parto. A não resposta de um bebê pode desorganizar sua mãe.

A importância da voz já está presente, está em ação meses antes do nascimento propriamente dito. (…) A voz é primeira e comanda o olhar, e não o inverso. (…) Haveria no manhês, empregada por aquele que está em função do Outro primordial, uma dimensão irresistível, que até mesmo um futuro bebê autista não poderia deixar de responder. Isso pode ser algo que determina a alienação radical do pequeno homem ao desejo do Outro.

Do ponto de vista psicanalítico, o autismo pode ser considerado uma tradução clínica da não-instauração de um certo número de estruturas psíquicas que, por sua ausência, só podem acarretar déficits de tipo cognitivo, entre outros. Quando estes déficits se instalam de maneira irreversível, podemos falar de deficiência. Esta deficiência seria então a conseqüência de uma não instauração das estruturas psíquicas, e não o contrário. (…) É ai que podemos intervir, e que podemos falar de uma prevenção possível da instalação de um funcionamento autística. 

Fazer intervenção quer dizer intervir no laço pais-criança. A síndrome autista clássica, segunda Laznik, é uma conseqüência de uma falha no estabelecimento deste laço, sem o qual nenhum sujeito pode advir.

Privilegio a detecção de dois sinais maiores: inicialmente o não-olhar entre bebê e sua mãe, sobretudo se esta mãe não parece se dar conta disso; de outra parte o que eu chamo de fracasso do circuito pulsional completo.

O olhar do Outro primordial como constituitvo do eu e da imagem do corpo: o não olhar entre uma mãe e seu filho, sobretudo se a mãe não se apercebe disso, constitui um dos sinais que permitem pensar, durante os primeiros meses de vida, na hipótese de autismo – as estereotipias e automutilações só aparecem no segundo ano. Se este não-olhar mais tarde não evoluir para uma síndrome autista caracterizada, é sinal, em todo caso, de uma dificuldade maior no nível da relação especular com o outro. Sem uma intervenção nesse momento, o estádio do espelho não e constituirá, ou pelo menos não convenientemente. (…) Lacan (1936) nos fala da importância do estádio do espelho, momento em que a criança se vira para o adulto que a sustenta, que a carrega e pede-lhe confirmação, pelo olhar, do que ele percebe no espelho como uma assunção de uma imagem (…) é essa imagem que vai dar ao bebê seu sentimento de unidade, sua imagem corporal, base de seu relacionamento com os outros, seu semelhantes.

O que vem a se constituir para o bebê mais tarde a vivência do seu corpo, supõe uma articulação complexa entre sua realidade orgânica e o que eu chamo de olhar dos pais. Este olhar não se confunde com visão. Trata-se sobretudo de uma forma particular de investimento libidinal (…) uma ilusão antecipatória onde eles percebem o real orgânico do bebê, aureolado pelo que ai se representa, aí ele poderá advir. Mas o que chamo de olhar é também o que permite à mãe escutar de início nos balbucios do bebê, mensagens significantes que ele fará suas mais tarde. Ver e escutar o que ainda não está para que um dia possa advir.

Mas só o sinal desse não-olhar não basta por si para falar de um possível autismo. Há um segundo sinal, que Laznik chama de a não instauração do circuito pulsional completo. Mas para entender o que é isso, precisamos primeiro entender como funciona o conceito de pulsão para Freud. Pulsão não é necessidade. Para Lacan (1964), o que se refere a pulsão não é do registro do orgânico. Lacan (1964): a pulsão alcançando seu objeto, percebe de algum modo que não é por ai que ela se satisfaz (…), porque nenhum objeto (…) da necessidade pode satisfazer a pulsão (…).

 

Os três tempos pulsionais

Freud descreve o trajeto pulsional em três tempos. (…) Num primeiro tempo, que Freud chama de ativo, o bebê vai em busca do objeto oral (peito, mamadeira) para dele apoderar-se. Ele captura o peito, ela busca e se apossa do peito. Isso é fácil de ser visto por médicos nos exames clínicos.

O segundo tempo do circuito pulsional é também o objeto da atenção particular de um médico atento: ver se o bebê tem uma boa capacidade auto-erótica, se ele é capaz em particular de chupar sua mãe, seu dedo ou então uma chupeta. (…) Chamamos isso de experiência alucinatória de satisfação, intimamente ligada ao auto-erotismo.

O terceiro tempo do circuito pulsional chamamos de satisfação pulsional. Nele, a criança vai se fazer de objeto de um novo sujeito. (…) A criança se assujeita a um outro, que vai se tornar o sujeito da pulsão do bebê. Haveria ai, no nascimento mesmo da questão do sujeito no ser humano a forma radical de uma alienação. E como podemos verificar esse momento, que aliás, é o momento que escapa da avaliação clínica de medicos e muitos profissionais? É o momento em que o bebê coloca seu dedo (do pé ou da mão) na boa da mãe, que vai fingir comê-lo de maneira prazeirosa. Esse jogo que se coloca entre mãe-bebe não pretende saciar uma necessidade orgânica qualquer. É uma passividade aparente do bebê, que, na verdade, busca fisgar o gozo do Outro materno. Ele se faz comer pelo outro, ou seja, ele se faz objeto.

