Freud em seu artigo “O mal estar na civilização” convoca os psicanalistas a se ocuparem do mal estar do homem no mundo civilizado e a se interessarem pela subjetividade contemporânea. Isso porque a psicanálise está interessada na causa da insatisfação e da angústia do sujeito com o mundo dos objetos. Essa insatisfação já havia sido notada por Freud desde então, pois sua experiência clínica o levou a pensar a tensão nas relações entre sujeito e sociedade e nas formações sociais construídas como respostas ao conflito, que acabava por acarretar mais sofrimento do que seu enfrentamento. O que muda hoje é a realidade em que esse sujeito vive; estamos face à dialética entre subjetividade e sociedade na linha do tempo das relações sociais. Ao estudar as modalidades do sofrimento psíquico, os sintomas, compreende-se a sociedade da qual os sujeitos fazem parte, ao mesmo tempo em que ao estudar a sociedade e suas formações compreende-se as modalidades de sofrimento psíquico presentes na história de vida dos homens, num determinado tempo histórico.
Segundo Roudinesco, “o sujeito freudiano é um sujeito livre, dotado de razão, mas cuja razão vacila no interior de si mesma. É de sua fala e de seus atos, e não de sua consciência alienada, que pode surgir o horizonte de sua própria cura Assim, a psicanálise é única, pois instaura o primado de um sujeito habitado pela consciência de seu próprio inconsciente, ou ainda pela consciência de seu próprio desapossamento. Em outras palavras, o sujeito freudiano só é possível por pensar na existência de seu inconsciente, no que é próprio de seu inconsciente. Do mesmo modo, só é livre porque concorda em aceitar o desafio dessa liberdade restritiva e porque reconstrói sua significação.”
A melancolia recebeu a atenção de Freud desde a pré-história da psicanálise. No Rascunho A, escrito em 1895, Freud inclui entre suas teses duas indicações sobre a depressão, e a apresenta como uma forma de neurose de angústia. No Rascunho B de 1983 ele retoma essa tese, porém passa a diferenciar a depressão periódica branca da melancolia propriamente dita. Isso porque, para Freud, a depressão teria uma ligação racional com um trauma psíquico, onde este funcionaria como a causa provocadora, ou seja, o fator desencadeante.
E é no Rascunho G (1895) que Freud utiliza as nomenclaturas de Kraepelin para falar sobre a melancolia. Neste rascunho a melancolia refere-se a estados depressivos causados por perda ou desvio de uma excitação sexual psíquica, ou seja, a melancolia seria um luto pela perda da libido. Freud escreve que a melhor descrição seria que a melancolia é uma inibição psíquica com empobrecimento pulsional e dor a respeito dele. Mas Freud continuou seu estudo, e no Rascunho K identifica a melancolia como um sentimento de pequenez do ego.
Até este momento é possível perceber, na literatura freudiana, que ele identifica a existência da melancolia e da depressão (neuroses), e de alguma forma tenta agrupá-las na mesma categoria clínica, já que eram tratadas da mesma forma. Após o Rascunho K, não se encontram mais textos oficiais que se refiram ao termo depressão, porém o estudo com o nome de melancolia prossegue, incluindo nesta nomenclatura também a noção de depressão. Foi então com os estudos de Freud de 1912, que ligavam a doença com as questões voltadas à libido, que as atenções para a depressão foram novamente ressaltadas.
Em seu trabalho Luto e Melancolia, Freud tentou abordar de forma mais específica um dos sofrimentos do sujeito nas suas relações objetais, pois para ele esse sofrimento, (que na época nomeou de melancolia), lhe parecia enigmática, por não ser possível ver sua causa, e também pelo fato de absorver o sujeito internamente de forma tão completa. Segundo Freud, esse sentimento seria de tamanha força, capaz de gerar no sujeito melancólico o empobrecimento do seu ego. Na melancolia, o ego fica vazio de significado e sentido. O ego melancólico fica desvalorizado, e por isso o sujeito acredita que merece ser punido e repreendido, pois não vê valor em si mesmo.
A melancolia aparece como um momento penoso, no qual o sujeito perde o interesse pelo mundo, por toda e qualquer atividade, e até por si mesmo. Esse desinteresse gera uma diminuição da auto-estima do sujeito, e este tenta de toda forma se punir pelo sofrimento que está passando. Ainda segundo Freud (1912), a melancolia seria um estado complexo exatamente porque sua relação com o objeto não é simples, e sim ambivalente. É como se o amor e o ódio estivessem em guerra, e essa luta estaria acontecendo dentro do próprio ego do sujeito. Assim, o ego sucumbiria ao complexo e se enfureceria contra si mesmo, de tal forma que para o sujeito só fosse possível ver uma solução: a autopunição e o esvaziamento de si mesmo.