A pulsão não é necessidade (…) a pulsão se satisfaz pelo fato de que este circuito gira e de que cada um dos tempos tornará a passar um infinito número de vezes. Nós só podemos estar certos do caráter verdadeiramente pulsional dos dois primeiros tempos, na medida em que tivermos constatado o terceiro. Isso porque o segundo tempo pode enganar. Acontece de um bebê chupar chupeta ou o próprio dedo, mas não existir nada de auto-erótico nesses movimentos. Só podemos falar de um verdadeiro auto-erotismo se a dimensão de representação do Outro, e mesmo do seu gozo, se inscreveu sob a forma de traço mnêmico no aparelho psíquico da criança.

Nesse momento, pouco importa se a causa da não instauração deste terceiro tempo do circuito pulsional vem da dificuldade constituitva da criança que não procura ativamente o Outro, ou se o problema está na falta de resposta daquele que ocupa o lugar do Outro primordial. Há falhas nos dois casos. E é ai que entra o psicanalista, que pode perceber esse movimento relacional e a partir dai trabalhar com mãe-bebê, para que o circuito pulsional completo se estabeleça.

Podemos intervir no registro psíquico. É o que chamamos de prevenção possível.

Para finalizar, é importante destacar aqui a diferença entre psicose e autismo. Esse terceiro tempo pulsional de encontra sempre presente no bebê que apresentará mais tarde uma psicose infantil. Este bebê se assujeita facilmente a sua mãe (…) o problemático para ela é conhecer o limite deste gozo. (…) O que fracassa é sobretudo (…) a função separadora produzida pela metáfora paterna. (…) Em caso de perigo de evolução autística, não é disto que se trata, mas do fracasso no tempo da própria alienação.

 

O que pode fazer um psicanalista fora da clínica?

Tenho pensado muito e tentado teorizar algo sobre a questão dos Atendimentos Online e a Psicanálise, que relação seria ou não seria essa. Penso também na forma como a Psicanálise parece estar dividida na seguinte dicotomia: um lado extremamente ortodoxo (chegando a “cortar os pés do paciente para caber no divã”); e outro lado cuja teoria é tão mal interpretada, de forma extremamente contraditória e com um fim objetivo outro (a discussão da SPOB e da psicanálise exercida por padres).


Relembrei de toda essa discussão enquanto lia esse texto da Maria Rita Kehl. Recentemente ela apareceu muito na mídia por causa da história com o Estadão. E esse texto parece que sai também de sua experiência com o a mídia e o jornal. Me lembro de uma ocasião, em um grande evento psicanalítico em SP (2008), em que os psicanalistas saíram de uma palestra dela dizendo que ela não era psicanalista, que aquilo que ela fazia não era psicanálise. Assim, sempre a admirei também por enfrentar certas posturas ortodoxas e pequenas, seja no próprio meio psicanalítico ou na mídia, seu local de trabalho.

 

A psicanálise não é uma teoria aplicada à clínica e/ou aplicável para explicar todas as bizarrices de que o humano é capaz. Antes de mais nada, a psicanálise (assim como seu irmão gêmeo em importância, no século XX, o materialismo histórico) não é uma teoria aplicável, é um método investigativo – que parte, evidentemente e assim como o dispositivo marxista, de hipóteses teóricas razoavelmente bem fundamentadas.

(…)

O melhor que um psicanalista pode fazer, na imprensa, é quase idêntico ao melhor que pode fazer um jornalista bem vocacionado: investigar. A diferença está no instrumental de que cada um dispõe, e não no destino do texto. Investigar a história (marxismo), os “fatos” (jornalismo), as motivações e/ou as conseqüências silenciadas de um fato (psicanálise).

 

No texto, quando ela diz que a psicanálise é (além da prática clínica) um método investigativo, sinto que é isso que vem se apagando e se perdendo entre os defensores de certa postura única, a tal psicanálise pura. O que diriam Freud e principalmente Lacan nesse momento histórico da psicanálise em que ela parece cindida: de um lado tão “pura” e de outro tão “perdida”, com diversos bons profissionais vagando entre essas realidades, mas cujos caminhos são solitários, acontecem em pequenos grupos, pequenas discussões, pequenos textos encontrados ao acaso em artigos, textos e entrevistas. Mas é preciso tomar tanto cuidado ao defender essa postura, para não pender também para o outro lado da balança, que vende outra coisa com o nome de psicanálise.

Chego a uma conclusão ainda muito parcial de que o que sustenta uma prática investigativa está diretamente ligado a uma ética profissional,  nesse caso, a ética da psicanálise. É preciso conversar mais sobre a utilização da psicanálise em outros meios, e isso pede por uma discussão ética.


“A ética consiste essencialmente num juizo sobre nossa ação” – Lacan (Seminário 7)

 

Vamos conversar mais sobre a Ética em Psicanálise. Por ora, deixo vocês com duas indicações de leituras sobre o tema:

Sobre Ética e Psicanálise – Maria Rita Kehl

Seminário 7, A Ética em Psicanálise – J. Lacan

Não há sentido prévio: o desentendido é o resto

“O morto ainda está quente. Vamos esperar esfriar”.


Com essa frase de humor negro, começo a pensar em como escrever um texto sobre tudo que aconteceu na escola do Rio de Janeiro. Quase não assisti televisão nessa época e da mesma forma evitei ler muitas reportagens que saíram discutindo o tema. Mas o pouco que vi me deixou incomodada, e fiquei me perguntando sobre a ética profissional e pessoal: que ética é essa?

Para tentar responder essa pergunta, comecei a pensar em como uma tragédia reaviva em nós o sentimento e o desejo de que a vida tenha um sentido pronto, uma verdade única e absoluta. No meio de tanta confusão, tristeza e mortes, surge o desejo de entender, compreender, refazer os passos da tragédia para encontrar algum alívio, alguma resposta que dê sentido a angústia da dor e incompreensão. Mas é nesse ponto que os problemas começam.

Na tentativa de entender quando tudo ainda está muito confuso e muito próximo ao evento, começamos a fazer associações e tecer teorias que falam menos do que aconteceu e respondem mais ao nosso desejo de descobrir a verdade sobre aquilo. E a mídia entra nesse viés produzindo entrevistas, reportagens e vídeos, repassando o senso comum e interpretações selvagens, radicais e em recortes fragmentados. Chuvas de interpretações, acusações e culpas que só contribuem para a perpetuação de verdades parciais e tendenciosas.

Parece difícil sustentar o não saber. Nem tudo tem um sentido e uma explicação racional, principalmente quando falamos de tragédias. Achar culpados é evitar pensar no não sentido da vida e de muitas experiências que vivemos ao longo dela.

Evitei escrever sobre o tema porque ainda acho muito cedo para tecer teorias. Talvez isso nem mesmo será possível. Entendo a necessidade social dessa prática, mas acredito que precisamos relembrar a ética que envolve a criação e a divulgação dessas interpretações desesperadas que se propagam com muita velocidade nos temos atuais.

A ética da psicanálise, entre tantas coisas, está no sustentar o não saber, o desentendido e tudo aquilo que não podemos compreender. Será que não estamos fazendo as perguntas erradas? Um exemplo: Não vamos pensar no por que ele matou tanta gente (era louco, fanático, psicótico?), mas sim no que todas as pessoas que passaram pela vida dele deixaram de fazer para que ele chegasse a agir da forma que agiu. O que nossa sociedade e nossa escola tem feito, dia a dia, para perceber e evitar que atitudes como essa aconteçam? E no pessoal, o que você, na especificidade da sua profissão, tem feito para mudar essa realidade e não perpetuar interpretações selvagens e especulativas? Qual é a linha que separa a escrita crítica da escrita que perpetua ações sensacionalistas? Qual a diferença entra uma pessoa desinformada que assiste a programas sensacionalistas e de você que faz críticas a esses programas mas continua assistindo? Por que pensamos primeiro em proibir o porte de armas e não em investir na educação, saúde, serviços psicológicos para que as pessoas não precisem buscar uma arma e uma ação de assassinato em massa?

Como sempre, deixarei vocês com mais perguntas e reflexões do que respostas. Por que a verdade é sempre parcial e singular.

Entender é sempre limitado.

Cassação do Conselho Federal de Psicanálise

(Via Kanzler Melo – Fonte Revista Contato)

Em 17/02 a Ministra Ellen Gracie, do Superior Tri- bunal Federal, negou o seguimento do Recurso Extraordinário interposto pelo Conselho Federal de Psicanálise do Brasil. Com isso o referido Conselho está impedido de praticar os atos consubstanciados em seu “Estatuto Social”, bem como, de utilizar o título de Conselho Federal. Essa decisão mantém a anterior, do Tribunal Regional Federal, de 17 de junho de 2003, de que anulava todos os atos praticados pelo referido con- selho, no exercício das atividades de fiscalização da pro- fissão de psicanalista clínico.

A ação solicitando a suspensão de todos os efeitos decorrentes da criação do Conselho Federal de Psicanálise Clínica, a ordenação de que o órgão se abstives- se da prática de todos os atos consubstanciados em seu Estatuto Social, bem como a declaração da nulidade

dos atos praticados pelo mesmo foi movida pelo Con- selho Regional de Psicologia – 8a Região e pelo Conselho Federal de Psicologia.

No CRP-08 o entendimento era de que o Conselho Fed- eral de Psicanálise do Brasil não poderia fiscalizar o exer- cício profissional de psicanalista, pois tal prática usurpava a sua esfera de competência, para os conselhos profis- sionais a competiencia para fiscalizar é reconhecida a par- tir de Lei Federal. No caso do Conselho Federal de Psi- canálise a lei não existe.

Conforme a Assessora Jurídica do CRP-08, Zenaide Carpanez (OAB-PR 18.420), com a decisão do STF está cassado o Conselho Federal de Psicanálise do Brasil, em definitivo – portanto não pode exercer atividades de fis- calização – restando ao Conselho Regional de Psicologia do Paraná requerer que suas portas sejam fechadas. •

 

Não vamos transformar a violência em uma discussão de gêneros

Inspiradas no dia internacional da mulher, blogueiras escreveram diversos textos sobre a violência sofrida por mulheres. Belos textos (Toda mulher tem uma história de horror para contar I e II) que contam um pouco pedaços de histórias e narrativas sobre violência. Toda mulher já deve ter passado por isso algum dia. Mas fiquei um pouco incomodada com a separação de gêneros nessa questão. E, apesar de concordar completamente com a discussão que se coloca no universo feminino, venho aqui falar um pouco sobre a violência masculina, para defender que violência não deveria ser combatida com a separação de gêneros.