Depois de Freud, muitos trataram da depressão. Fenichel, por exemplo, diz que os sujeitos melancólicos possuem um superego severo, pois se sentem culpados da agressividade demonstrada para com seu objeto amado. Os sujeitos melancólicos se sentem como objetos amados perdidos, embora não assumam todas as características do objeto. O ego é sentido como objeto mau e eventualmente esse objeto interno mau ou o objeto amado perdido é transformado em superego sádico. O ego passa, então, a ser uma vítima do superego, desamparado e sem poder.
Já Winnicot acredita que a depressão é nada mais do que um ódio reprimido e desejos de morte, que levam à inibição dos impulsos instintivos. É um sentimento de culpa por algo que funciona de forma antecipada, se voltando contra o sujeito.
Para o psicanalista Fedida, a depressão é uma forma de adoecimento, uma perturbação típica da afetividade humana que pode estar presente em todos os quadros de adoecimento. Diferenciando os estados depressivos da melancolia, Fedida diz que “o estado de imobilização e cristalização (da depressão) aparece com freqüência como última defesa vital contra o desabamento melancólico e a hemorragia da culpabilidade e da vergonha. Já a depressão é a doença própria a um afeto congelando a vida humana, por meio de todos os quadros clínicos, sendo que na depressão vital o sujeito não mais dispõe de sua capacidade de ressonância. Isso porque a ressonância originária, aquilo mesmo que o humanizou, é o que se encontra em estado de falta no deprimido: ele realizou um movimento de fechamento a sentir os menores movimentos da vida. Desapareceram desejos e devaneios e, por isso, o aniquilamento: quase nem chega a ser um afeto que se experimenta e parece muito distante da percepção de um sofrimento vivido pelo sujeito. O pensamento, a ação e a linguagem parecem ter sido totalmente dominados por uma violência do vazio”.
Na obra lacaniana, são raras as passagens em que o psicanalista faz referências diretas ao tema, pois ao invés de utilizar o termo depressão, utiliza a chamada dor de existir. Em resumo, Lacan trata essa dor como conseqüência do existir no império da linguagem, ao qual todo ser humano está destinado, e que emerge quando o desejo se retrai e avança o gozo da pulsão de morte. Segundo Laurent, existe uma teoria de melancolia do ensino de Lacan, que evolui durante toda sua obra. Para ele, Lacan pensava a melancolia como um sacrifício suicida: O sujeito melancólico se nomeia, ao mesmo tempo em que se eterniza, e com isto Lacan deixa de pensar a melancolia a partir do narcisismo, para pensá-la a partir dos efeitos do parasitismo da linguagem no sujeito, estando o sacrifício narcisista subordinado ao sacrifício simbólico.
Ao falar de narcisismo e objeto, Lacan amplia sua teorização, considerando que o sujeito melancólico, atravessado pela imagem que efetuaria no impulso suicida, poderia ser apresentado com um exemplo do impulso de se reunir com o próprio ser. Ou seja, na melancolia, através do ato suicida, o sujeito se encontra com o objeto a.
Mais tarde, em Televisão, Lacan retoma Freud e Platão para falar da depressão como uma paixão da alma, a dor de existir. Em seu último estudo, ele vai dizer que a nominação é problemática. Mas por quê? “Porque a nominação é uma suposição. É a suposição do acordo do simbólico e do real. É a suposição que o simbólico concorda com o real, e portanto que o real está em acordo com o simbólico”. Se não consideramos este acordo “então é preciso um ato. Este ato não pode ressaltar senão o ponto de estofo maior que é o Nome do Pai”. Por esta razão, Lacan vai dizer “o pai do nome, o pai nomeador, aquele que assume o ato da nominação, e por isso mesmo que liga o simbólico e o real”
Citando Lacan, que diz que a depressão é uma covardia moral, Berenguer considera a depressão como uma má leitura do impossível que está em jogo. Tornar a situar o sujeito diante de um trabalho para uma solução que leve em conta os seus verdadeiros recursos, não os do ideal, que são semblantes, pode ter por si só um efeito terapêutico.
Para tentar dar algum direcionamento a pergunta inicial deste texto, cito Marcio Peter, que nos lembra a psicanálise, não como um materialismo do significante, e sim como uma Ética. E o que isso significa? Que a experiência analítica não se trata só de estruturas, e sim de escolhas subjetivas. E essa deve ser nossa posição no tratamento da depressão/melancolia. É deixar “a coisa” falar, e inventar um saber do que não se pode dizer, definir.