 

“A violência é uma organização dos poderes da pessoa a fim de provar seu próprio poder, a fim de estabelecer o valor do eu (…) mas ai unir os diferentes elementos do eu, omite a racionalidade” – R. May

 

1. O ato violento na infância

Sabemos que as histórias de violência têm suas raízes ainda bem no começo da vida, nos primeiros anos de vida. Já nessa época, centenas de pessoas sofrem algum tipo de violência – desde o tapinha e gritos para educação, até algum tipo de abuso sexual por parte de pais e familiares.

Podemos dizer que as histórias de violência infantil são tão comuns que se tornaram corriqueiras a ponto de acontecer com uma certa aceitação social. Se presenciamos alguma cena que nos indique que a criança está sofrendo algum tipo de abuso, a nossa tendência é achar que estamos “vendo coisas” e que é preciso respeitar a indivudalidade de cada família e suas regras internas. Não é a toa que a grande maioria de casos de abuso sexual infantil, quando descobertos – já tardiamente, sempre vêm acompanhados de histórias em que a vítima contou e pediu ajuda mas não foi atendida. As histórias de violência sempre apresentam três personagens: a vítima, o agressor e a testemunha. Há sempre alguém que se cala.

Violências físicas e psicológicas estão presentes em grande parte das famílias, e parecem já instituidas, tão coladas as histórias familiares que as vezes parece impossivel interferir nessa realidade. Em seu livro sobre violência, Anamaria Neves nos conta um pouco sobre como a violência se apoia em algumas concepções sociais (sobre como deve ser a infância) e como certo grau de violência é socialmente e históricamente aceito. Esse tipo de violência, já tão cedo, foi e ainda é exercida com a cumplicidade de muitas instituições como igrejas, escolas e até mesmo o Estado. Ainda hoje podemos escutar histórias em que a violência familiar não pode ser impedida porque têm a cumplicidade de uma determinada religião e aceitação social.

Muitos pais agressores, quando participam de alguma intervenção psicológica, por vezes parecem vítimas de seu próprio comportamento agressivo e quando paramos para escutar essa história, percebemos que a violência infantil por vezes tem raízes na história familiar, de forma transgeracional.

 

2. Agressor já foi vítima

A violência infantil aparece nas histórias como uma estranha forma de amar. “Faço isso porque amo, para educar”. Desde pequena, a criança vai aprendendo um pouco mais sobre essa estranha maneira de amar. E quando adultos, tendem a reproduzir essa busca por amor à sua maneira. Violência e amor/desejo aparecem de uma forma tão colada, que parece ser impossível amar ou desejar sem atuar de forma violenta. Por essas e tantas outras razões, a maioria dos agressores de hoje foi a vítima de ontem.

É comum escutarmos de homens agressores, quando questionados sobre o porque da violência, que eles de fato acreditam que as mulheres “estavam pedindo, gostando”. Ficamos enojados com esse tipo de frase mas não paramos para escutar as raízes dessa crença, que em geral veio lá da história desse agressor. Afinal, frente a uma história de horror, é muito mais natural que usemos a dicotomia do bem contra o mal, porque é muito mais complicado tentarmos compreender um pouco tudo que está envolvido nesse horror. Ser agredido é terrível, mas encontrar na agressão a única forma de relacionamento com o outro também pode ser terrível. Se falhamos em olhar para esse agressor quando ele ainda era vítima, não podemos falhar duas vezes e negar seu direito de também ser olhado, cuidado, escutado – talvez pela primeira vez.

3. Violência sexual contra o homem

Sabemos o quanto as mulheres sofreram abusos e violência ao longo da história, e também sabemos que essa história aos poucos está mudando. As vítimas cada vez mais tem tido apoio suficiente para contar suas histórias e têm a oportunidade de exorcizar seus medos e seus horrores. Já algum tempo essas histórias são bem vindas, e a luta para mostrar que a culpa da violência não é da vítima deu essa oportunidade para muitas pessoas.

Mas quando falamos apenas da violência sofrida por mulheres, deixamos de lado as muitas histórias de violência contra o homem. Com histórias de horror, esses homens também têm muita dificuldade de contar e procurar justiça, já que sabemos o quanto a postura social machista impede certos comportamentos masculinos.

Quantas vezes ainda ouvimos que “homens devem sofrer calados” e que uma história de vítima “é coisa de viado”, ou ainda que o homem é forte, jamais teria como sofrer abusos de mulheres – ou de outros homens. Mas isso acontece muito mais do que imaginamos. E ao contrário das mulheres, os estudos sobre violência com vítimas masculinas é ínfimo, uma pesquisa superficial no google pode demonstrar isso. Presos em seus papéis sociais, homens também sofrem violência calados e têm muita dificuldade em procura ajuda.

4. Violência e discussão de Gêneros

Entendo e acho muito importante essa onda de proteção as vítimas femininas de violência. Mas acredito que esse contraponto é sempre necessário em qualquer discussão, já que a violência não é exclusividade de um gênero. Sabemos que homens, mulheres, transexuais e homossexuais sofrem todo tipo de violência o tempo todo. Devemos incentivar as vítimas a denunciar e contar suas histórias, sempre. E não podemos congelar a imagem do agressor como alguém do sexo masculino. Como vimos, pessoas que tem uma imagem social de delicadeza e sensibilidade (mães, por exemplo) podem facilmente se encaixar no perfil de agressores, assim como os mais terríveis agressores já podem ter sido vítimas de terríveis violências.

 

“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro.Cada um me contou a narrativa de por que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda razão. Não é que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.” – Fernando Pessoa

Médicos e Enfermeiras que punem para “ensinar”

Não é de hoje que escutamos todo tipo de história envolvendo pacientes, médicos e enfermeiros. Histórias sobre situações constrangedoras, horríveis e traumatizantes, mas que seguem sendo apenas histórias que beiram a fantasia e não a realidade. Não acreditamos muito nessas histórias porque ainda temos na nossa memória aquela imagem do profissional da saúde como alguém paternal, que está ali para cuidar e zelar do nosso bem estar. Para contrapor essa imagem quase santificada do médico e do enfermeiro, vamos pensar no complexo de Deus que ronda os hospitais e seus profissionais.

Lidar diretamente com a tensão de poder “salvar vidas” é algo que realmente mexe muito com a cabeça de uma pessoa. Imagine uma equipe de médicos e enfermeiros que vivem disso grande parte de suas vidas? Eles assistem ali na prática, pessoas que entram com uma série de problemas e que algum tempo depois saem “curadas”. Por mais pé no chão que essa equipe seja, alguma coisa “lá dentro” fica mexida, diferente, sentindo que se é possível “salvar uma vida”, então pode-se tudo.

Mas, se analisarmos de perto, o médico foi treinado para isso (que chamamos de salvar vidas). Ele foi treinado para consertar órgãos, para detectar problemas biológicos e físicos antes que eles possam desligar o sistema que chamamos de corpo. Então o médico é apenas um técnico do nosso corpo. Ele sabe e é treinado para consertar o que deu errado, de forma que possamos continuar vivos. Sei que esse olhar pode parecer um tanto quanto cruel, até porque o corpo humano não é apenas uma máquina, mas proponho esse olhar parcial com um objetivo. O médico, no final das contas, não é Deus e não faz mágicas. Ele faz aquilo que aprendeu e foi treinado para fazer. As vezes isso funciona e as vezes não funciona e pessoas morrem.

Mas viver essa vida e essa posição de “salvar vidas” se torna um papel tão importante na vida desses profissionais que eles se esquecem que essas pessoas não são apenas corpos. Elas tem subjetividade, histórias, experiências e livre arbítrio. Muitas brigas acontecem nos hospitais, entre o que o médico acha melhor para o seu paciente e o que o paciente quer pra si. E tantas vezes o paciente não é ouvido, extamente porque o médico tem até mesmo o poder de desautorizar o desejo do paciente, dependendo de qual desejo for esse.

Por isso tem se tornado comum que médicos e enfermeiros, além de apenas cuidar dos problemas dos pacientes, tentem “ensinar” lições a seus pacientes. Mas eles faltaram na aula de Psicologia, e tentam aplicar punições sem nem ao menos saber como funciona esse procedimento na Psicologia Comportamental, por exemplo. E ai começam as histórias (e aposto que se você parar pra pensar, deve ter uma também, sua ou de alguém próximo):

Chorando em um hospital, agulhada pelas dores das contrações do parto, mulheres brasileiras ainda têm de ouvir maus-tratos verbais como: “Na hora de fazer não chorou, não chamou a mamãe. Por que tá chorando agora?“; ou “Não chora não que no ano que vem você está aqui de novo“; ou ainda “Se gritar, eu paro agora o que estou fazendo e não te atendo mais“. (Reportagem completa aqui)

Quando o paciente tenta o suicidio, a gente maltrata mesmo. Fazemos tudo de uma forma que ele sinta muita dor e aprenda que esse tipo de coisa não se faz. Por que você sabe né, esses meninos são todos mimados, só querem chamar atenção e dar trabalho.”


Histórias como essas acontecem todos os dias pelos hospitais brasileiros. A equipe do hospital se coloca numa posição em que se permite tomar atitudes que “beneficiarão” os pacientes. Mas eles se esquecem que não foram treinados para isso. Sem entender e sem saber como agir corretamente, saem passando “corretivos”, punições, em situações que eles julgam de acordo apenas com o senso comum e com seus valores pessoais.

Para certos casos eles demoram propositalmente no atendimento – “deixa sofrer pra aprender” – ou atendem da forma mais agressiva e dolorida possível “pra lembrar bem que isso não deve ser feito porque tem conseqüências”, como se isso pudesse surtir algum efeito positivo para o paciente.

Que a equipe médica se coloca nessa posição, a gente já sabe. E também sabemos que o paciente aceita tudo isso calado, em geral por se sentir culpado. Essa situação se assemelha aos casos de abuso e agressão, em que a vítima se sujeita ao agressor, por medo e tantos outros sentimentos. Mas médicos e enfermeiros não têm esse direito, e têm o dever de tratar igualmente todas as pessoas que chegam ao seu consultório, sem julgar cada caso a partir de seus valores. E se acham isso difícil, que larguem a medicina.

Mas, numa sociedade que valoriza o complexo de Deus dos médicos, incentivando e apoiando a Lei do ato médico***, parece mesmo que cada vez mais incentivamos os médicos a atuar nessa posição de lei, punido aleatoriamente enquanto fechamos os olhos para esses maus tratos. Até o dia que isso acontecer com você ou com alguém da sua família.

Temos que prestar mais atenção ao poder que estamos dando aos profissionais da saúde. E se um corpo não é apenas uma máquina, devemos começar também a prestar atenção na formações que esses profissionais estão tendo, já que passam anos voltados apenas para o funcionamento do corpo e esquecem que não somos apenas uma massa de carne, temos subjetividade e desejos, e merecemos respeito.

Vamos continuar lutando para a inserção de profissionais da Psicologia nos hospital e na equipe médica, não apenas para atender os pacientes, mas também para dar apoio e suporte aos profissionais da saúde.

** Com essa quantidade de séries sobre médicos e hospitais, podemos ver situações como essas sendo reproduzidas com facilidade. Nesse episódio da série Private Practice, uma médica que atende uma paciente cega, acredita que ela não é capaz de cuidar de sua filha, por causa da cegueira, e faz de tudo para que ela perca a guarda da criança.

Blind Love – Private Practice

*** Não ao projeto do ato médico: http://www.naoaoatomedico.org.br/index/index.cfm

Todas as crianças são adotadas

Ao contrário do que a nossa sociedade vende, o amor de mãe não é natural. O amor de mãe não é um ato mágico que acontece durante a gravidez e/ou no parto do bebê. Esse amor, como qualquer outro, é cultivado e construído. É bom que possamos conversar um pouco sobre isso porque esse mito do amor materno pode dificultar muito a vida de centenas de mãe que não vivem essa história de conto de fadas. Muitas sofrem em silêncio por se sentirem excluídas dessa fantasia, pois não sentem que a “mágica” aconteceu com elas.

São tantas coisas que podem dar errado nesse começo do relacionamento entre uma mãe e seu bebê que incentivar essa culpa não ajuda em nada, só atrapalha esse momento inicial da maternagem. Vamos falar um pouco sobre esses mitos socialmente construídos.

Mito 1

A mãe tem nove meses para aprender a amar o seu filho. Assim, quando ele nasce, o amor já aconteceu. O pai tem que começar do zero.

Discussão

Durante os nove meses de gravidez a mãe não aprende a amar o seu filho, até porque ela ainda não o conhece. Tudo o que ela faz e aprende a fazer é construir uma imagem e uma fantasia do que será aquele bebê quando nascer. Quando consegue fazer isso (e nesse ponto o pai também já pode participar do mesmo processo), a mãe vai imaginando, se deixando fantasiar sobre como será essa criança. Então o que a mãe passa a amar, durante a gravidez, é uma imagem fantasiosa de um bebê que vai nascer e não o que de fato o bebê será. Isso é bom? Claro que é bom, porque a criança que nasce precisa disso que chamamos de subjetivação, ela precisa dessa atenção voltada pra ela, ainda que seja imaginarizada e fantasiada.

Dificuldades

Nem todas as mães conseguem viver a gravidez dessa forma. Algumas passam por grandes dificuldades na criação das fantasias sobre o bebê que elas nunca viram concretamente. Podemos perceber, por exemplo, algumas mães que têm facilidade em falar com a barriga, enquanto outras acham isso um pouco desconfortável, estranho. Outras mães sentem a gravidez como um processo invasivo, como se seu corpo não respondesse mais as suas ordens. Sentem muitas dores, muitos desconfortos que acabam não deixando espaço para que elas sintam algum prazer.

Conclusão

Se a mãe tem nove meses para aprender a amar o filho, o pai também têm. Mas esse filho que eles estão aprendendo a amar ainda é só uma construção, uma fantasia em relação ao bebê que ainda vai nascer. Isso não é ruim, mas não resolve a questão do amor materno como um movimento natural.

Mito 2

Assim que o bebê nasce, após o parto, o amor entre eles é automático. Basta a primeira troca de olhares e a mãe já ama seu bebê e o bebe já sabe que poderá contar com aquele amor pra sempre.

Discussão e Dificuldades

Se no mito anterior percebemos que o amor (quando é) construido durante a gravidez é para um bebê imaginário, será que esse amor se transfere para o bebê real automáticamente após o parto? Pode ser que sim, mas nem sempre. Muitas mães que tiveram o parto em boas condições conseguem olhar para o bebê que nasceu e enxergar tudo aquilo que elas sonharam durante a gestação. Ao longo dos primeiros meses, essas mães enfretarão as dificuldades do dia a dia, mas conseguirão olhar para seu bebê e energar tudo aquilo que sonharam para ele.

Mas para muitas não acontece dessa forma. Com as dores e os medos do parto, com as dificuldades iniciais nos cuidados em relação ao bebê, a maioria das mães não consegue transferir a imagem que tinham do seu bebê, durante a gravidez, para o bebê que nasceu. Envergonhadas e tristes, não encontram espaço para conversar sobre isso e podem se tornar até um pouco mecanicistas em seu contato com a criança, pois sabem quais são suas obrigações mas não conseguem sentir “o que deveriam sentir”. Aqui podem acontecer as depressões pós-parto (que são mais comuns do que imaginamos), as mortes de bebês e até mesmo a instalação de uma série de problemas e doenças no bebê (como o austismo).

Conclusão

O amor materno imediatamente após o parto não é automático. Ele pode acontecer de forma mais rápida e fácil para algumas mulheres, mas para muitas é um processo de construção assim como qualquer outro relacionamento. É a partir dali que a mãe vai começar a conhecer o seu bebê e pode ter ou não facilidade para subjetivar aquele ser que ela acabou de colocar no mundo. Crianças que nascem com deficiência, por exemplo, costumam trazer muitas dificuldades iniciais para essa construção do amor materno, já que os pais se vêem numa situação em que a criança não é aquilo que eles imaginaram e sonharam que seria. (Mas conversaremos sobre essa particularidade em outro texto).

Existem muitos mitos em relação a gravidez e a maternidade. Mas com esses dois podemos iniciar um dialógo sobre esse processo. Por que não existe um grávida correta. Cada mulher vive sua gravidez de forma peculiar e esse mito da gravidez perfeita só atrapalha as mães que vivem sua gravidez de outras maneiras. O mesm acontece com o amor materno. Ele pode ser construído de diversas maneiras, e seja qual fora, a única certeza que temos é que ele não é natural. Assim, podemos dizer que todas as crianças são adotadas, pois todas elas passarão pelo processo de construção e criação do seu lugar na família indepentente de terem sido concebidas biologicamente por eles ou por outros. O parto não garante amor e facilidades, isso é uma ilusão que construímos. (Falaremos disso em outro texto também.)

Falar desse assunto é delicado porque essa fantasia que se criou sobre o amor materno é tão forte que parece impossível ser desconstruída. Se fosse possível falar sobre o tema com mais franqueza e seriedade, muitas mães poderiam ter uma ajuda mais precisa e não sofreriam de uma série de problemas como a depressão pós parto. E as crianças, por sua vez, poderiam desenvolver menos doenças como o autismo e outras com falhas na inserção da linguagem. Mas o medo de admitir que essa construção na maternidade passa por dificuldades acaba por incentivar o silêncio e a falta de incentivo para mudanças e investimentos nessa área.

São pequenas coisas que podemos fazer e mudar, como acompanhamento psicológico obrigatório para a mãe durante o pré-natal (junto com a ida ao obstetra, por exemplo) e durante as primeiras idas ao pediatra. Durante esse momentos, a preocupação da saúde pública ainda parece estar apenas no corpo, no desenvolvimento biológico satisfatório. Sabemos o quanto é importante também a saúde psíquica, e um movimento de inserção da psicologia nesses setores e nesses momentos cruciais da relação mãe-bebe poderia fazer uma grande diferença na hora de atuar nos grandes problemas que assistimos acontecer. Mães que conseguem esse tipo de acompanhamento, por exemplo, relatam como conseguiram passar por dificuldades de forma menos dolorosa e solitária.

Para saber mais

Um amor conquistado: o mito do amor materno, ElisabethBadinter

A construção do amor materno na relação mãe-bebê: reflexões a partir da psicanálise, Cléa M. B. Lopes

O complexo da mãe morta: sobre os transtorno do amor na relação mãe-bebê, Issa Damous

A criança, sua doença e a mãe: um estudo sobre a função materna na constituição de sujeitos precocemente atingidos por doença ou deficiência, Leyla A. V. Falsetti

Amar, cuidar, subjetivar – implicações educacionais na primeira infância, Valéria R. Baptista

Ronaldo e o hipotireoidismo

Na manhã de ontem todo mundo viu ou escutou o anúncio da aposentadoria do Ronaldo. Escutaram também sobre o hipotireoidismo e as conseqüências dessa doença na vida do atleta. Mas algo parecia errado. Em menos de trinta minutos, médicos de todo Brasil colocavam na internet que a doença de Ronaldo não era totalmente responsável por aquilo que ele disse na entrevista. A partir dai as pessoas começaram a fazer reportagens sobre a doença e suas “verdadeiras” conseqüências, enquanto outros aproveitaram para tirar sarro do jogador pela “desculpinha esfarradapa” que ele deu.

Mas quando se trata de psiquê nem tudo é tão simples assim. Cada um acredita e atribui um sentido ao diagnóstico que recebe. E é por isso que a psicanálise é contra esses diagnósticos. Quando um médico fala as palavras mágicas: “você foi diagnosticado com X doença”, a partir dai a pessoa entende o que a sua mente quer. E ela vai criar uma fantasia, uma ficção dessa doença que não necessariamente vai caminhar junto com o que de fato a doença desenvolve como problemas.

Fora isso, o doente tende a escutar aquilo que lhe é conveniente (inconscientemente também), e sua carga de sofrimento em relação a doença será particular. Por isso nem todas as pessoas reagem do mesmo jeito a uma doença. Porque cada um escuta o diagnóstico de um jeito diferente e cada um vive esse diagnóstico de outro jeito completamente diferente também.

Atribuir sentido é algo que fazemos o tempo inteiro com as experiências que passamos e quando somos diagnosticados, começamos a atribuir sentido a doença também. Então, por algum motivo, pode ser que o Ronaldo realmente acredite que todos os problemas que ele teve foram pelo hipotireoidismo. Quem sabe que sentido ele deu para esse diagnóstico na sua vida? Assim como muitos, ele pode ter se deixado definir não por uma doença, mas por um diagnóstico dado em determinado momento de sua vida.

Com a explosão de novos diagnósticos de problemas mentais, cada vez mais as pessoas são diagnosticadas com problemas que as vezes nem existiam. Mas como foram “nomeadas” daquela forma, “vestem a roupa” da doença de uma forma tão profunda que passam a definir a vida e a si mesmos a partir daquele diagnóstico. Tudo passa a ser em função daquilo. Veja a Clara Averbuck com o seu “sou bipolar e minha filha também é”, ou mesma a Tulla Luana como seu “eu sou esquizofrênica”, e tantas outras pessoas que saem pela internet se definindo por seus diagnósticos. Criam uma vida, uma história baseada em um nome, um diagnóstico que possa explicar porque elas se sentem tão diferente de todo mundo e da sociedade em que vivem.

Para essas pessoas como Ronaldo talvez seja “mais fácil” (nada é fácil, mas não vamos nos aprofundar nisso agora) se identificar a partir de um sintoma porque é com ele que será possível justificar todas as estranhezas que sentem em relação ao mundo e que o mundo sente por ele. “Ah, eu sou bipolar, e é por isso que você me acha meio estranha. É por isso também que eu sempre fui meio esquisita”. E essa posição é “confortável” no sentido da mudança. O diagnóstico justifica uma situação e te permite não se preocupar em entendê-lo para mudar. Você se torna uma pessoa estática, presa ao nome que te deram.

Não se escondam atrás de um diagnóstico. Você não é só uma doença. E não desacreditem ou dêem risada de quem se apresenta a partir de uma doença: provavelmente a identidade da pessoa está tão atrelada a esse diagnóstico, que ela não consiga perceber. Por que uma pessoa pode ter uma doença qualquer, mas não necessariamente ela precisa se tornar apenas aquela doença.

Você tem o direito de ser triste

Se você está numa roda de amigos e começa a falar de algum problema seu, em cerca de cinco minutos cada um deles começará a falar de seus problemas pessoais tentando mostrar como o problemas deles é maior. Para eles você está reclamando por pouco e precisa parar de sofrer. É a competitividade por tragédias, podem reparar. O mesmo acontece com doenças: se um pessoa reclama que a gripe está forte demais, logo chegará alguém para dizer que aquilo não é sofrimento, “sofre mesmo quem tem câncer”. Pensando nessa competição no dia-a-dia, as pessoas têm se esforçado para mostrar que a modernidade trouxe facilidades e que nossos sofrimentos de hoje são (ou deveriam ser) muito menores do que os antigos.

Acontece que sofrimento não tem medida comparativa em tabela objetiva. A dor pessoal não pode ser mensurada como se gostaria e devíamos começar a pensar na tal da tolerância e empatia. Por que tendemos a diminuir a dor alheia? Por que achamos que racionalizar a dor do outro mostrando que há coisas piores no mundo ajudará a pessoa a não sentir a dor que ela sente?

Uma pessoa pode sofrer com um simples caquinho de vidro no pé com a mesma sensação de uma mãe que acabou de perder seu filho para o câncer. Será que devemos ficar medindo quem “merece” sofrer mais, quem está mais certo e tem mais direito de sentir suas dores?

Cada pessoa tem seu modo de lidar com a dor e o sofrimento assim como cada uma consegue ou não lidar com elas de uma forma mais silênciosa ou escandalosa. Por que nos permitimos exercer essa posição de julgadores do outro se só temos a nossa experiência como base da análise de dados?

Se alguém está sofrendo horrores porque não sabe o seu lugar no mundo e não sabe ainda o que vai querer de si e da vida, por que não podemos aceitar que aquele sofrimento deve realmente ser insuportável para aquela pessoa e que pode ser possível que ela sofra por anos a fio de depressão e melancolia? Não é só porque crianças passam fome na África que o sentimento dela é diminuido ou menos dolorido.

Vamos deixar que as pessoas sintam suas dores e sofrimentos do jeito que elas estão sentindo, mesmo que para nossa realidade possa parecer exagerado e absurdo. Vamos permitir que as pessoas sejam tristes quando elas quiserem e parar de entrar nessa exigência social de felicidade 100% do tempo.

Tudo NÃO está maravilhoso e muitos estão tristes com essa exigência de felicidade que a modernidade impõe. Antes eu demorava 5 meses e agora demoro uma hora para chegar em algum lugar graças a tecnologia? Ok, isso é muito legal. Mas não me obriga a ser feliz o tempo todo. Novos problemas aparecem quando novas tecnologias são inventadas e isso é mais do que natural. É parte da evolução.

Nossa sociedade nos oferece mil formas de ter prazer (e com isso ser feliz) e nos coloca essa idéia de que não podemos sofrer com nada. “Ah, você vai sofrer porque não sabe o que quer do futuro? Mas tem tanta coisa pra ser feliz, por que você vai sofrer com isso?” Não somos obrigados a ser felizes só porque a sociedade nos oferece mil formas de obter prazer. Da mesma forma, não temos que medir nossa dor em comparação com a dor dos outros, porque cada uma dessas dores são reais e doloridas para cada uma dessas pessoas.

Você não precisa entender o sofrimento do outro. Só precisa deixar que ele sofra o quanto for necessário naquele momento. Empatia e tolerância.

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